quinta-feira, 18 de setembro de 2014

O OLHAR DELE, por Tádzio Nanan



Ele tinha um olhar vago, triste, que transbordava dor e aflição, como se a vida lhe devesse algo, como se as pessoas lhe devessem algo. Um olhar de bicho recém-nascido, pedindo socorro, mãe, lar, carinho, aconchego. Também se via no olhar dele uma raiva dissimulada, uma fúria contida pela boa-fé da juventude, como se ele esperasse mais do mundo, como se tivesse sido traído pela sorte, esquecido por Deus, a quem, mesmo assim, sempre recorria em preces, crédulo.
Além disso, vi outra coisa em seu olhar: mágoa e decepção. Uma mágoa não direcionada, difusa, de a vida ser o que ela é, dura, escassa, implacável, pelo menos, para ele. E uma decepção doída, dele consigo mesmo, por não conseguir corresponder às exigências da vida, por deixar seus sonhos esvaírem como um punhado de areia entre os dedos, e decepção com os outros também, por olharem para ele sem o enxergarem, por passarem por ele sem o sentirem, por não o ouvirem, por o esquecerem em vida. “Eu sou gente, preciso de cuidados, de oportunidades!”.
O olhar triste, magoado talvez estivesse sedimentado na percepção de que aquela era a sua realidade e que ele não poderia mudá-la facilmente, que os dados já haviam sido lançados, e eles lhe desfavoreceram. A raiva advinha da não aceitação desta realidade, deste dia a dia sombrio, árido, sem perspectiva. Ele não podia admitir ser um joguete da sorte. Ele queria gritar contra isso, poder viver, poder sonhar, ser gente na plenitude de suas capacidades. Ser gente do tamanho dos seus sonhos.
Mas naquele olhar também ardia um sol. Havia um brilho secreto, escondido entre as brumas que lá passavam. Um brilho que dizia que aquele rapaz iria lutar, esforçar-se até o fim, até o limite de suas possibilidades para existir, não morrer; para ser homem, não bicho; para ser gente, não estatística do governo; para ser feliz, não vítima, ou pior, algoz! Como milhões de outros jovens, ele tinha recebido da vida uma viagem dura, repleta de tropeços e desvios, cheia de óbices, desassossego, infelicidades. Mas a alma dele era maior que tudo isso, ele tinha uma luz interior, uma vontade inabalável, um sonho de vencedor, uma expectativa imorredoura de felicidade. Ele era assim, da mesma forma que milhões de outros jovens mundo afora golpeados pela mão furibunda do destino. Apesar de o mundo ser o que é, apesar da amarga realidade, ele ia escolher a vida e a felicidade, ele ia viver e ser feliz, apesar das circunstâncias!

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