sábado, 31 de outubro de 2009

ONÍVORO II

Fome audaz, implacável, soberba, profunda
Consciências devoro, civilizações, universos
Regurgito tudo depois, em moldes reversos
E o que a razão aplanava o caos aprofunda

Ó sede inconsciente, primitiva, sede de morte
Minha sorte é o fim fomentar, e o recomeço
Tudo fenece à minha volta, mas permaneço
Avesso vivo; morro; e tudo pode nascer de novo

A culpa e o medo foram assassinados pelo desejo
Absolva-o que ele é a força vital da natureza
A outra face voraz divina infernal da Beleza

Fome, sede, desejo põem-se a inventar o ensejo
Dê-me um segundo e faço tremer a Eternidade!
Um punhal para cravar no coração da Verdade!


Tádzio Nanan

DEUSA II


arte: Tádzio Nanan


Porte aristocrático, olhares altivos
Classificando com ares imperativos
Movimentos ligeiros, de bailarina
Fibra de mulher, frescor de menina

O coração semeando a saudade
Volúvel demais para a saciedade
O verbo é um gládio, machucando
A fé cega dos que seguem acreditando

Narizinho aspirando (a)o céu
As mechas da cor do mel, véu
De estrelas refulgentes

Os olhos: sempiternos verões
Ardendo em estrepitosas paixões
Opalas de fogo tão quentes!



Tádzio Nanan

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

A FERA

A fera vem da sombra ancestral
E sua garganta a noite inteira verte
Que a luz envolve e reveste
Bêbeda, regurgita o Mal

Olhos incandescentes, labaredas queimando
De tanto desejar a Morte, que a espreita
Para juntas pregar a guerra como seita
Que é a constante do quando

Seu ódio asfixia a inspiração da Paz
Forjando miríade de grilhões, de gládios
Que fazem das épocas históricas plágios

O Inferno com suas mãos pode. E faz!
Ela quem é, somos nós?
Nossa oculta face, atroz?


Tádzio Nanan

VIDA (ou SOMBRA)

Informe, aflita, errante apenas sombra
No ermo da alcova projetada do incognoscível
É miragem a vida, de concretude impossível
Esfinge cujo canto fatal assombra

Outra quimera a realidade, ilusão sensitiva
Divindade nascida da nossa inconsciência e loucura
A urgência infantil de semear luz na infinidade escura
Auto-engano psíquico, superstição cognitiva

O poeta revela, ele sabe: só existe o nada!
Raciocínio, sentimento, paixão: fraude biológica
Que é trama cerebral a existência, é mitológica

Entanto, fingi crer na mentira inculcada
Introjetando o absurdo espetáculo, desconexo
Onde tudo o que somos é vertigem e reflexo


Tádzio Nanan

terça-feira, 27 de outubro de 2009

D E U S A


arte: Tádzio Nanan


A cútis branca, lençol de luz
Que a veste. O púbis negro,
Inflama no ensejo, reluz
Na lascívia do meu estro

O ventre, porcelana delicada
Templo de amores e idílios
A vulva, olente e nacarada
Vertendo o licor dos delírios

As melenas, noites encaracoladas
Escorrendo rio sobre as espaldas
Afogando os seios, pequeninos seixos

As curvas, inebriantes, nos eixos
Olhares vagos, dissimulados
Mil e um amores transviados



Tádzio Nanan

PARA LAURO MACIEL SEVERIANO


Guerreiro do bom combate
Garimpeiro da verdade e da justiça



Silencia teu clamor altissonante
Teu sonho, mina já tão distante
Tu que foste indelével galhardia
Passos à luz de outro dia

Outrora, vívido guerreiro, renitente
Hoje, és silêncio doído e comovente
No cansaço do leito, lívido, renuncias
À tua lavra, à tua impoluta valentia

Em teus olhos afogados, reticentes
Guardas, com reserva, o que sentes
O que vês: amores puros e consistentes

E adentras à nova aurora que antevias
E leve voas nessa asa que te anuncia
A perfulgente verdade que se inicia



Do neto Tádzio Nanan

VÊNUS DE ÉBANO

A lasciva noite jaz na epiderme
Exalando a luxúria dos amantes
A consagrada nudez: inquietante
Visão do Éden; obsessão em germe

Deusa de ébano, lábio africano
Divino lume o viço lhe engalana
O beijo, veneno doce como a cana
A desvairar o varão americano

Negra! Singular perla dos mares
Canto de sirena rasgando os ares
E o Odisseu se arrebatando

Manhã de primavera acordando
Êxtase sublime, loucos devaneios
Vertigens noturnas e seus enleios



Tádzio Nanan

SONHOS

Meus sonhos iluminam-se da tua arcangélica beleza
Neles, ponho-me aos pés da tua nudez, arrebatado
De ti, toda minha natureza tem-se ocupado
Em êxtase tem vivido e estado acessa

À tua regência, meu universo inteiro cala
Só o coração pulsa em ardente desejo enlevado
A te esperar, fonte de tudo que é mais sagrado
Secretamente, nele tua voz sussurra e fala

Teu corpo, esplendor da forma, exala perfume inebriante
Que cativa e engana. Já amo mais que Romeu e Dante
E fico cismando as delícias da tua boca, da tua tez

Sentir a nívea doçura do teu corpo, que Deus fez
Embriagado do ardente azul do teu olhar
Perdido no sonho de nunca mais acordar



Tádzio Nanan

FILOSOFIA EM DOSES HOMEOPÁTICAS parte 2

Conforta os fracos e confronta os fortes

Deu vontade, sacia-se; é sábio por saciar-se ou tolo por se render à vontade?

Não é que o tempo passe; nós é que vamos ficando

Sem sonhar, não somos senão animais

Sem sonhos, a vida é necessidade e instinto

Não aceita que te digam a verdade; a única verdade que importa está dentro de ti

A religião e a lei querem botar rédeas no Homem, mas ele não é uma fera que se domestica facilmente

A religião quer ser o freio do carro veloz chamado História; detê-lo-á?

Sê simples, não simplório

O sábio é simples; o tolo, simplório



Tádzio Nanan

A AMARGURA DA FELICIDADE

Adriano Costa

Fiz-me tolo
Fiz-me pueril
Tornei-me escravo das suas entranhas
Cuspi todo o resto de orgulho das minhas veias
Perdi-me na poeira das estradas em busca de ti

Acabei-me em confusões mentais bruscas
Fixei-me em locais vis para esquecer-te
Burlei todos os códigos para proteger-te
Ganhei decepções mil a perecer-me
Virei uma caricatura de mim mesmo ao conhecer-te

Doenças, tédios, minha rotina é obscura
Busquei uma cura, mas falhei
Apelei a crenças, vil engano, piorei
Enredei em tramas amorosas, estrepei-me
Botei todo blood on the tracks, nem Dylan entendeu

O asco da tua boca repaginou-me
Fiasco de vida que me traz um parco orgulho de lembranças passadas
Vi-me careta para ter o teu orgulho
Vi minha vida tornar-se uma piada
Teu corpo foi minha maior cilada

Cai-me a poeira da escuridão
Traz-me um copo de amor, oh solidão!
Fito a amargura da felicidade
Falsidade é a bandeira da humanidade
Tragai-me para a infinitude da banalidade


NOT DARK YET
(Bob Dylan)

Shadows are falling and I've been here all day
It's too hot to sleep time is running away
Feel like my soul has turned into steel
I've still got the scars that the sun didn't heal
There's not even room enough to be anywhere
It's not dark yet, but it's getting there
Well my sense of humanity has gone down the drain
Behind every beautiful thing there's been some kind of pain
She wrote me a letter and she wrote it so kind
She put down in writing what was in her mind
I just don't see why I should even care
It's not dark yet, but it's getting there
Well, I've been to London and I've been to gay Paree
I've followed the river and I got to the sea
I've been down on the bottom of a world full of lies
I ain't looking for nothing in anyone's eyes
Sometimes my burden seems more than I can bear
It's not dark yet, but it's getting there
I was born here and I'll die here against my will
I know it looks like I'm moving, but I'm standing still
Every nerve in my body is so vacant and numb
I can't even remember what it was I came here to get away from
Don't even hear a murmur of a prayer
It's not dark yet, but it's getting there.

domingo, 25 de outubro de 2009

DOIS POEMAS RELIGIOSOS

B U S C A

Busco-me em minas profundas
A ver se me descubro tesouro
Potes transluzindo ouro e diamantes
Para ver se lá no fundo me encontro
Maior e melhor, como nunca dantes

Senhor de minhas faculdades
Reerga-me com a força de gigantes,
Rebentando o grilhão dos medos e das saudades

Na escuridão dessas minas
Paradoxalmente possa ver-me melhor
E descobrir o herói, o guerreiro, o artista
Que porventura em mim existam
Quase asfixiados
Na inércia dos acanhados

Medito para ver se me materializo num santuário
Onde os sonhos vêm trazer oferendas
Para forças imortais cheias de plenitudes

Também mergulho-me nos meus oceanos
Para ver se descubro pérolas de antigos naufrágios
Jóias esquecidas em longos anos de afogamento

Essa busca, não sei bem aonde dará
Mas a recompensa de caminhar não são os passos dados,
Onde quer que os pés descansem, no fim da longa jornada?

Mas intuo: essa busca há de me revelar a mim
Para que descanse nos braços da quietude, enfim
Essa busca há de me revelar Deus, também.
Que é tudo a que tenho ansiado. Amém!



O PONTO DEUS

À noite, as vastidões do nada me aterram!
Tenho estado de Deus uma vida inteira ausente...
Ajuda-me Senhor a desvendar o tudo no nada presente:
Quero vislumbrar o espaço infinito no átomo
Quero sentir a eternidade nas asas do átimo
Quero ver e sentir muito mais, muito além
Do que se vê e sente

Os abismos incomensuráveis da matéria é fera
Que enregela as fibras do meu coração
Sei agora - sabemos todos:
Nossa mente para crer fora forjada
Por um martelo e uma bigorna divina
Porque só assim faz sentido e suporta-se
Esta brevíssima e agônica jornada

Sou um falso profeta da matéria
Do frio silêncio universal...
Tudo mentira banal!
Sou um falso crente do acaso e da probabilidade
Porque em tudo agora vejo um sentido e uma verdade



Tádzio Nanan

sábado, 24 de outubro de 2009

O N Í V O R O

Vivamos livres, sem limites
Condenados à liberdade
Ao ócio, aos instintos
Como deuses loucos e lindos

Um nome?
Uma identidade?
Não nos serve...
Somos tudo, somos todos
E somos nada

Certezas e saudades?
Emprego e propriedades?
Correntes que nos agrilhoam
Falsos ideais a nos escravizar

Sem destino, sigamos
Para além do que já foi pensado e vivido
Inventemos novos sentidos para a vida
Novas trilhas para o mundo
Para a mente
Para a gente

Morte à pátria, à religião
Ao Capital e à moeda
Não nos basta o que temos:
O mundo, a humanidade, a filosofia, a arte?
E o futuro, gestado em nossas mentes

Qualquer coisa estranha a nós mesmos, não nos serve...
Por que degredar-se para longe de si mesmo, degradar-se?
Revoguemos tempos e espaços
Vamos ter o que é nosso
Façamos com nosso braço
Digamos com nossa boca
Vejamos com nossos olhos
Sintamos no nosso corpo

Esqueçamos das convenções
Pseudo-verdades alardeadas
Desacreditemos de tudo
Quem disse que esta era a ordem?
Que tal era a verdade?
As verdades são tantas quantas as estrelas no céu
E tão voláteis quanto os segundos no tempo
O caos é a única ordem que se fez
O acaso, o fortuito, o contingente

*

Cordeiro, abandones teu rebanho
Te entregues à liberdade
Não há lei, autoridade, hierarquia
Vivas no reino da anarquia
Onde todos somos absolutamente iguais
D i f e r e n t e m e n t e
Onde todos somos absolutamente distintos
I g u a l m e n t e

Não há nada que não queiras
Rias em desafio
Batas no peito com força
Enfrentes o establishment
Enfrentes o mainstream
Até que tremam, claudicando

Enfrentes! Que sejas tigre
Não cordeiro
Escrevas com teu punho
Creias na tua obra
Caminhes com teus pés
Marques teus próprios passos
Esqueças os dos outros
Se os outros são cobardes
Sejas intimorato, força telúrica
Obra plena em si mesma

E se fores viver, vivas livre
E se fores morrer, morras livre
Revogues tua escravidão
Removas tua corrente
Te resgates do teu cárcere
E vivas livre e morras livre

Enfrentes os tiranos
Os tiranos merecem a morte
Enfrentes teus inimigos
Os inimigos merecem a morte
O medo, a morte, esqueça-os
Amplies-te i n f i n i t a m e n t e
Tua vocação é para a liberdade

Não queiras ter fronteiras
Somos todos infinitos, em contínua expansão
Sem começo, nem termo, como os universos na eternidade
Não queiras ter posse nenhuma, senão tu mesmo
E o mundo, a humanidade, o futuro
Que é tudo teu, que é tudo nosso
Que é de todo mundo
E de ninguém


Tádzio Nanan

JP, UM (ANTI-)HERÓI BRASILEIRO

Quando o encontrei, estava transtornado. Via-se isso na face afogueada, nos olhos esbugalhados, no lábio inferior que tremia um pouco até. Também, havia horas que se enchia de cachaça, repassando o infortúnio detalhe a detalhe. Nunca o vira num tal estado. Justo ele, alma de bem com a vida, pouquíssimas responsabilidades, anarquista muito bem sucedido no propósito de não ser fiel a coisa alguma senão a si mesmo, puro instinto, tão leve e errante quanto um flato ao vento. E o que sucedera? Uma mulher, claro, que é o que sucede, cedo ou tarde, para o bem ou para o mal, na vida de qualquer homem. Sempre fora mulherengo e elas viviam correndo atrás dele; bem-apessoado, tem dinheiro no banco, apesar de ser apenas medianamente inteligente e de ter um senso de humor desses que não se entende muito bem. Com o mulheril sua filosofia de vida era nunca ser fiel nem exigir delas que o fossem. Mas com a Maninha a coisa era um pouco diferente. Desde o começo ela mexera com suas entranhas de uma forma que não imaginaria em outros tempos. Algo nela o tocara profundamente e agora ele se servia dela como quem se serve de uma droga poderosa que causa dependência física, psíquica e moral. Estava verdadeiramente afeiçoado à pequena. E como eu disse, J.P nunca fora disso, muito pelo contrário, menoscabava o amor romântico em todas suas possíveis manifestações. Na sua cabecinha sensual e pueril tudo se resumia a sexo, o mundo seria basicamente a penetração de falos em vaginas. Enfim, o caso é que eles viviam num relacionamento aberto e até onde vigorasse a total ignorância do que cada um fazia nas horas de ausência um do outro, estava tudo bem, estava tudo certo. Entanto, dias atrás ele achou o diário da pequena sobre a cama e não resistiu. Como um bom malandro pouquíssimo afeito às questões morais e éticas, mergulhou fundo nas páginas do livrinho para incontinenti mergulhar fundo na melancolia do desapontamento. Descobriu lá que Maninha tinha transado simplesmente com mais de duas dezenas de picas nos últimos doze meses, doses cavalares de sexo na veia, overdose mesmo, coisa da pesada, hardcore. Aquilo o afetou sobremaneira porque ele sequer se apercebera da quantidade de vezes que ela se satisfizera fora de casa. Mas o que mais o indignava é que não obstante todo seu empenho, contumaz e cotidiano, ele só se metera em doze bocetinhas no mesmo período (um terço das quais, pagando). Era ultrajante, mesmo insuportável quando descobria uma mulher que se esbaldava na luxúria muito mais do que ele próprio conseguia; justo ele que se considerava o maior dos putanheiros da Terra Brasilis. E foi para me contar esse causo que me chamou para beber consigo naquele dia...


Tristão da Isolda
Amigo e confidente do JP

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

DOIS POEMAS

(1)

Vencer o destino
Indo além do previsto
Insisto no desatino

Ir além do concreto e do real
Mergulhando no secreto e no ideal
E viver nos sonhos
S o n h o s
T a m a n h o s

Suplantar o fim
E renascer
Menino
Numa espiral
Recorrente
Ser imortal
E inconseqüente

Poeta do excesso e do abscesso
Versejando o avesso e o transversal
Nunca onde posto
Uno e composto
Este e o oposto

Peito arquejando
O inarrável
Veia transbordando
O mistério
Expandindo meus desejos
Na anti-gravidade das horas
Expandindo meu universo
Com a imprevisibilidade do verso


(2)

Sou vário
Multifário
Alegria e calvário
Ao sabor das horas
E das desoras...

Eterno como os números
E fugaz como as palavras...

Virtudes ímpares
Pecados plurais
Razão e absurdo
Clamor surdo...

Livro inconcluso
Que se reescreve
Na urgência
Do que nasce
Ou morre...

Viandante
Que parte para onde ignora
Mas chega sempre onde mora
Porque mora em tudo...

Mundos
Ardentes
Diferentes
De mim mesmo...

Passos à toa
Perdidos uns dos outros...

Sem fim, sem começo
Todo dia me esqueço
Todo noite amanheço
Buscando por Deus
Mas não sei se o mereço...



Tádzio Nanan

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

D E S E S P E R A N Ç A

Em etílico assomo brada
O cobarde a desdita que o enfada:
“De outrem o fado cumprido
A vida é vazia, os dias, sofridos”...

No íntimo exílio, à mesa de Baco
Olvida-se com álcool e tabaco
Receando os algozes, os imigos
Prostrado por tantos castigos...

Ímpeto que o fizesse afrontar
E o vestisse de aço, pra pugnar...
Só teme. Quisera assustar!

Sonho que o incitasse a lutar
E o erguesse pra uma revolução comandar...
Mas morre. Quisera matar!



Tádzio Nanan

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

LOBISOMEM

(1)

A fera
Espera
O momento certo
De erguer o cetro

Impera
No instante
Em que se encerra
A censura da consciência

Esmera-se na vertigem da lucidez
E assoma na insensatez das paixões humanas


(2)

Um lobo corre
No labirinto da tua
Existência

Até que ele acha a saída
E destrona tua fugaz
Consciência


(3)

No esfíngico rincão
Do inconsciente
O primitivo que há em nós
Movimenta sua mão devastadora

No espelho
Esse antípoda de nós
Algoz silente e atroz
Íncubo que atormenta
A humanidade de todos
Medo de mim e dos outros

Hedionda face na íntima janela
Animal fugido da cela



Tádzio Nanan

terça-feira, 20 de outubro de 2009

D E S P E R T A R

por Tádzio Nanan


Enfim, a manhã de uma vastíssima noite!
Lentamente, as mulheres se vão despertando
Seus olhos desvirginam-se diante do espetáculo da luz: formas mil, mil possibilidades
Os corações estão secos:
Ó sede!
As mentes estão ávidas:
Ó fome!
As almas sonham com a amplidão:
Ó calor!
Abrem os braços, sequiosas do mundo inteiro: é um convite à Existência, deusa-mãe, para compartilhar com elas os mistérios profundos da vida
São desejos vorazes, forças fluindo livremente, revoluções em marcha
Mas ainda não se levantam. Por que não se levantam?
Porque também há muita confusão e dúvida
São um turbilhão de sentimentos, emoções, razões e desrazões
São os séculos que pesam insuportavelmente sobre seus ombros. A carga dos velhos dilemas e dos paradigmas depauperados
Têm de vencer suas sombras, transpor seus abismos
Têm de matar a si mesmas, para nascer inteiramente outras
Em breve, ágeis e destemidas, correrão atravessando os espaços e as horas. Mas não ainda, não ainda...
As mulheres, enfim, descobriram a história
Logo, logo a história também fará sua maior descoberta: a história das mulheres, o limiar da verdadeira História
Tornar-se-ão melhores reciprocamente? Sim!
Que transformações sucederão em ambas? Todas!
Algumas mulheres exigem do mundo uma indenização pela história ter sido o que foi
Paguem, vociferam, pela nossa doída plurissecular inexistência, por nosso amor castigado, por nosso corpo aviltado, ferido, vendido e comprado, por nossa delicadeza humilhada pela força, por nossa dignidade seqüestrada pelo dinheiro, por nossa inútil entrega aos bárbaros e aos brutos, por nossa inteligência castrada pelos covardes
As mulheres querem revanche!
As mulheres querem revanche?
Não. Somente aquelas que ainda não compreenderam a grandeza do momento, aferrando-se ao ontem, ao invés de imaginar e erguer o amanhã
É porque enquanto o novo não se impõe, o passado chora à sua porta e dói nos corpos como Roma doeu no corpo do Cristo
É porque ainda não se encontraram totalmente (enquanto os homens se têm perdido)
Estão no meio da travessia
É duro estar no meio da travessia
Caminham num labirinto escuro, não se enxerga um dia à frente
Caem de alturas infinitas
São arrebatadas por forças ignotas
Suas identidades tragadas em redemoinhos emocionais
Injetam miríade de delírios nas veias
Têm os corações explodidos
Têm as vulvas em brasa
E repercutem o grito de Munch
E enlouquecem como o pintor holandês
E desistem como os suicidas
E se envenenam lentamente (enquanto envenenam o mundo com a cicuta das feridas supuradas)
Olham-se no inexorável espelho da alma
E vêem o monstro de Frankenstein:
Um pesadelo composto de mil pedaços ainda não revelados
Não sabem quem são
E dói ignorar quem se é, o que se é, o que se quer
Partem em busca de si
Perseguem-se
Capturam-se
Confessarão?
A verdade pode doer. Não vão querer ferir seus ouvidos com a verdade...
Não! Querem sim saber da verdade, porque têm coragem
(A verdade é só para os que têm coragem)
Querem saber quem são
Querem decifrar este enigma
Traduzir os arcanos do feminino, plantados em seus corações desde tempos imemoriais
Mas ainda há muita ignorância. E o caos
Ainda sonham com a maternidade, ou preferem uma liberdade egocêntrica??
Trocariam uma vida de doçura e calma pela pantomima cínico-traiçoeira do poder, do dinheiro e da glória??
Anseiam por ter o respeito, quem sabe o temor dos homens, ter o mundo a seus pés?? Ou preferem, humildes, ajoelhar-se e beijar os pés da Terra??
Um homem (o ideal)?? Ou todos?? Ou nenhum??
Ó sede!
Ó fome!
Ó calor!
Levantam-se
Tropeçam, caem, soerguem-se
E avançam
A marcha de um exército?
Um cortejo pacífico?
Aí vêm elas:
Sombra e objeto
Potência e ato
Sonho e labor
Escuridão e luz
Mas, desde já, livres de todo senhor e de toda cruz!

domingo, 18 de outubro de 2009

A SÉTIMA ARTE AO ALCANCE DE TODOS

Eis mais algumas sugestões de filmes interessantes para os cinéfilos diletantes de plantão, ávidos por uma nova descoberta cinematográfica (assim como eu).

Alguém pode dizer: é perda de tempo; “o cinema é só ilusão”* (e com toda a razão). Mas e daí? A vida também é uma “grande ilusão”** e nem por isso a gente abdica de viver!

*Lobão
**Vinícius de Moraes



1) Réquiem para um sonho (Darren Aronofsky, 2000)

2) Doze homens e uma sentença (Sidney Lumet, 1957)

3) Antes só do que mal casado (Bobby e Peter Farelly, 2007)

4) Oldboy (Chan-Wook Park, 2003)

5) Rio vermelho (Howard Hawks, 1948)

6) O escafandro e a borboleta (Julian Schnabel, 2007)

7) As invasões bárbaras (Denys Arcand, 2003)

8) O homem elefante (David Lynch, 1980)

9) Buena Vista Social Club (Wim Wenders, 1999)

10) Sonata de outono (Ingmar Bergman, 1978)


Tádzio Nanan

FILOSOFIA EM DOSES HOMEOPÁTICAS parte 1

Acalmai-vos! O desespero nunca foi bom conselheiro

Quanto maior a especialização, maior a alienação

Ora, Freud, o que querem as mulheres? Elas querem tudo! E o querem os homens? Mulheres!!

Ninguém segura um homem quando ele não tem nada a perder. Ninguém segura uma mulher quando ela simplesmente quer

Os homens são simples: tudo que eles têm gostariam de ter mais; as mulheres são complexas: tudo que elas têm gostariam de ter melhor

Atacar os outros revela o quão fraco você é, não o quão forte

Quem crê em Deus será tentado pelo Diabo

A solidão é um sol que dá vida, mas que também caustica

Duvido, logo penso. "Penso, logo existo". Duvido, logo existo



Tádzio Nanan

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

DIALÉTICA DO AUTO-ESCLARECIMENTO



Debato-me
Numa dialética desvairada
Caminho a esmo para ver se caminhando
Meus pés me indicam a estrada
Que dará em mim mesmo
Quando enfim me tenha
Como morada

Abalo as estruturas do meu pensamento
Rego as antíteses, colho as contradições
E num turbilhão caótico de experimentos
Acho a Verdade em preces e orações
Que Deus é tudo
É mudo
Mas fala aos corações

Repercutem em mim vozes conflitantes
Sobre as grandes questões civilizatórias
Ah, saudades daquele juvenil estupor
Daquelas simplórias certezas de antes
Quando não ouvia o clamor
Dos esquecidos
Nem conhecia
Toda a falaciosa ideologia
Dos bem-nascidos

E meus sentimentos
Numa espiral malsã
Deserdados sem coração que os entenda
Exilados, sem ontem, hoje, amanhã
Contraponho-os, numa acareação ilusória
Donde extraio só mais confusão sensória
Com eles componho
Os infaustos poemas
Que a vida vai me ajudando a tecer
Sequioso pelo momento de alvorecer



Tádzio Nanan

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

G E R M I N A L

Serei conseqüência e causa da minha vontade,
Para que, preso, possa libertar-me, num grito.
Contemporizem, ao que promovo o conflito,
Para, ao calar, ter já exaurido o que arde.

Retrato fiel da própria verdade, eu serei EU.
No silêncio da noite gesto-me, ávido do dia,
Nutrido com a fé da mais imortal utopia:
Fundar outra humanidade, como Prometeu.

E serei todos que queira, como num sonho
(onde as múltiplas faces na mesma face ponho)
Enquanto o adicto desta ordem séptica

Paralítico e abúlico, só debilidade
Forja o grilhão da própria liberdade
E degenera-se numa covardia céptica



Tádzio Nanan

sábado, 10 de outubro de 2009

AUTO-RETRATO POÉTICO

AVESSO


Prisioneiro, libertava
Ausente, convivia
São, contemplava
O que outro olhar via

Crente, duvidava
Estéril, concebia
Alienado, asseverava
O quanto não sabia

Consagrado, pregava
Ira, infâmia e orgia
Imberbe, desfolhava

Asceta, consumia
Iluminado, inventava
A superação do dia




POLIMORFIA


Minha personalidade ciclotímica
Fixamente inconstante
Ousando vôo periclitante
Refém de insidiosa química

Minha personalidade grandiloqüente
Tudo diz quando cala
Ouve o que não se fala
E diz a verdade, mas mente

Minha personalidade Hollywoodiana
Dúbia personagem em cena
Nenhum roteiro a coordena
Teatralmente insana

Minha personalidade mitológica
Fênix, renascendo
Sendo, não sendo
Em sua meta-lógica

Minha personalidade cibernética
Tende a equilibrar-se no Caos
Corrigi-se auscultando os maus
É apostolicamente cética

Minha personalidade barroca
Quer ser os extremos do fio
Quer ser a castidade do cio
Repleta de tudo, mas oca


Tádzio Nanan

domingo, 4 de outubro de 2009

MANUSCRITOS ECONÔMICO-FILOSÓFICOS parte 2

Tádzio Nanan
Economista


Temas para discussão

Fragmentos

(1)

A renda líquida advinda da exploração do petróleo do pré-sal, vindo na magnitude esperada, pode ser fator determinante para mudarmos o curso do desenvolvimento sócio-econômico do Brasil. Realizando-se os prognósticos sobre o volume das reservas e a rentabilidade desse projeto, bem como as intenções do governo federal de aplicar a renda daí advinda em áreas essenciais (educação, cultura, ciência e tecnologia, inovação tecnológica, sustentabilidade ambiental e combate à pobreza) podemos ter um ponto de inflexão no curso histórico do país. É claro que teremos de evitar a “doença holandesa”: a superabundância de moeda estrangeira, que valorizando a moeda nacional afetaria severamente nossa capacidade exportadora e inundaria o país de importações a ponto de gerar a desindustrialização do país. O que seria um erro crasso até pelo fato de o petróleo ser um recurso finito, a poucas décadas de ser esgotado na natureza, cuja era já está em franco declínio (“não foi por falta de pedra que superamos a Idade da Pedra”).

O petróleo do pré-sal pode ajudar o Brasil a entrar no seleto grupo de países de renda alta e elevado desenvolvimento humano e pôr o país em condições de competir com as nações mais ricas e de maior desenvolvimento científico e tecnológico pelos mercados globais. O Brasil tem totais condições de ser um global player. Temos água em abundância – recurso que será tão valioso no século XXI quanto o petróleo o foi no século passado, muita terra agricultável (somos uma das últimas fronteiras agrícolas do mundo; temos o potencial para ser o “celeiro” do mundo, pois nossa agricultura é a mais produtiva e competitiva do mundo), possuímos um dos maiores e mais diversificados parques industriais do planeta, somos o futuro da energia limpa: energia eólica e solar, a biomassa, o etanol da cana, além das tradicionais fontes de geração de energia elétrica: hidroelétrica, carvão, petróleo, gás, e a (futuramente importantíssima para o Brasil) energia nuclear.

Não obstante as expectativas há um ponto de interrogação sobre a questão do petróleo do pré-sal: a quanto estará cotado o barril nas próximas décadas? Claro, ninguém pode dizê-lo ao certo. Mas sabe-se dos compromissos que os países deverão assumir nos próximos anos no intuito de reduzir suas emissões de gases do efeito-estufa. Se o cenário otimista concretizar-se, ou seja, se a economia global conseguir crescer economicamente com menos emissões de carbono, significa que estaremos consumindo menos combustíveis fósseis, trocando-o por fontes de energia limpas e ecologicamente sustentáveis. Portanto, se a demanda por petróleo for progressivamente menor nas próximas décadas devido ao esforço de contenção do aquecimento global, o preço da commodity poderá cair. A pergunta é: este preço menor compensará os custos de extração do petróleo do pré-sal (elevados, já que estão em águas muito profundas)? E se compensar, será suficiente para fazer os vultosos investimentos que o Estado brasileiro sonha em fazer?

No cenário mais desolador, se as nações não conseguirem um acordo geral sobre como combater o aquecimento global, a temperatura no planeta subirá dois ou mais graus centígrados até o fim do século, segundo os prognósticos dos cientistas, e aí teremos uma terrível conseqüência para os brasileiros: a riquíssima biodiversidade da floresta amazônica poderá degenerar em savana. Parece-nos, assim, que o Brasil está entre o martelo e a bigorna: no melhor cenário (de contenção do aquecimento global), perderá importância o petróleo do pré-sal; no pior cenário (considerável elevação da temperatura da Terra), a Amazônia e toda sua potencial riqueza e diversidade biológica ficarão comprometidas.
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(2)

Entraves econômicos enfrentados pelos países pobres e em desenvolvimento (emergentes, na nomenclatura econômica moderna) na competição pelos mercados globais:

1) Os países do capitalismo central têm estruturas de financiamento das atividades produtivas mais adequadas. As taxas de juros são estruturalmente baixas, os prazos de financiamento, maiores, o mercado de capitais é bem desenvolvido, a poupança interna e a taxa de investimento são altas;

2) As corporações econômicas dos países ricos têm economias de escala, que significa menores custos unitários de produção, e, portanto, menor preço de venda, ganhando mercado às expensas dos concorrentes; é impossível a competição entre empreendimentos econômicos que têm escala e aqueles que não têm escala;

3) Os países mais ricos investem pesadamente em ciência e tecnologia, pesquisa e desenvolvimento, inovação tecnológica, o que significa novos produtos, novos serviços, novos processos produtivos e a abertura de novos mercados; enquanto no Brasil a maior parte da C&T e da P&D são financiadas com os escassos recursos da União, através das universidades federais, sobretudo, nos países do G-7, estes investimentos são feitos pelos laboratórios das grandes corporações transnacionais;

4) A mão-de-obra é muito mais qualificada e, por isso, apresenta taxas de produtividade mais elevadas (o que gera salários mais altos);

5) Existe nestes países segurança jurídica e institucional, respeito à propriedade privada e à contratos, o que diminui riscos e custos econômicos.

Nos países pobres e em desenvolvimento, com renda per capita baixa e média, observa-se a situação contrária: 1) instabilidade política, institucional, social, jurídica e macroeconômica; 2) altos índices de pobreza e desigualdade, por si só, fatores impeditivos de maior crescimento e desenvolvimento econômico; 3) mão-de-obra com baixa escolaridade; 4) baixa produtividade do trabalho; 5) os empreendimentos produtivos não apresentam economias de escala; 6) crédito caro e de curto prazo; 7) economia de baixa inovação tecnológica; poucos investimentos em ciência e tecnologia e em pesquisa e desenvolvimento.

As teorias econômicas clássica e neoclássica afirmam que o comércio internacional (e a teoria subjacente das vantagens comparativas) e a livre movimentação de capitais (que migrariam dos países ricos, com baixa produtividade do capital, para países pobres e em desenvolvimento, com alta produtividade do capital,) concorreriam para desenvolver todos os países, tornando-os homogêneos no seu desenvolvimento sócio-econômico. É a hipótese da convergência econômica (a utopia capitalista).

Já a Cepal alerta-nos para a deterioração secular dos termos de troca, conseqüência das diferenças de valor agregado entre as exportações dos países ricos e pobres e das diferentes elasticidades-renda da demanda desses produtos. Ademais, as estatísticas têm mostrado que os fluxos de capitais têm migrado dos países emergentes para os países ricos – o contrário do apregoado pela teoria (a China, por exemplo, tem ajudado a financiar os déficits gêmeos dos EUA, investindo suas reservas multibilionárias em títulos do tesouro americano) e não há qualquer tendência perceptível de convergência sócio-econômica. Ao contrário, constata-se um crescente aumento da desigualdade sócio-econômica no planeta, entre países ricos e pobres, entre regiões ricas e pobres. Mais que isso: mesmo dentro dos países mais ricos do mundo, também aumentam a desigualdade entre regiões e classes sociais. O que fez a OCDE declarar a inoperância das políticas de redistribuição de renda. Contra evidências empíricas não há teoria que resista...
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voltaremos aos temas