sexta-feira, 28 de novembro de 2014

DESINTOXICAÇÃO, por Tádzio Nanan

Preciso desintoxicar-me, urgentemente. A droga que me assola? Eu mesmo! Meus pensamentos e ações descolados da vida real, dissonantes do ritmo frenético que move o mundo. A vida que tenho levado, as coisas que ando fazendo, o modo como traduzo o mundo, puro delírio, pura ilusão. Preciso desintoxicar-me das verdades que me inventei, pois, agora, elas me entontecem, me fazem perder o equilíbrio, o coração bater descompassadamente, as ideias ficarem confusas.
Preciso desintoxicar-me de mim mesmo. Livrar-me de toda esta bagagem intelectual, e renascer, tornar-me outro. Trocar este sangue envenenado pela fantasia. Assimilar, de uma vez por todas, as verdadeiras leis que regem os homens e a natureza, saindo do meu universo paralelo de almoços grátis, de sombra e água fresca.
Preciso desintoxicar-me destes sonhos pretensiosos, que nunca me renderam nada além da desconfiança alheia; desintoxicar-me das minhas vãs certezas, que nunca me renderam nada além de soberba e orgulho imerecido; desintoxicar-me dos delírios juvenis a mim incutidos pelos irresponsáveis e idiotas; e ingressar na dura, austera e difícil maturidade, ingressar na única vida que conhecemos e soubemos construir.
Admitir o fracasso e dar a cara a tapa, deixar de sonhar com ser um deus na Terra para ser apenas homem, mais um mortal, entregue à brutal e cotidiana lida. Abortar minha utopia particular para poder comprar o pão de cada dia, esquecer esta sucessão de erros e dissonâncias cognitivas que me levaram a esta encruzilhada doída, a este abismo sem pontes, ao ostracismo.
Não sou especial como acreditei que fosse, que produziria coisas inteligentes e belas. Não tenho reluzente caminho a trilhar. Meu caminho é o caminho do homem comum, que não sonha, apenas come e habita. Depois morre. Porque ordinário me fiz ao longo dos anos, porque ordinário me fez minha linhagem em sua aleatoriedade amoral.
Eu quis muito, mas não pude!

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