quinta-feira, 20 de maio de 2010

MANUSCRITOS ECONÔMICO-FILOSÓFICOS parte 4

Qualquer sociedade (e por que não a própria civilização humana?) deveria questionar-se acerca de alguns tópicos fundamentais:
Como queremos viver?
Como podemos viver?
Como devemos viver?
Sem entrar no mérito específico de cada uma destas perguntas, se as ignorarmos, não debatendo sobre elas, viveremos guiados por forças cegas (a cupidez da plutocracia nacional e transnacional, de conseqüências amplamente nefastas), sem autonomia, independência e longe do que seria uma existência ótima, a mais sustentável, saudável e feliz. Urge entender que uma sociedade a mais produtiva, no sentido de que gera o maior valor agregado na produção de bens e serviços, não necessariamente é a mais sustentável, saudável ou feliz, até porque riqueza material não é o único requisito relevante na vida de um individuo ou na história de uma sociedade. Ou alguém estaria disposto a abrir mão da sua saúde, seus amigos e família, sua felicidade e bem-estar para simplesmente ter acesso a mais bens de consumo, sobretudo quando a maioria desses bens afigura-se supérfluos ou totalmente inúteis (desejamo-los mais por ostentação e vaidade do que por real necessidade)? O paradigma produtivista/economicista (este de supervalorizar a riqueza material) tem-se mostrado na prática altamente ineficiente para, por exemplo, o propósito de nos tornar mais saudáveis e felizes (para confirmar isso, basta ler recentes pesquisas comprovando que não obstante os maiores níveis de riqueza das economias as sociedades avaliam seu bem-estar subjetivo na mesma magnitude que há 50 ou 60 anos, quando eram economicamente muito mais pobres; também os altíssimos índices de doenças, inclusive as mentais, como a depressão, os um milhão de suicídios/ano, a obesidade, o estresse, os altos índices de homicídios, o consumo abusivo de drogas – lícitas e ilícitas, e medicamentos, comprovam que as duas pernas do colosso Capital, trabalho e consumo, são na verdade pernas de barro; as alienações no campo do trabalho e do consumo cobram um preço caro em termos de saúde física e mental. E em nosso voluntário condicionamento enxergamos riqueza como simplesmente riqueza material, acúmulo de bens. Mas, e a riqueza intelectual, artística, moral, espiritual? E a riqueza infinita de ser livres e auto-determinados? E a riqueza inefável de vivermos concordes nossas próprias metas e sonhos? Também é argumento periclitante afirmar que somos mais livres que no passado, ou mais iguais (igualdade em termos de oportunidades e direitos, entenda-se bem), já que o ser humano é cada vez mais dependente de forças que não controla, de processos que não compreende, de trabalhos extenuantes, alienantes, mal-remunerados, refém de sociedades cada vez mais injustas e desiguais (a desigualdade tem crescido entre regiões, entre países e dentro dos países; a desigualdade aumentou mesmo entre os países da OCDE, os mais ricos e desenvolvidos do mundo), refém das contradições do atual modelo socioeconômico, como o desemprego estrutural/tecnológico e o aquecimento global (as nações mais ricas e as classes abastadas do mundo inteiro poluem o meio-ambiente, com seus hábitos de consumo perdulários, extremamente egoístas - parecem crianças mal-educadas, que querem tudo o que vêem - enquanto a conta é paga, sobretudo, pelos mais pobres e os de maior vulnerabilidade sócio-econômica).

Outras perguntas relevantes que sociedades e civilizações se devem fazer:
O que produzir (em termos de bens e serviços ofertados às pessoas)?
Como produzir?
Quanto produzir?
Quem vai produzir?
Para quem se vai produzir?
A que custo social, econômico e ambiental?
São perguntas eminentemente de cunho econômico, mas importantes demais para apenas economistas responderem. Devem ser amplamente debatidas por toda a sociedade e os distintos grupos existentes nela. Ao economista cabe um papel técnico: após o debate público, deve ajudá-la a atingir de forma ótima os fins a que a sociedade se propôs. Isto sim configuraria uma sociedade realmente livre e democrática, auto-dirigida, autoconsciente, distante do fetichismo, da alienação, do desperdício, do abuso do poder político e econômico. Diametralmente distinto do que ocorre com as regras vigentes: milhares de decisões individuais (de produtores e consumidores) descentralizadas e caóticas, supostamente harmonizadas por uma mão invisível, que levaria as sociedades humanas e suas economias subjacentes a produzir e ofertar eficientemente (sem desperdício de recursos) tudo de que necessitam em termos de bens e serviços. Isto é claramente uma ideologia! Acaso a fome de um bilhão de pessoas e a pobreza de mais de dois bilhões de indivíduos humanos são resultados eficientes? Acaso altas taxas de desemprego e subemprego são eficientes? Acaso é eficiente a poluição/degradação do meio-ambiente e seu arrasador corolário: o aquecimento global? Acaso é eficiente a absolutamente desigual distribuição de ativos econômicos, a concentração da renda, riqueza, poder, direitos, oportunidades, propriedades? Chama-se eficiência quando a maioria dos bens e serviços produzidos pela economia mundial, como alimentos, entretenimento, educação, saúde, energia, medicamentos, bens de consumo duráveis, commodities, são consumidos por uma minoria de privilegiados, apesar dos recursos naturais utilizados serem de todos, inclusive a mão-de-obra; e quando as violentas conseqüências ecológicas dessa ação humana na natureza também são sentidas por todos? São eficientes as recorrentes crises e “bolhas” econômicas e as reconhecidas falhas de mercado? Não estamos com isso defendendo, necessariamente, a supressão do mecanismo de mercado e do sistema de preços. Mas é indiscutível que as economias precisam de mais planejamento e regulação, e quem está apto a fazê-lo são as sociedades civis organizadas, inclusive diretamente, e o Estado, que neste estágio da evolução humana ainda se faz absolutamente indispensável.
(...)
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A evolução técnica, científica e tecnológica tem propiciado um aumento exponencial da produtividade do trabalho. Isto quer dizer que cada trabalhador no setor produtivo produz cada vez mais mercadorias no mesmo período de tempo, significando objetivamente: 1) que o capitalista pode ter seus lucros aumentados, porque ele vende mais mercadorias (se o preço se mantiver constante); 2) o capitalista pode diminuir o preço da mercadoria, o que ampliará suas vendas, a expensas dos concorrentes (se as maiores vendas compensarem os preços menores). Para o trabalhador, estes aumentos sucessivos de produtividade podem proporcionar: 1) aumentos do salário real (como os preços caem, a cesta de consumo do trabalhador médio ficará mais barata, o que significa um efeito-renda); 2) com luta política, o salário nominal também pode subir, já que o capitalista está obtendo lucros maiores, e uma parte deste maior lucro pode ir para aumentar o salário dos trabalhadores; 3) como os trabalhadores estão produzindo mais mercadorias no mesmo período de tempo, isso significa que a jornada de trabalho pode ser reduzida. É provável que nas próximas décadas a jornada de trabalho vá diminuindo progressivamente. Basta olhar para a história para constatarmos que isso já aconteceu de forma significativa (no Brasil, discute-se a diminuição da jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais; já na França, a discussão posta é para se trabalhar abaixo das 40 horas). Todos sabem das extenuantes horas de trabalho diárias que os trabalhadores tinham de enfrentar nos primórdios da Revolução Industrial. À medida que cresça a produtividade a luta política pode transformá-la em argumento incontestável para adquirir mais bem-estar e mais direitos sociais para as populações mundiais, como uma jornada de trabalho menor. No limite, imagina-se uma sociedade da opulência em que o Estado paga uma quantia em dinheiro para seus cidadãos para eles fazerem o que desejarem (claro que esta é a utopia – ou melhor seria dizer, a ideologia capitalista, muito dificilmente exeqüível dada as contradições inerentes ao sistema econômico do Capital). Seria uma volta ao passado, à antiguidade clássica, quando os cidadãos ocupavam-se do ócio (que significa lazer e atividades intelectuais) e não do negócio (no capitalismo, a produção de mercadorias para serem vendidas visando ao lucro pecuniário). Nesse estágio evolutivo da civilização, o humano (ou pós-humano?) terá a vida em suas mãos e terá de descobrir o que fazer com ela, como viver, o que sonhar, criar, produzir. Imaginemos que isso seja realidade agora. O que você faria com as 24hs horas do dia para sua livre fruição, tendo suas necessidades materiais provida pelo Estado? Saberia lidar com o tempo livre? Quais habilidades você desenvolveu? Ou entregou sua vida em oferenda ao deus trabalho, e para compensar essa alienação primordial, dedicou-se a um consumo igualmente alienado, como se os bens e serviços por nós consumidos pudessem mitigar verdadeiramente as angústias, carências, alienações, descontentamentos a que estamos todos submetidos?
(...)





Tádzio Nanan
Economista

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