Preciso
desintoxicar-me, urgentemente. A droga que me assola? Eu mesmo! Meus pensamentos
e ações descolados da vida real, dissonantes do ritmo frenético que move o
mundo. A vida que tenho levado, as coisas que ando fazendo, o modo como traduzo
o mundo, puro delírio, pura ilusão. Preciso desintoxicar-me das verdades que me
inventei, pois, agora, elas me entontecem, me fazem perder o equilíbrio, o coração
bater descompassadamente, as ideias ficarem confusas.
Preciso desintoxicar-me
de mim mesmo. Livrar-me de toda esta bagagem intelectual, e renascer,
tornar-me outro. Trocar este sangue envenenado pela fantasia. Assimilar, de uma
vez por todas, as verdadeiras leis que regem os homens e a natureza, saindo do
meu universo paralelo de almoços grátis, de sombra e água fresca.
Preciso
desintoxicar-me destes sonhos pretensiosos, que nunca me renderam nada além da
desconfiança alheia; desintoxicar-me das minhas vãs certezas, que nunca me
renderam nada além de soberba e orgulho imerecido; desintoxicar-me dos delírios
juvenis a mim incutidos pelos irresponsáveis e idiotas; e ingressar na dura,
austera e difícil maturidade, ingressar na única vida que conhecemos e soubemos
construir.
Admitir o
fracasso e dar a cara a tapa, deixar de sonhar com ser um deus na Terra para
ser apenas homem, mais um mortal, entregue à brutal e cotidiana lida. Abortar
minha utopia particular para poder comprar o pão de cada dia, esquecer esta
sucessão de erros e dissonâncias cognitivas que me levaram a esta encruzilhada
doída, a este abismo sem pontes, ao ostracismo.
Não sou
especial como acreditei que fosse, que produziria coisas inteligentes e belas.
Não tenho reluzente caminho a trilhar. Meu caminho é o caminho do homem comum,
que não sonha, apenas come e habita. Depois morre. Porque ordinário me fiz ao
longo dos anos, porque ordinário me fez minha linhagem em sua aleatoriedade
amoral.
Eu quis
muito, mas não pude!