sábado, 24 de outubro de 2009

JP, UM (ANTI-)HERÓI BRASILEIRO

Quando o encontrei, estava transtornado. Via-se isso na face afogueada, nos olhos esbugalhados, no lábio inferior que tremia um pouco até. Também, havia horas que se enchia de cachaça, repassando o infortúnio detalhe a detalhe. Nunca o vira num tal estado. Justo ele, alma de bem com a vida, pouquíssimas responsabilidades, anarquista muito bem sucedido no propósito de não ser fiel a coisa alguma senão a si mesmo, puro instinto, tão leve e errante quanto um flato ao vento. E o que sucedera? Uma mulher, claro, que é o que sucede, cedo ou tarde, para o bem ou para o mal, na vida de qualquer homem. Sempre fora mulherengo e elas viviam correndo atrás dele; bem-apessoado, tem dinheiro no banco, apesar de ser apenas medianamente inteligente e de ter um senso de humor desses que não se entende muito bem. Com o mulheril sua filosofia de vida era nunca ser fiel nem exigir delas que o fossem. Mas com a Maninha a coisa era um pouco diferente. Desde o começo ela mexera com suas entranhas de uma forma que não imaginaria em outros tempos. Algo nela o tocara profundamente e agora ele se servia dela como quem se serve de uma droga poderosa que causa dependência física, psíquica e moral. Estava verdadeiramente afeiçoado à pequena. E como eu disse, J.P nunca fora disso, muito pelo contrário, menoscabava o amor romântico em todas suas possíveis manifestações. Na sua cabecinha sensual e pueril tudo se resumia a sexo, o mundo seria basicamente a penetração de falos em vaginas. Enfim, o caso é que eles viviam num relacionamento aberto e até onde vigorasse a total ignorância do que cada um fazia nas horas de ausência um do outro, estava tudo bem, estava tudo certo. Entanto, dias atrás ele achou o diário da pequena sobre a cama e não resistiu. Como um bom malandro pouquíssimo afeito às questões morais e éticas, mergulhou fundo nas páginas do livrinho para incontinenti mergulhar fundo na melancolia do desapontamento. Descobriu lá que Maninha tinha transado simplesmente com mais de duas dezenas de picas nos últimos doze meses, doses cavalares de sexo na veia, overdose mesmo, coisa da pesada, hardcore. Aquilo o afetou sobremaneira porque ele sequer se apercebera da quantidade de vezes que ela se satisfizera fora de casa. Mas o que mais o indignava é que não obstante todo seu empenho, contumaz e cotidiano, ele só se metera em doze bocetinhas no mesmo período (um terço das quais, pagando). Era ultrajante, mesmo insuportável quando descobria uma mulher que se esbaldava na luxúria muito mais do que ele próprio conseguia; justo ele que se considerava o maior dos putanheiros da Terra Brasilis. E foi para me contar esse causo que me chamou para beber consigo naquele dia...


Tristão da Isolda
Amigo e confidente do JP

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