O
ódio respira pelos olhos do odiento, que ardem em chamas e crivam seu objeto
com raios fatais de pura maldade. O ódio se nutre da imagem do objeto odiado e
assim se robustece, se solidifica, tornando-se muralha intransponível para o
afloramento dos bons sentimentos. Quanto mais odiamos menos amor temos a
oferecer aos outros. Ódio e amor são mutuamente excludentes. O ódio é exclusivista.
É ele e mais nada. O
ódio cresce na garganta, sobe para a língua, explode pela boca, e se torna
verbo, palavras malévolas, maledicentes, cantos noctíferos, que espalham
sombras e noites. O
ódio é força da natureza quando assume os braços, as mãos, do odiento, e
promove a destruição que tanto almeja, à força, com golpes implacáveis,
irreversíveis.
Quanto
mais fracos somos mais forte ele se configura, e se somos uma nulidade moral
ele se torna infinito, torna-se nossa segunda pele, ou mais que isso, nosso lar,
passamos a morar nele, escondemo-nos covardemente debaixo de sua asa negra, ele
nos protege, acarinha, e escancara as portas para nosso lado escuro. O problema com o ódio é que é gostoso
senti-lo queimando nas veias, é narcótico poderoso, vicia, e passamos a
adorá-lo como um deus nefasto, e erguemos sua catedral negra e viramos devoto,
discípulo dele, e assim caímos em sua armadilha, porque ele passa a nos
orientar a vida, guiar nossos pensamentos, atos, palavras. Ele nos quer escravos.
Quando
a vida perde o sentido, muitas vezes, o ódio empresta-lhe um, dá-lhe
significado, ainda que o preço cobrado seja alto e venha mais adiante, na forma
de uma morte prematura, ou na forma de uma longa vida amesquinhada e medíocre,
mantida por ele e para ele, a serviço dele, dedicada a ele. O ódio dorme sob a sombra da nossa
consciência, da nossa humanidade e prega o desassossego, a discórdia, o
tumulto, é vulto que nos acompanha de perto, sorrateiro, prestes a dar o bote
quando nossa imunidade moral fraqueja. O
ódio é como um vírus que se apossa do nosso corpo para reproduzir-se
contaminando cada vez mais gente para seu exército de dementes, de furiosos, de
desesperançados. O ódio é obsessivo, paciente e resoluto, ele odeia seu objeto
com constância invejável, não faz concessões, não sente empatia, não diminui
sua marcha para a catástrofe, instilando seu veneno em toda e qualquer
oportunidade, e se regozijando disso.
Um
homem forte não sente ódio, o ódio é para os fracos e covardes, o odiento não
pode sentir amor por ninguém, porque o ódio denigri e depaupera o amor, fulano
não ama cicrano, fulano odeia beltrano, o ódio é uma mácula no coração de
qualquer um, aliás, quem sente ódio não tem coração tem qualquer coisa sombria
no lugar, uma pedra, um vazio, um grito, uma noite, bombeando pelo corpo raiva,
invídia e vingança. O ódio é a coisa mais relevante na vida do odiento, não
deixa espaço para mais nada, o ódio triunfa sobre tudo. O ódio é rei.
Muito
cuidado com o ódio que ele vai te roubar tudo: caráter, consciência,
humanidade, teus sonhos também (e tu passarás a sonhar os pesadelos dele).
Cuidado, muito cuidado mesmo, com este pequeno ódio que alimentas contra alguém
(e ingenuamente te delicias com isso), porque a vocação do ódio é crescer,
crescer rápida e esmagadoramente, e consumir, consumir tudo, insaciavelmente.
Até te consumir, até te engolir inteiro, num vórtice de tragédia e
desespero!