Quem é aquele que vinte e tantos anos após a estréia no insólito, plangente e jocoso palco mundano, ainda duvida, ainda duvida bastante, ainda duvida de tudo: de si, dos outros, da realidade, dos fatos, dos livros (e por isso mesmo desconfia que nada é verdadeiramente importante porquanto nada é verdadeiramente real)?
Quem é aquele que tempos depois de romper o hímen da consciência, duvida da sua própria, das alheias, estejam aqui ou algures (melhor mesmo seria usar o termo nenhures, porque só habitamos nossa própria mente!), e olhando as pessoas vê apenas a noite que as aguarda, paciente e resolutamente; e ouvindo as pessoas, ouve, sobretudo, o sonoro silêncio que as envolve e engole, tão profundo, doce e calmo que até as embala (e dançam magicamente com sua própria morte!)
Quem é aquele que tocando as pessoas desconhece seus corpos, seus desejos, suas necessidades, porque está para além deles, olha, sente, ouve e fala para além deles, para algo e alguém que está além deles. Quem é o infeliz agraciado com este dom noctífero?
Quem é aquele que antes da pequena morte do sono, mirando as trevas, como um Hamlet sem a poesia, questiona: Existo? Existem? Existimos? E se existo, e se exisitimos, o que é o existir, o que é a existência? Um fato concreto, num dado momento da dialética relação Espaço-Tempo? uma idéia, um ideal inoculado em nossas mentes; o dogma de alguma mitologia senil; um preconceito espurco; uma sensação fugaz; um desejo ardente; um abscesso; um estupor; uma vertigem; ou simplesmente uma mentira ordinária na qual acreditamos porque é bom e fácil de acreditar? É uma causa, uma conseqüência, um meio, um fim, um mistério insondável, insolúvel, ou talvez o óbvio ululante ou qualquer coisa desimportante (então, meus questionamentos seriam inúteis)? Há, além disso, alguma importância superior no fato de existirmos?
Quem é aquele que se faz tantas perguntas, e prossegue: pode a existência ser uma equação matemática? Ou seria a existência o que a mente traduz do mundo que nos é exterior, e que apreendemos pelos sentidos, e descodificamos pela razão? Ou a mente inventa o mundo exterior, do qual supostamente fazemos parte, e depois de inventá-lo nos faz acreditar nele? E se isso for verdadeiro, se minha mente inventa tudo, então somente eu existo? Os outros são miragens, no deserto da minha existência? Mas aí todos os demais poderiam pensar a mesma coisa: apenas eles existem, enquanto indivíduos de carne e osso, enquanto indivíduos que riem e pranteiam; os outros são fantoches, coadjuvantes atuando no filme de suas vidas... Conseqüentemente, a humanidade seria um vastíssimo conjunto de alienados vivendo em universos paralelos, separados, próprios a cada um. Idéia terrivelmente fantasmagórica!
Há outra possibilidade: e se todos formos sombras de um mesmo objeto multifário-incognoscível (assumir esta hipótese o torna cognoscível?); existimos todos, existi tudo num amplíssimo conjunto onde cabem infinitos subconjuntos, que se re-combinam ad infinitum, às vezes aleatoriamente, às vezes premeditadamente; existimos num lugar onde tudo é possível e onde as coisas todas e suas antíteses co-existem, existem simultaneamente; existimos eternamente (não importa que morramos, neste exato momento somos eternos); enfim, existimos em Deus (eu sei que o vocábulo Deus está deveras desgastado, mas foi o melhor termo que encontrei para expressar essa intuição). Deus não é um problema metafísico, de fé, de medo, de justiça, de uma moral universal ou de vida após a morte. Deus é uma questão lógica (e, obviamente, as religiões são um erro que já perdura por tempo demais, um delírio estúpido). Deus é, simplesmente, o INFINITO DE POSSIBILIDADE DAS COISAS ou AS COISAS E SUAS POSSIBILIDADES INFINITAS.
Deus existe e fazemos parte dele, assim como os vírus e as bactérias fazem parte da natureza e a estupidez tão ativamente faz parte da humana natureza.
E o mais sensacional: não há nada de extraordinário em tudo isso!
Ou há?
Tádzio Nanan
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