domingo, 23 de março de 2014

O HOMEM QUE NÃO ESTAVA LÁ, por Tádzio Nanan


a casa parece enorme; a cada passo, se estendem os cômodos, se multiplicam os metros, e os vazios se aceleram, como num universo particular; a solidão infinda-se, dilacerando-me lentamente, humilhando minha humanidade; uma imensidão de impossibilidades de afeto, diálogo, amor, esperança
falo fingindo a presença de outra pessoa, falo para ouvir-me, para lembrar que sou gente; a solidão é um sol que dá vida, expande as capacidades imanentes, abre os olhos para uma singular visão das coisas, mas, exagerada, entorpece e exaure, resseca o coração, confunde a mente, limita o espírito
percorro um milhão de quilômetros de pensamentos no espaço de um metro quadrado, quisera percorrer um milhão de passos sem nada a pensar, fruindo o momento
solidão tumular, silêncio cortante, pensamentos tortuosos
existo realmente ou apenas vestígio de algo extinto, sombra do passado? eles existem ou são reflexos de alguma coisa, não a coisa, o pó da coisa, o rastro fugidio da coisa? e se existimos, o fato de que tudo será extinto e esquecido não nos faz mortos e esquecidos desde já, como fantasmas errantes? alívio nada ficar registrado (que assim permitam as leis da física)
bebo água, sem água a gente morre, sem gente por perto morremos também, queria beber gente todo dia, como se fosse água, queria respirar gente como se fosse ar, respirar-se é bom, mas insuficiente, vai-nos intoxicando, precisamos de pontos de vista diferentes, de dialética e oxitocina
entro em meu quarto, meu palco e minha tumba, por onde andam meus sonhos e esperanças? murcharam como eu através das décadas; de timidez ando perdendo a vida, me disseram, não que a vida se importe, não que alguém se importe, eu deveria me importar, mas alquebrado demais para me importar; ouvindo música baixinho, para não incomodar ninguém, passando despercebido mais um dia, um alegre e festivo, talvez pela minha falta; ouvindo música baixinho, e dançando com alguém imaginário, o amor dos meus 15 anos
a casa parece enorme
uma ausência de tudo

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