domingo, 10 de agosto de 2014

O DESPREZO, por Tádzio Nanan


O desprezo é um tipo de ódio arrefecido, tentando conter-se nos limites da indiferença, para parecer mais saudável e apropriado; às vezes, no entanto, ele escapa ao controle do seu portador e tem-se incontinenti uma explosão de ódio vibrante e maquiavélico, o olhar revela isso com muita força, o cenho contraído também.
O desprezo é uma arte feminina por excelência (sutil técnica de linchamento moral) direcionada, sobretudo, aos homens. Não significa que homens não desprezem mulheres: muitos as desprezam, apesar de precisarem delas, o que é contraditório, mas é como os homens são. Mas a arte/ciência do desprezo vem sendo desenvolvida, quiçá há milênios, pelas mulheres, e é no olhar delas (um olhar que não lhe alcança), em seu gestual (um gesto de apressada retirada), em suas palavras (as que não foram ditas ou as que ficaram subentendidas), que ele atinge seu esplendor máximo, sua plasticidade irresistível e, claro, sua crueldade dantesca.
Claro que algumas mulheres terão razão em desprezar certos tipos mesquinhos de homens, mas frequentemente é apenas autoengano: uma pretensão ridícula de que são moral e intelectualmente superiores a seus antagonistas(?). Tal falsa superioridade está baseada em uma enviesada interpretação da realidade, espécie de dissonância cognitiva.
Mas não importa, o desprezo, assim como o ódio, é um dado da natureza humana e está muito bem consolidado, nos genes e na cultura – as pessoas se desprezam e se odeiam (quanta falta de humildade não haverá nisso?), mas nem o desprezo nem o ódio chegam e se estabelecem sem pesados custos físicos, mentais e emocionais a todos os envolvidos. Odiar e desprezar causam um cansaço e um mal-estar insuportáveis ao coração e à própria mente, e, de repente, estamos mais ocupamos nesta empreitada do que em qualquer outro aspecto da nossa vida!
O desprezo é o pecadilho das almas finas(?), que se deixam envaidecer, e soberbamente, vestem a toga de juiz de um tribunal de exceção e passam a julgar as pobres almas ao alcance de suas implacáveis vistas. Ou seria o desprezo algo menos nobre? Seria o desprezo ciúme, invídia, desforra, arrogância? Seria o desprezador um indivíduo tomado de sórdidas, repugnantes e mal resolvidas paixões?
Pode ocorrer o caso de alguns desprezarem a si mesmos, e, como numa inusitada transferência psíquica, passarem a desprezar os outros, a ponto de qualquer trivial característica do próximo incomodá-los deveras, e passamos a castigar o infeliz, sem aviso prévio ou maiores explicações, meio sadicamente, com nossa sublime e superior indiferença, que, na verdade, não é bem indiferença assim, já que o outro mexe com nossos instintos mais secretos.
E quando o desprezado se enche de brios, percebe a covardia e a injustiça de sua situação e numa inversão corajosa passa a desprezar quem tanto lhe despreza? Não é algo bonito de se ver, poético, cinematográfico, revolucionário? Não... É apenas mais um capítulo repleto de mediocridade das conflituosas relações humanas!
O desprezo é das ações humanas uma das mais cruéis, o que denuncia o caráter hediondo daquele que se dedica com afinco a tal cotidiana empreitada. O desprezo é cruel, mas na cabecinha de alguns é arma muito chique, legítima e adequada, a que eles podem recorrer porque são merecedores, pois têm superioridade moral e intelectual! Muitos nobilíssimos corações fazem recorrente uso dela em suas superelegantes e dignas trajetórias de vida!

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