domingo, 26 de julho de 2009

Arte como elemento transformador

Arte não é só entretenimento. Arte é catarse. E esse processo catártico nos confere humanidade, confronta-nos com o que projetamos para nós mesmos e para os outros. Por exemplo: a arte cinematográfica nos transporta a acontecimentos, aventuras e emoções as mais diversas que nem em mil vidas as viveríamos, mas compartilhamos aquelas vivências que nos tocam e acrescentam algo às nossas próprias vidas comuns. O mesmo se dá com a música, uma vez que permite a cada indivíduo elaborar suas próprias emoções promovendo, assim, o encontro consigo mesmo. E assim acontece quando se passeia por qualquer manifestação artística, seja a literatura, as artes plásticas, a estética, a oratória, a dramaturgia, enfim, tudo o que não é só realidade, e sim, um trasbordamento do real.

Para Nietzsche, a arte deve antes de tudo embelezar a vida e em seguida deve reinterpretar tudo o que é feio, penoso e triste, extraindo, assim, o seu significado, ou seja, revestir as tragédias humanas de conteúdo artístico; parafraseando Fernando Pessoa, o artista é um fingidor. Este mesmo poeta proclama que ´´a finalidade da arte não é agradar. O prazer é aqui um meio; não é neste caso um fim. A finalidade da arte é elevar``.

A arte não enche barriga, não paga as contas: a não ser as de quem a produz (quando muito!), não cura doenças, não aniquila as dores humanas, porém a vida sem arte seria o quê??


Jorenilson Medeiros
Músico, Economista, Escritor, Poeta

terça-feira, 14 de julho de 2009

REFLEXÕES SOBRE A VIOLÊNCIA URBANA (em termos de custo de oportunidade e escolha intertemporal)

Em razão dos ataques organizados pela facção criminosa PCC – Primeiro Comando da Capital, contra as forças da ordem, no estado de São Paulo, gostaria de tecer alguns comentários sobre a temática da violência.
Inicialmente, é preciso dizer que os atos de violência, sobretudo quando disseminados e perpassando todo o contexto social, não são mais que um sintoma, evidenciando o quadro de anomia em que vive a sociedade. Eles não são auto-explicativos, havendo sempre causas profundas e motivações fortemente arraigadas. O que nos leva a deduzir que discursos simplificadores, atacando a desumanidade dos bandidos e pregando a Lei de Talião como solução não contribuem para elucidar os meandros do mundo do crime e equacionar ou conter a evolução do problema. Da mesma forma que um indivíduo submerso em problemas pode acabar cedendo às drogas ou assumir atitudes de risco contra sua vida e a de terceiros, uma sociedade que acumula muitas mazelas e tensões sociais acabará tendo de extravasá-las de alguma forma, cedo ou tarde. E esse fato tem provavelmente muito mais relação com a biologia do que propriamente com a ética. Desse ponto de vista, a violência social seria algo não estranho à sociedade, mas um fato natural, presente e decorrente dela mesma, vetor resultante das inúmeras forças conflitantes existentes. Se a sociedade inteira e as instituições todas violentam boa parte dos direitos fundamentais da sua população, se as regras do jogo são injustas, haverá de ter um momento de caos e ao mesmo tempo de catarse para que aquela sociedade ache um novo equilíbrio. Crises são momentos de oportunidade exatamente por isso. Traduzindo popularmente, diante de crises profundas "ou vai ou racha".
Outro dado importante é percebermos que a sociedade brasileira é violenta no sentido mais amplo possível. A violência aqui é dos indivíduos contra os indivíduos, dos indivíduos contra o Estado e, finalmente, deste último contra os indivíduos. Na verdade, o Brasil lembra um pouco a tese do Hobbes sobre o estado de natureza, onde todos confrontam e são confrontados por todos. Aqui é muito verdadeira a assertiva homo homini lupus. E é preciso ter em mente que a violência “simbólica” figura entre as mais graves possíveis: o déficit institucional (ausência do Estado), a ineficácia das políticas públicas, a corrupção endêmica, a inoperância dos poderes, os preconceitos arraigados na sociedade. Que violência pode ser maior que muitos milhões de brasileiros em situação de risco social e insegurança alimentar? Que crime é maior que nossa iníqua distribuição de ativos econômicos (renda, riqueza, educação, poder)? Uma sociedade que é violenta nos mais amplos e multiformes sentidos não pode ingenuamente esperar que sejam pacíficos e cordiais seus cidadãos. O paradoxal é que é verdadeira também a tese que defende sermos nós brasileiros prestativos, receptivos, solidários; mas também somos, e as estatísticas o provam, uma das sociedades mais violentas do mundo. Como milhões de olvidados e marginalizados poderiam reconhecer-se como parte de uma sociedade que perversamente os alija e pretere? Como haveriam de desenvolver um sentimento de "pertencimento" à essa mesma sociedade e às suas regras, que os discriminam e isolam, distantes e invisíveis, para não incomodar suas noções de beleza e justiça?
Há também algo estranhamente contraditório e perturbador na psicologia social do brasileiro, uma espécie de desvio moral-cognitivo: as faltas e culpas são sempre “do outro”, não reconhecendo em si nada de errado e desabonador, nada que contribua para agravar as manifestações de violência. Donde surge o paradoxo: se todos se crêem inocentes e acreditam na culpa dos demais, ou todos somos loucos ou somos todos culpados. Esse tipo de pensamento gera a responsabilização do outro pelos problemas que são de todos, coletivos. O que de certa forma coaduna-se com o culto das sociedades latinas ao personalismo, quando jogamos todas as nossas grandes esperanças num “salvador da pátria”, para que ele faça tudo que é preciso e urgente fazer, enquanto aliviamos o peso das nossas próprias responsabilidades.
Pedindo a devida permissão à Ciência Econômica, gostaria de utilizar o conceito de custo de oportunidade. Pensemos que haja duas hipóteses possíveis para o cidadão comum: seguir ou não seguir a lei. O custo de oportunidade de seguir a lei é não obter os eventuais lucros que infringir a lei traria. No meu modo de enxergar o problema, numa situação como a atual, de enorme dívida social, agravada por longos períodos de baixo crescimento do PIB per capita e ausência de desenvolvimento sustentado, o custo de oportunidade de um jovem (homem) da periferia, com baixíssima escolaridade e desempregado, de seguir a lei e as regras morais vigentes é muito alto: quer dizer, ponderando, ele pode achar que vale a pena o risco de entrar no mundo do crime, já que não tem praticamente nada a perder (não se pode perder as oportunidades que não se tem). Ainda mais quando Phds locupletam-se com o dinheiro público e ricos e brancos manipulam a lei a seu bel-prazer (a impunidade, obviamente, aumenta o custo de oportunidade de se seguir a lei). Não estamos afirmando que os jovens das periferias das grandes cidades são potencialmente bandidos, mas apenas dizendo que, dada as circunstâncias atuais, de completa ausência de oportunidades, o mundo do crime pode acabar por seduzir uma parcela maior de jovens (do que ocorreria em outro contexto mais salutar) com vantagens que a vida dentro da lei e dos bons costumes nega-lhes costumeira e peremptoriamente. E ainda que, de fato, o crime não compense (pelo menos, não para os pretos, pardos e pobres, que superlotam as penitenciárias nacionais; já para a plutocracia nacional...), uma boa dose de "dissonância cognitiva", ou simplesmente desespero, levá-los-á a crer que possa sim ser compensador. Entre as vantagens, ou o "lucro", que a vida no crime pode trazer aos jovens, todas de fortíssimo apelo, temos: dinheiro, a atenção das mulheres, estima, segurança, sentimento de "pertencimento" e poder, respeito, visibilidade (melhor é viver alguns anos com visibilidade, que viver uma vida invisível: aliás, esta é a regra de ouro do capitalismo globalizado pós-moderno!). Numa sociedade que os nega como seres humanos, portanto, uma sociedade injusta e anti-democrática, por que eles deveriam respeitá-la e zelar por ela (aí se tem a sementeira de uma guerra civil).
A questão de entrar ou não no mundo do crime pode também ser vista sob o ângulo da escolha intertemporal. Sucintamente, enquanto os jovens das classes alta e média sacrificam o presente (com estudos e poupança) em nome de um futuro melhor (porque a probabilidade deste futuro vir tal como o planejado e almejado é muito grande), os jovens filhos da indigência e da pobreza desconfiam, e com atilada razão, de que não terão o futuro que desejariam. Se não há futuro, o presente é um fim em si mesmo. E se isso é verdade, e se é verdade também que eles são não mais que párias, deserdados, a conduta lógica (embora isso possa chocar os mais sensíveis ou cínicos...), conquanto imoral e ilegal, é tentar conseguir o que não se tem entrando para o mundo do crime (se nunca me deram, nem hão de dar, vou lá eu mesmo e pego).
Ainda há saídas possíveis, logicamente, além das retaliações covardes, com institucionalização dos esquadrões da morte e execuções sumárias: a efetiva promoção do desenvolvimento econômico, gerando mais emprego e renda, com mais transferência de renda monetária às famílias em maior risco social (essa transferência de renda ajudaria a diminuir, um pouco que seja, o alto custo de oportunidade de uma vida dentro da lei e da ordem); a implementação de políticas públicas voltadas para os jovens da periferia, ofertando-lhes bens públicos e sociais, como escolas de qualidade e oficinas de música, dança, teatro, esportes e arenas para debates políticos, sociais, culturais e, evidentemente, uma política de segurança pública inteligente, integrada e humanizada, que não seja refém da corrupção e dos feudos corporativistas. Assim, ao invés de obter respeito e visibilidade nas quadrilhas que assaltam e traficam, os jovens reencontrar-se-iam novamente a si mesmos e uns aos outros na arte, na cultura e no esporte (e, via efeito-imitação, atrairiam até mesmo os que se lançaram ao submundo).

Tádzio Nanan
Economista

segunda-feira, 13 de julho de 2009

AMANHECER DE ESPERANÇA E... MEDO!

A esperança e o medo constituirão a inescapável bipolaridade do nosso cotidiano nos próximos anos: a esperança da solidariedade, do diálogo, do entendimento, onde as partes cedem um pouco para todos ganharem muito; o medo de um novo rufar dos tambores anunciando mais barbárie, mais tragédia e genocídio. A cada raiar do sol, os povos do mundo estarão atentos já não no discurso, mas nas ações do eloqüente mestiço comandante-em-chefe da nação mais poderosa do mundo. Conseguirá ele, o novo líder, controlar uma máquina cuja finalidade é a guerra? Conseguirá o prometido diálogo, a prometida mudança? Ou o diálogo dar-se-á apenas entre os ricos e poderosos e a mudança será meramente epidérmica? Ele, que pregou a palavra, espalhou-a aos quatro ventos, fazendo-a brotar nos corações do mundo, sentará de fato à mesa com o oponente, sem preconceitos e pré-condições, para entendê-lo, pôr-se em seu lugar e, se necessário, ceder, porque a força não está em impor ao diferente, tornando-o igual, mas compor com a diferença, fazendo surgir o novo. Ouvirá, argumentará livre do ódio irracional, da ideologia arcaica, do preconceito obscurantista? Ou corromper-se-á pelas senis e hediondas regras de um senil e hediondo jogo? Deixar-se-á levar pelo establishment, pelo “status quo” que acaba por tornar-se uma maligna segunda pele? Um mestiço, vítima do preconceito, vencê-lo-á? Calará a ruidosa voz do medo, em si, nos seus, medo inimigo mortal dos sonhos, do sonho do mundo: a paz! Este mestiço, abençoado no nome, será a palavra, será o caminho? O ansiado fim de uma era beligerante: a civilização dos lucros antiéticos, calcados na dor e na morte; dos burocratas e plutocratas sujos de sangue; das mentiras governamentais declaradas nas assembléias do mundo; da super-exploração dos recursos da Terra; da bestial ganância capitalista levada ao paroxismo na guerra - força cega, surda e muda aos legítimos e vitais anseios e necessidades humanos; do conservadorismo intolerante, medieval; do isolacionismo etnocentrista. Este mestiço conseguirá refundar a grande nação do norte, recuperando os ideais dos pais-fundadores, ou incorrerá em erro, como outros falsos-profetas, paladinos da guerra, que tentaram moldar o mundo à sua imagem e semelhança, num ato de vaidade, soberba e arrogância? Tentará fincar sua bandeira em terras alheias, pisará sobre povos e culturas? Ou relegará à lixeira da História o paradigma unipolar de um império em relativo declínio, construindo o entendimento entre os povos, o futuro comum dos homens na Terra? Fará ver a todo o povo que o sustentáculo de uma nação não é seu ímpeto belicista ou seus arroubos consumistas, mas a grandeza de suas idéias e a coerência de suas decisões? Este mestiço será o caminho para o futuro, o verdadeiro umbral do século XXI, de novidades alvissareiras, de convergências e alinhamentos, de cooperação e inclusão, de governança global e multilateralismo? Denunciará o perverso fetichismo das armas e as proposições falsas, cínicas, corruptas do complexo industrial-militar? Soerguerá a Política, entendida como a promotora do bem-comum? Denunciará a fome (em meio ao consumo conspícuo, um bilhão de pessoas não tem o que comer), a miséria, o aquecimento global, assumindo uma postura de liderança e pró-atividade? Este mestiço será a mão a desenhar o esboço de um novo mundo que contemple as mudanças radicais de que precisamos? Um novo presidente, um novo século, uma nova história? Vem a dúvida: quanto pode um homem? Se realmente quer, pode muito. Mas emerge uma certeza: quanto podemos nós, humanidade? Juntos podemos tudo!


Tádzio Nanan

EMPOWER WOMEN

Mãe de todos nós, cuidadora da humanidade, a mulher merece a proteção, o cuidado e carinho, não só da parte do seu parceiro e familiares, mas, sobretudo, por parte do Setor Público, do Estado, que deve materializar esse cuidado e esse carinho em direitos concretos, proteção e promoção permanente não apenas quando a mulher está gestante, mas por todo o período subseqüente, mormente nas diversas etapas do desenvolvimento infanto-juvenil. O que, infelizmente, está longe de ser realidade no Brasil. Na verdade, ocorre o oposto. A mulher continua sendo “o negro do mundo”, como disse o John Lennon. Continua sendo o mais pobre entre os mais pobres. Há um completo descaso em relação à saúde, segurança e bem-estar das gestantes e um total abandono, quando não abuso, da infância, com resultados tenebrosos: alto número de mortes de gestantes, altos índices de mortalidade infantil, exploração sexual de crianças e adolescentes, violência doméstica e social contra a mulher e a criança. Ameniza-se este estado de calamidade com maciços investimentos em saúde pública, e com políticas focalizadas na questão feminina. Claro que já existem boas políticas, mas é preciso avançar para muito além.
Não basta apenas cuidar da gestante, é urgente dar poder às mulheres (empower women). Dar-lhes acesso ao poder político e ao poder econômico, para que tenham realmente autonomia e liberdade, fazendo parte das instâncias decisórias, das decisões políticas e econômicas, no intuito de tornar as sociedades humanas mais iguais, plurais, produtivas e pacíficas. A História comprova a ineficácia e o horror do monopólio masculino do poder, seja ele político, econômico, intelectual. É preciso criar os instrumentos legais e as políticas públicas necessárias para que as mulheres atinjam objetivos como: aumentar sua representação nos parlamentos locais, regionais e nacionais; reduzir as diferenças salariais entre os gêneros; ocupar funções destacadas do setor público e do setor privado; desenvolver suas habilidades, seus conhecimentos, escolaridade, em todos os níveis; evitar a gravidez precoce; combater o desrespeito, a violência, a exploração sexual.
Estudos comprovam que a pobreza (para não falar neste crime hediondo que é a miséria) tem conseqüências devastadoras sobre a saúde e o desenvolvimento físico e mental, o desenvolvimento intelectual, cognitivo, sobre a imaginação, e mesmo sobre os traços de personalidade que as crianças vão desenvolver na vida adulta. A falta de alimentação adequada já na primeira infância pode acarretar severas conseqüências que as crianças levarão para o resto de suas vidas, afetando sua saúde e desenvolvimento físico, podendo acarretar uma lesão cerebral que os fará menos aptos intelectualmente e menos criativos e imaginativos. Por isso, políticas públicas (como o Bolsa Família) que resultem em melhores níveis de alimentação na tenra infância (fase crucial do desenvolvimento humano já amplamente comprovado pela ciência e divulgado em relatórios mundo afora) e mais e melhores horas de estudo durante toda a sua infância e adolescência, são indispensáveis para o desenvolvimento de uma nação. Isso não é política assistencialista. Nem caridade. É um dever moral e também tem uma racionalidade econômica, o melhor investimento econômico: investir no ser humano, investir em corpos e mentes, donde sairão as descobertas científicas e inovações tecnológicas e toda a arte que se fará no futuro, donde emergirá o próprio futuro. Uma política pública que revolucionaria esse país, já realizada por muitos países, não por acaso os mais ricos, e de resultados comprovados: tornar a escola pública melhor que as escolas particulares, instaurando, de fato, a meritocracia. Imaginem os filhos dos banqueiros lado a lado nos mesmos colégios que os filhos do porteiro do prédio em que moram. Isso sim faria um país realmente justo e democrático!
Para sermos verdadeiramente livres e vivermos plenamente a vida, sem exploração e alienação, devemos superar o capitalismo. Mas, mesmo dentro da lógica do capital, uma regra é sagrada: a competição. E para que ela possa existir efetivamente tem de haver igualdade de condições para todos, independentemente de quaisquer outros fatores. Assim, é um imperativo ético, político e econômico urgente dotar os filhos das classes mais baixas dos instrumentos e das políticas públicas para torná-los em condições de competir com os filhos das classes abastadas. Não existe competição honesta entre os radicalmente desiguais. Por enquanto o Brasil só opera para os 10% mais ricos, reproduzindo um quadro de extrema desigualdade. Está mais para Medéia do que para “mãe gentil”.

Tádzio Nanan
Economista