QUATRO VISÕES SOBRE A VIDA
1)
A
A V
A VI
A VID
A VIDA
A VIDA É
A VIDA É L
A VIDA É LI
A VIDA É LID
A VIDA É LIDA
2)
A VIDA É VAZIA!
A VIDA É VAZIA
A VIDA É VAZI
A VIDA É VAZ
A VIDA É VA
A VIDA É V
A VIDA É
A VIDA
A VID
A VI
A V
A
-
3)
A
A
V
A VI
A VID
A VIDA
A VIDA É
A VIDA É V
A VIDA É VA
A VIDA É VAD
A VIDA É VADI
A VIDA É VADIA
A VIDA É VADIA!
4)
A VIDA É VIRTUAL
A VIDA É VIRTUA
A VIDA É VIRTU
A VIDA É VIRT
A VIDA É VIR
A VIDA É VI
A VIDA É V
A VIDA É
A VIDA
A VID
A VI
A V
A
-
O HOMEM QUE NÃO ESTAVA LÁ
a casa parece enorme; a cada passo, se estendem os
cômodos, se multiplicam os metros, e os vazios se aceleram, como num universo
particular; a solidão infinda-se, dilacerando-me lentamente, humilhando minha
humanidade; uma imensidão de impossibilidades de afeto, diálogo, amor,
esperança
falo fingindo a presença de outra pessoa, falo para
ouvir-me, para lembrar que sou gente; a solidão é um sol que dá vida, expande
as capacidades imanentes, abre os olhos para uma singular visão das coisas,
mas, exagerada, entorpece e exaure, resseca o coração, confunde a mente, limita
o espírito
percorro um milhão de quilômetros de pensamentos no
espaço de um metro quadrado, quisera percorrer um milhão de passos sem nada a
pensar, fruindo o momento
solidão tumular, silêncio cortante, pensamentos
tortuosos
existo realmente ou apenas vestígio de algo
extinto, sombra do passado? eles existem ou são reflexos de alguma coisa, não a
coisa, o pó da coisa, o rastro fugidio da coisa? e se existimos, o fato de que
tudo será extinto e esquecido não nos faz mortos e esquecidos desde já, como
fantasmas errantes? alívio nada ficar registrado (que assim permitam as leis da
física)
bebo água, sem água a gente morre, sem gente por
perto morremos também, queria beber gente todo dia, como se fosse água, queria
respirar gente como se fosse ar, respirar-se é bom, mas insuficiente, vai-nos
intoxicando, precisamos de pontos de vista diferentes, de dialética e oxitocina
entro em meu quarto, meu palco e minha tumba, por
onde andam meus sonhos e esperanças? murcharam como eu através das décadas; de
timidez ando perdendo a vida, me disseram, não que a vida se importe, não que
alguém se importe, eu deveria me importar, mas alquebrado demais para me
importar; ouvindo música baixinho, para não incomodar ninguém, passando
despercebido mais um dia, um alegre e festivo, talvez pela minha falta; ouvindo
música baixinho, e dançando com alguém imaginário, o amor dos meus 15 anos
a casa parece enorme
uma ausência de tudo
LUTAR
Em um mundo brutalmente cindido pela desigualdade
O homem não pode restringir-se ao sonho particular:
Chefiar isso ou aquilo, curtir e gozar; urge
participar
Dos assuntos públicos, organizar e lutar com
vontade
Em um mundo por massacrante injustiça marcado
Deve-se vestir o uniforme, desfraldar a bandeira,
ir à guerra
Contra vetusta ideia que nos assombra, deprecia e
aferra:
O todos contra todos; oposto do paraíso sonhado
O homem comum percebe o caos e clama por um ideal
Se padecem os irmãos, como pode descansar à noite?
Não pode sorrir quando em tantos a vida dói como
açoite
E essa desfaçatez de se dizer a iniquidade algo
normal
Mas, se cada um fizer sua parte, não calar,
contra-atacar
Se cada grito e cada lágrima puderem ser vistos e
escutados
Mais e mais homens e mulheres se erguerão como
soldados
Contra o mal: a
atroz injustiça, a desigualdade secular
SERVIR
Servir a si mesmo – que delícia, é um direito
natural
Da condição humana, o primeiro e fundamental motivo
Que advém da inestimável e rara consciência de
estar vivo
E ser dono dos frutos do próprio esforço laboral
Servir
a si mesmo e, desta forma, servir aos demais
Ofereço aos outros um futuro melhor ao pensar em mim
Os interesses diversos se conciliam para operar este fim:
Afluência material, bem-estar, felicidade, paz
Ofereço aos outros um futuro melhor ao pensar em mim
Os interesses diversos se conciliam para operar este fim:
Afluência material, bem-estar, felicidade, paz
Servir aos demais – que oportunidade, é divina lei
Da religião e filosofia, o ensinamento mais sublime
É aquele sopro de ar benfazejo que a todos redime
E no benevolente serviço alcançamos o posto de reis
Servir aos demais e, desta forma, servir a si mesmo
Uma sacrossanta energia me toma, alentando o
coração
Socorrendo o próximo, Ele também me estende Sua mão
Me ergue, me guia,
me salva de caminhar a esmo
NO CENTENÁRIO DE
MEUS AVÔS, UMA SINGELA HOMENAGEM
Américo, cidadão destemido, agente da história,
apaixonado
Pela vida e pela humanidade, pelo futuro e o debate
de ideias
Muitos matizes: intelectual, ativista, boêmio, ser
multifacetado
Com a palavra, trilhou seu caminho de lutas e
arrebatou plateias
Entregou-se às questões de seu tempo com a
inteligência privilegiada
Já com o coração comunista, distribuiu cuidados,
doçuras, carinhos
E assim tornou-se uma saudade e uma ideia sempre
relembrada:
Uma vida plena é aquela na qual se percorre todos
os caminhos
Sua casa, alegre e acolhedora, foi por anos nosso
parque de diversão
Quando vôzinho chegando repartia os chocolates, a
festa começava
Os primos todos reunidos, tagarelando em vívida
confraternização
Ah, nossa infância, saudosa infância, que a
vicissitude não maltratava
Lauro Maciel fez-se a si mesmo, como agem os
audazes e valentes
Seus instrumentos de trabalho: o esforço, a
palavra, a inteligência
Foi jornalista, mas brilhou como advogado dos mais
competentes
Exercendo o ofício como serviço, com honestidade e
proficiência
Pai zeloso, contra as intempéries da vida, foi refúgio
e abrigo
Mente curiosa e resoluta, temperamento afável e
constante
Por isso, onde andou fez amigos – dele não se
conheceu inimigo
Pequenino no tamanho, na vontade e no caráter, um
gigante
Leu sobre tudo e nas páginas dos livros sagazes
observações ia anotando
Sua biblioteca e escritório, para mim, jovem
leitor, eram templos de sabedoria
Mas não se engane, frequentemente vôzinho Lauro era
visto se deliciando
Em Maranguape, no
Maguari, em carnavais de transbordante alegria
PEQUENO POEMA
FAMILIAR DE NATAL
Calhô, íntegro, age sempre com justiça e bondade
Honrado paladino, tem o peito transbordando ideais
Nada lhe custa fazer o bem ou defender a verdade
Doa aos seus o que tem, entrega e amor sem iguais!
Norminha, baluarte da paz, concórdia, delicadeza
Com inteligência intuitiva, entende profundas
questões
Corpo e alma dotados de uma superior e perenal
beleza
Em seu coração, o perdão e o amor de mil corações!
Alessandra, chama persistente em meio à noite
escura
Naturais dotes artísticos para expressar sua
singularidade
Transformando em traços e cores os golpes da sina
dura
Amor fraternal, cuidado, renúncia, cumplicidade!
Carolzinha, dos sonhos mais lindos ficou encantada
Como os anjos e passarinhos, pertence às azuis
amplidões
A mente brilhante iluminando nossa comum estrada
Alheia ao ódio e ao
mal, repleta de excepcionais vocações!
O SORRISO DE
CAROLINA
Dele tanta misericórdia derrama-se, que embarcamos
em suas vagas de generosidade e congraçamento;
Nele, a satisfação dos tempos vividos em paz, de
esforços semeados e alegrias colhidas;
A fé quando a vida nos chama a cada manhã e o
coração aceita seu desafio;
E a doçura da nobre e gentil garotinha enternecendo
a alma da mulher.
Dele projeta-se beatífica visão: os homens são
todos iguais e irmãos;
Há nele tanta franqueza que um homem confessa seus
pecados e implora o perdão, genuflexo;
Santuário onde a inocência vem cultuar a virtude,
dedicando-lhe os sentimentos mais lindos;
E uma verdade não dita, mas pressentida por todos:
na simplicidade repousam as coisas raras.
Há nele também uma satisfação mundana, provando
que, apesar das dificuldades, a vida é bela;
A esperança de que as coisas serão o que se sonhou
para elas, e que tudo fará sentido, a seu tempo;
Sublime beleza que, capturada pelo olhar, escorrerá
em lágrimas de apaixonamento;
E a comovente ingenuidade dos puros de alma e de
coração, dos que desconhecem a maldade, dos tocado pela Graça Divina.
Enquanto é enigma o sorriso de Mona Lisa, o de
Carolina é revelação: de nós mesmos apenas dependem as glórias do amor e da
comunhão!
A MORTE
Eterna como o Tempo, a Morte
Aguarda, mas não tem pressa.
Degustando a doce infinidade,
A lida é sua distração, que faz sem maldade,
Posto que nas leis do universo impressa.
Revolucionária ideia do Criador, a Morte
Tem fome; serena, mas sempre atenta...
Opera entre os tempos – presente, passado, futuro;
Ela é o éter invisível e o golpe duro
Que a todo nosso destino orienta.
Disputa com o Acaso, ciumentamente,
Do universo o posto de melhor operário.
Juntos vão transformando tudo, o mundo -
Em um milhão de anos ou num segundo,
Num turbilhão renovador e sanguinário.
Com ouvidos aqui e alhures, a Morte
Tudo sabe – é vital a informação perfeita
Para sorrateiramente executar sua lida.
Sua obra-prima é nos arrancar a vida.
Cumpre a missão a qual foi por Deus eleita.
Com olhos onipresentemente, a Morte
Nos vê a todos – e quando vê, deseja.
Também a vi, de relance, no espelho; aí eu soube:
Esse simulacro de vida foi o que me coube...
Agora é tarde. Deus, perdão! Que assim seja!
O HOMEM
Parido na luz, abortado da treva
Tão grandioso e tão apto à vilania
Fui soldado do amor e do ódio
Desci à lama, subi ao pódio
Nesta contraditória senda que me guia...
Filho da dúvida, inventor de certezas
Sigo na vida como bêbedo, cambaleante
Forte feito sonho, frágil feito o medo
Frequentemente triste, outras vezes ledo
Nesta dicotomia infernal e nauseante...
Fui herói, fui bandido
De um roteiro confuso, tortuoso
Por mim mesmo escrito, a riso e pranto
E pelo acaso, esse eternal espanto
Da trama da vida, maquinador gasoso...
Mas a cruz não é particular: é do Homem
E não é justamente o que vale a pena: o paradoxo?
A contradição: marca da nossa linhagem
O horror, outrossim a glória desta viagem
Desta nossa gente de ideais heterodoxos...
Mas a cruz não é particular: é do Homem
Por quanto tempo mais? Por pouco, creio
O futuro espreita com a bocarra aberta
E nos engolirá a todos – é só um alerta
Inútil; pois o Homem não é fim, é meio!
HOMENAGEM ÀS MULHERES DA MINHA FAMÍLIA
As mulheres da minha família...
São suaves como um carinho
E inebriantes como o vinho
As mulheres da minha família...
São sensíveis como o pranto
E alegres como um canto
As mulheres da minha família...
São divinais como a vida
E terrenais como a lida
As mulheres da minha família...
São elegantes como a decência
E curiosas como a ciência
As mulheres da minha família...
São sonhadoras como o Argentino
E orgulhosas como o pátrio hino
As mulheres da minha família...
São desejáveis como Helena
E cultas como Avicena
As mulheres da minha família...
São talentosas como Da Vinci
São nota dez; não, nota vinte
As mulheres da minha família...
São virtuosas como o Nazareno
E gentis como um aceno
As mulheres da minha família...
São joviais como bons amigos
E sapientes como os antigos
As mulheres da minha família...
São resolutas como a certeza
E delicadas como a beleza
As mulheres da minha família...
São destemidas como a verdade
Imprescindíveis como a saudade
As mulheres da minha família...
São vanguardistas como o porvir
Estão num eterno devir
As mulheres da minha família...
São ardentes como os anelos
Feitas dos sonhos mais belos
As mulheres da minha família...
São transcendentes como a Cruz
Refulgem, e espalham luz!
ESTÁ
DECIDIDO...
Está decidido: não temerei mais a vida!
Que venha a vida!
Está decidido: não temerei mais a morte!
Que venha a morte!
Está decidido: não temerei mais o amor!
Que venha o amor!
Está decidido: não temerei mais o ódio!
Que venha o ódio
Está decidido: não temerei mais o prazer!
Que venha o prazer!
Está decidido: não temerei mais a dor!
Que venha a dor!
Está decidido: não temerei mais a liberdade!
Que venha a liberdade!
Está decidido: não mais temerei o dever!
Que venha o dever!
Está decidido: não temerei mais os sonhos!
Que venham os sonhos!
Está decidido: não temerei mais a realidade!
Que venha a realidade!
Está decidido: não temerei mais a paz!
Que venha a paz!
Está decidido: não temerei mais a guerra!
Que venha a guerra!
Está decidido: não me temerei mais!
Que eu venha a mim mesmo!
Está decidido: não temerei mais os outros!
Que os outros venham a mim!
Está decidido: não temerei mais nada!
Que venha tudo!
*
Corri para abraçar-te, mas te perdi nas brumas
Tentei beijar-te, mas te perdi na espuma dos meus sonhos
Bradei teu nome, mas só o eco do inconsciente respondeu meu chamado
E em meu desesperado estado desejei jamais tê-la achado
Partiste dos meus sonhos - tão cedo! - para encantar sonhos alheios
Abandonaste meus sonhos – onírica peregrina, para enlevar outros devaneios
Está decidido: não temerei mais a vida!
Que venha a vida!
Está decidido: não temerei mais a morte!
Que venha a morte!
Está decidido: não temerei mais o amor!
Que venha o amor!
Está decidido: não temerei mais o ódio!
Que venha o ódio
Está decidido: não temerei mais o prazer!
Que venha o prazer!
Está decidido: não temerei mais a dor!
Que venha a dor!
Está decidido: não temerei mais a liberdade!
Que venha a liberdade!
Está decidido: não mais temerei o dever!
Que venha o dever!
Está decidido: não temerei mais os sonhos!
Que venham os sonhos!
Está decidido: não temerei mais a realidade!
Que venha a realidade!
Está decidido: não temerei mais a paz!
Que venha a paz!
Está decidido: não temerei mais a guerra!
Que venha a guerra!
Está decidido: não me temerei mais!
Que eu venha a mim mesmo!
Está decidido: não temerei mais os outros!
Que os outros venham a mim!
Está decidido: não temerei mais nada!
Que venha tudo!
*
Corri para abraçar-te, mas te perdi nas brumas
Tentei beijar-te, mas te perdi na espuma dos meus sonhos
Bradei teu nome, mas só o eco do inconsciente respondeu meu chamado
E em meu desesperado estado desejei jamais tê-la achado
Partiste dos meus sonhos - tão cedo! - para encantar sonhos alheios
Abandonaste meus sonhos – onírica peregrina, para enlevar outros devaneios
DOIS
POEMAS TRISTES
a vida aconteceu
enquanto cultivava a arte
a vida aconteceu
agora, já vai caindo a tarde
e eu não sou mais eu: não sou mais todo, sou parte
a vida aconteceu
enquanto cultivava o riso
a vida aconteceu
no mais caótico improviso
e eu não sou mais eu, destarte
a vida aconteceu
levou
o amor que não pude dar-te
a vida aconteceu
secou
os mares de singrar-te
enquanto cultivava a arte
a vida aconteceu
agora, já vai caindo a tarde
e eu não sou mais eu: não sou mais todo, sou parte
a vida aconteceu
enquanto cultivava o riso
a vida aconteceu
no mais caótico improviso
e eu não sou mais eu, destarte
a vida aconteceu
levou
o amor que não pude dar-te
a vida aconteceu
secou
os mares de singrar-te
a vida aconteceu
enquanto cultivava flores
a vida aconteceu
agora, só vicejam as dores
e eu não sou mais eu: sou metade de um homem
a vida aconteceu
enquanto cultivava sonhos
a vida aconteceu
cerrando meus olhos tristonhos
e eu não sou mais eu, sou ontem
a vida aconteceu
doeu
agora a vida me consome
a vida aconteceu
não sou mais eu
sou o que não tem nome
*
Amanheci do meu mistério
Agora me compreendo
Não significa que me goste
Compreendo-me apenas
Não tenho nada a ensinar a ninguém
Não tenho nada a dizer a ninguém
Não tenho nada a aprender com ninguém
Não tenho nada a ouvir de ninguém
A poça é rasa
A água está parada
No limo, infestações proliferam
Eu matei a charada, que não significava nada
Eu nunca fora culpado, mas nunca serei inocente
Tudo é absurdo, vão, escuro, sujo, feio e fede
insuportavelmente...
Amanheci do meu mistério
Que pena
HOMENAGEM À DOCE GUERREIRA CAROLZINHA
Tenho uma irmã (aliás, duas) que é guerreira
As procelas da vida enfrenta-as com sorriso aberto
Não teme nada – o perigoso, o difícil, o incerto
Domando o alazão Vida como amazona altaneira
As procelas da vida enfrenta-as com sorriso aberto
Não teme nada – o perigoso, o difícil, o incerto
Domando o alazão Vida como amazona altaneira
Tenho uma irmã (aliás, duas) que transborda
galhardia
Em Deus, no Homem, em si mesma cultiva fé inabalável
Enquanto outros se curvam e se calam ante o indefensável
É doce promessa de um novo e resplandecente dia
Em Deus, no Homem, em si mesma cultiva fé inabalável
Enquanto outros se curvam e se calam ante o indefensável
É doce promessa de um novo e resplandecente dia
Tenho uma irmã (aliás, duas) brava e valente
No turbilhão mantem-se calma, para o certeiro foco inferir
Por todas e tantas conquistas é honoris causa em existir
Enfrenta os Elementos, os maus elementos, de frente
Tenho uma irmã (aliás, duas) que transborda fortaleza
Se o chão se abre e tudo afunda, ela, como o Desperto, flutua
No palco da vida, com amor, coragem e esperança atua
Revolucionando o mundo com paixões, ideais,
delicadeza
-->
INSPIRADO EM UMA BELA
ANJINHA DE BRONZE
Apaixonei-me por ti,
sôfrega e desassossegadamente.
Foi veloz e certeiro, uma ensolarada invasão do Amor.
(Culpo tua placidez angelical, suavidade e pundonor...)
A contrição que ocultas é paixão, meu coração pressente!
Dirão que estou louco, mas o amor não tem medida.
Desejo o teu bronze, e sonhas mergulhar no meu espírito.
E realizaremos mágica e inefavelmente este amor onírico.
E descerás à Terra, e ao Céu encetarei subida!
Dirão que é impossível, mas a paixão é imaginativa.
Vou ensinar-te o verbo, e me mostrarás o mundo do alto.
E morrerão de inveja, ao descobrirem, num sobressalto,
Que teu corpo é meu, e minha alma de ti ficou cativa!
E num infinito de realidades paralelas, filhos teremos.
Que formarão nova raça de nobres e valentes guerreiros,
A fundar outras civilizações com seus ideais altaneiros...
É o esplendor deste amor qu'eu sonhei, e que ousaremos!
Foi veloz e certeiro, uma ensolarada invasão do Amor.
(Culpo tua placidez angelical, suavidade e pundonor...)
A contrição que ocultas é paixão, meu coração pressente!
Dirão que estou louco, mas o amor não tem medida.
Desejo o teu bronze, e sonhas mergulhar no meu espírito.
E realizaremos mágica e inefavelmente este amor onírico.
E descerás à Terra, e ao Céu encetarei subida!
Dirão que é impossível, mas a paixão é imaginativa.
Vou ensinar-te o verbo, e me mostrarás o mundo do alto.
E morrerão de inveja, ao descobrirem, num sobressalto,
Que teu corpo é meu, e minha alma de ti ficou cativa!
E num infinito de realidades paralelas, filhos teremos.
Que formarão nova raça de nobres e valentes guerreiros,
A fundar outras civilizações com seus ideais altaneiros...
É o esplendor deste amor qu'eu sonhei, e que ousaremos!
FRAGMENTOS
POÉTICOS
O tempo passa e nos leva aos pedaços: um pouquinho do corpo, um pouquinho da mente, um pouquinho da alma
O tempo passa e nos leva aos pedaços: um pouquinho dos músculos, um pouquinho do coração, um pouquinho da memória
O tempo passa e nos leva aos pedaços: a criança, a lembrança, a esperança, também a coragem
A cada dia, a cada esquina, a cada susto o tempo passa e nos leva; no fim, somos poeira cósmica
A cada noite, no sofá da sala, no jantar com a família o tempo passa e nos leva; somos sombras fugidias
O tempo passa...
Não, ele corre!
O tempo corre com sua disposição atlética, com seu espírito olímpico, deixando-nos para trás, exaustos, com o coração saindo pela boca
O tempo corre com suas pernas titânicas, espalhando luzes e trevas no seu rastro, envolvendo-nos em seu implacável jogo de renovação e morte
O tempo corre...
Não, ele voa!
O tempo voa, mas somos nós quem caímos das alturas, caímos na real: é, o tempo voa, e nós, no máximo, corremos
É, o tempo voa, enquanto caímos na real: caímos nos braços do esquecimento, nos braços do sono, nos braços da noite, cujas vozes é o silêncio, íntimo companheiro de tudo que sonha
Ah, o tempo...
Se passasse mais devagar...
Ou se a gente vivesse mais e melhor...
Ou se a gente aprendesse mais rapidamente a viver, se a gente aprendesse mais rapidamente sobre o tempo, sobre os tempos da vida...
Ou se
Ao menos
A gente aprendesse a passar, a passar simplesmente
Como o tempo...
**
a moça apaixonou-se pela pessoa errada
e vivia a chorar estrelas com seus olhos noturnos
(outros orientavam-se no escuro com as estrelas que ela chorava, mas ela não se apercebia disso...)
falava sozinha imaginando seu amor abandonado ao sofá da sala, num comuníssimo domingo, lendo o jornal, a ouvi-la tagarelar e a rir-se dela; e compartilhava com este ser imaginário seus cotidianos dramas e alegrias, suas modestas aspirações e inspirações...
antes de dormir, tocava-se com lânguida sensualidade e despia-se num jogo erótico ilusório, sonhando o amante materializado em sua cama, viril mas delicado, a observá-la com paixão: mágica do amor romântico e da imaginação concupiscente...
a moça estava faminta de um corpo
a moça estava sedenta de uma alma
e foi assim que se deixou levar pelas metáforas de um jovem poeta – um poetaço, por quem se apaixonara, perdidamente, sem esperar ou querer, e esperou e quis e quis e esperou e esperou e quis, tudo baldadamente...
sóis e luas vieram e se foram
esperanças cresceram e minguaram
sazões dormiram e acordaram
e nada!
iludiu-se com os mal-entendidos da linguagem
iludiu-se com as miragens dos devaneios
iludiu-se com os calafrios dos desejos
até que, enfim, ela decidiu-se por não esperar mais a pessoa certa e se fez pessoa certa para alguém, e adorou fazer alguém feliz, e foi feliz também
às vezes, as coisas fazem mais sentido quando você desiste delas...
**
cortaram as árvores de dar sombra
sombras de dormir muito e gostosamente
e sonhar sonhos doces e frutíferos
cortaram as árvores de papear debaixo da copa
e filosofar axiomas, paradoxos, sofismas, quando a turma pensando pensa que é esperta só porque pensa, enquanto adora Baco e fala alto e se confunde
cortaram as árvores de marcar no tronco o nome da namorada: a real, a imaginada
cortaram as árvores de ouvir passarinho e fazer serenata
cortaram as árvores...
por outro lado, agora vejo melhor a vastidão do céu: céu de imaginar-se alado, céu de mergulhar nas nuvens, céu de sonhar com as estrelas, com outros mundos e o Paraíso, céu de Deus, de deuses e titãs, e também céu de me situar no mundo: somos tão pequenininhos...
a luz irradia-se mais livremente, o calor propaga-se, e restaura-se a saúde do sistema corpo-mente-espírito: remédio gratuito e efetivo
a luz do sol me acalma entrando no meu quarto
e o calor faz a gente se sentir mais vivo
perdi as árvores, mas me dourou o sol
perdi as árvores, mas me ampliou o céu
perdi as árvores, mas me curou a luz
muitas vezes, quando a gente perde é quando a gente mais ganha
MEDITABUNDO
Antes, quando o Homem era potência
Secreto devaneio do esfíngico autor
Do espaço/tempo, do ousado criador
Da matéria, da entropia, da consciência...
Antes, quando o Homem não sonhava
Quando a idéia da idéia tremeluzia
E a obra do braço humano adormecia
Déspota solitário, Ele imperava...
Antes, quando era silêncio a palavra
Quando nada fabricava a humana lavra
Ele, a absoluta razão do universo
Toda a explicação: verso, anverso...
Agora, o Homem, invertendo tudo
Faz Deus, meditabundo, ficar mudo
APOCALIPSE
Depois, o silêncio reinou outra vez
Depois das paixões, o esquecimento
Depois da razão, a frigidez
De um universo triste, sem argumento
Depois da dúvida hamletiana
Que confrangia o homem
E da sentença descartiana
Apenas sono, apenas ontem
Só, Ele revê a tudo, sem saudade
O quanto fizera, apaixonadamente
Sonhando a filosofia, a arte, a ciência
Mas, num lapso, criara a iniquidade
Consumindo tudo, obstinadamente
E quis pôr fim à Sua imprevidência...
PAIXÃO!
Louco, marchava sobre os abismos da paixão!
Ah, imortais ardentes madrugadas de outrora
Quando o tempo só marcava a mesma hora
E, chamejantes, acendíamos a própria escuridão...
Possuía-te com afagos, e com sevícias!
Amava-te com desprezo, e com esmero!
Lançava-te às chamas, como um Nero
Àquelas das bacânticas delícias...
Afligi-me ainda este desejo incontrastável
E ainda morro de sede ao ver-te, meu Kalahari
Rendido, a teus liames me ataste, vil Mata-Hari
Refém de uma paixão inconfessável...
Quanta aflição germina e grassa no meu peito!
Se mais te desejo, é tua falta que hei-de aspirar
Meu amor é só desespero, diz querendo calar
Quer nunca mais te ver, e ver-te nua no leito...
ESFINGE - II
Gente vulgar, meu ser pacifica-se no caos
Num tropel de emoções, num viajar-se em naus
Imortais, rumo ao fim e ao limiar de tudo
Sorvendo a existência num divagar mudo
Nasço, morro, renasço... Vivo em outra esfera
Sou lírio e sou hera, todo o amálgama que contém
Nossa natureza, e hoje sei que o conforto da certeza
Não engendra o traço original que tem a beleza
Minha humanidade quer expandir-se ao infinito
Na dubiedade das horas, ser o silêncio e o grito
É fogo que arde e na própria chama se extingue
É a loucura do algoz que ao próprio corpo cinde
Mentes timoratas prenunciam: perderás a alma!
Vendi-a ao nascer. Noite, tu és quem me acalma!
Nos abismos sem luz, sonho o inconsciente coletivo
E só e em silêncio é que me sinto vivo
A vida é um sonho com reflexos de realidade
É ir esgotando o círio de uma fugaz identidade
Mas, cientes de que adiante, outra vez, acordaremos
E maiores, mais puros, mais livres, prosseguiremos...
ESFINGE - I
Coração há que olvide tua beleza?
De rosa a desvirginar a primavera
De sol a inaugurar uma outra era
De novos sonhos e mais delicadeza
E alma há indiferente à tua tristeza?
Que confere ao teu olhar larga gravidade,
Como se lá houvesse sorumbática cidade
Onde reinasse noctívaga princesa
Teu olhar horrendo, de outra Medusa
Vai refazendo os corações humanos em pedra
E em tua plástica beleza só o malefício medra
Volúpia estéril, cristalizada na recusa
E teus gestos, que engendram sombras delirantes
Ora parecem pesadas: as memórias doídas?
Ora parecem abatidas: as paixões perdidas?
Malditas sombras, que te arrastam a vãos distantes
Bebe, triste e bela infanta de longínqua esfera
Um gole do Letes, sim, o esquecimento...
Antes que morras do tétrico sofrimento
Bebe um gole! Foge do mal que te lacera!
PARA SEMPRE NA MEMÓRIA DO TEMPO...
Para sempre na memória do tempo ficará escrito
Esse amor: sublime paixão de juventude
Que aguardou por teu gesto, mas tua atitude,
Soberba, indiferente, fê-lo ser proscrito...
Foste para onde não mais posso tocar-te ou ver-te:
Plaga distante, pátria de gênios, de bravos, de belas
Nesse altar, onde te adoro, só, rodeado de velas,
Tudo são ilusões de beijar-te e envolver-te...
Distante, embora estejas, ainda te sinto perto:
Sem te olhar te vejo, sem dizeres te escuto,
Se digo teu nome, choro desfeito em luto
Nessa paixão inútil que é viver deserto...
Incauto e otimista fui! Ah, fiquei sonhando o céu:
O paraíso recôndito que floresce em teu olhar,
Onde tudo esqueceria de simplesmente amar
Teu corpo palpitante sobre mim, lácteo véu...
Agridoce miragem no ermo da minha solidão!
Pudesse repousar o fio dos meus pensamentos
Outra vez em teu colo, encher-me de alentos
Perto de quem seria sereno e imortal guardião...
ROSA DO MAINZ
Verão imortal, de ardente temperatura
És sol a pino, e também o mar e suave brisa...
Tua paisagem minha memória escraviza
E lança a rede do amor que a captura
Teu corpo – Deus, teu corpo, um cataclismo
Derribando os alicerces da minha razão
Indefeso, caio infinitamente em tua mão
Nutrindo este amor que obsessivamente cismo
Como te amo, minha princesa germânica!
Mais que o sol ama o azul no qual flutua
Mais que a estrela ama o infinito em que atua
Amo tua singela beleza, balsâmica
Rosa do Mainz, pudesse regar-te a formosura
Com o orvalho do meu amor primaveril
Intemerato, sincero, glorioso, febril
Em ti encontrar o elixir da minha cura...
LUZ
Irrefreavelmente vem galgando os espaços
Semeando a verdade, com seus lavradores braços
Nada se lhe subtrairá, porque é força onividente
Revelando e traduzindo o que se inferia ausente
Com fulgurantes poderes e infalíveis laços
Captura, com suave brandura, o negror dos cansaços
De tudo que é vivo, restaurando sua força imanente
Enquanto desvela a miríade de formas à gente
Vem curar-nos da fúria fratricida do aço
Ensinando a bem-aventurança e fortalecendo o abraço
Apaziguando o coração tumultuado de ódios ingentes
Propondo um porvir em comum e conciliações urgentes
Com ligeireza avança, de pezinhos descalços
Diafanamente, despida das sombras, nos ignotos terraços
Das vastas amplidões que nos habitam a mente
E nos secretos jardins da casa do Onisciente
PRECE
O homem, refém de uma lógica consumista
Desfere golpes matricidas contra a Terra
Persegue excessos megalomaníacos e erra
Ao eleger o iníquo paradigma capitalista
Violentada, a natureza adoece, sangra, berra
Contra esse modus vivendi pródigo, materialista
(que nos tem degenerado em cegueira a vista)
De destrutiva avidez, que nos sevicia e aferra
Vamos juntos, em silêncio, dar-nos as mãos
E redescobrir o sagrado elo que nos irmana
Homem e Terra. Vencer a doença, viver sãos
Para estarmos aqui como um só, como irmãos
Esquecidos de que um dia levamos esta vida insana
Baseada na força bruta, na força do ouro e da grana
NIILISMO
Nazareno redivivo, arquétipo da virtude
Fúlgida fortaleza do amor, da compaixão
Abraço conciliador, o perdão, a beatitude
Mas é alerta que ouço à sua pregação...
A pureza em divinal talhe, inabalável
Convertendo em abundância a escassez humana
Iluminada, é santa, sublime, imaculável
Mas seu condoído olhar já não me engana...
Certa vez, defrontei-me com a decantada verdade
Mas era uma profusão de mentiras a transviar o covarde
Com a miragem tragicômica dos ideais absolutos...
Deus? Mas somos falsos profetas consagrados ao vício!
Paz, justiça? Não é nossa miséria moral que faz este hospício?
A Revelação é que estamos sós e somos corruptos!
O ESFORÇO É O SAGRADO RITO
DA MINHA RELIGIÃO...
O esforço é o sagrado rito da minha religião
Quando se me revelam a divindade e a virtude
Sereno santuário em que revigoro a convicção
De dirimir a sede na taça da plenitude
O esforço é o campo onde semeio a vida
Para vê-la brotar numa flor transcendente
Ser-me-á leve grilhão a árdua lida
Se somar um pouco mais ao existente
O esforço é minha inspiração; mítica nau
Deslizando à fonte da minha esperança
Para que a imperfeição se redescubra cabal
E do Pai eu seja imagem e semelhança
Seja o esforço toda a ciência que conheça
Minha matemática, jurisprudência, filosofia
Com suas mãos alcançarei o que mereça
Tendo realizado a maior e a mais cara utopia
O esforço é clamor divino por superação
É desejo viril de superação da natureza
Vontade de re-fundar o mundo pela ação
E negando tudo, inventar outra certeza
O emprego da força física, corpórea e mental
É a gênese do progresso, motor da história
Ato que transforma em realidade o remoto ideal
E nos estimula com os ósculos da vitória
SERVIDÃO!
Existo?
Existo conscientemente?
Sou verdadeiramente consequência da minha vontade?
Ou sou a sombra, o reflexo de uma outra coisa?
Ou sou a vontade de uma outra coisa?
Sinto que algo perpassa minha existência, existindo em mim, sem ser eu mesmo
Este algo alimenta-se de mim, como um parasita
Este algo me tem, mas eu não o tenho, nem sei sobre ele
E se este algo me deixa acreditar que existo, que tenho consciência, isto é, que faço escolhas, que quero isto, não quero aquilo, que amo este e odeio aquele, que concordo com isto e discordo daquilo, que sou filosoficamente livre?
Que algo seria este?
Escrevo esta reflexão porque quero?
Fui eu quem decidiu fazê-lo, realmente? Ou miríade de fatores misturam-se para que, enfim, eu sentisse esta reflexão, eu pensasse esta reflexão, eu fizesse esta reflexão?
Mas sou eu mesmo o seu autor?
Escrevo, leio, vivo, amo, mato, morro, porque quero, ou querem por mim, porque decido, ou decidem por mim? Mas quem quer por mim, quem decide por mim?
O que quer de mim, tal demônio?
Talvez eu seja uma simples fachada, veú encobrindo o verdadeiro espetáculo, onde tudo se dá, onde todas as decisões são efetivamente tomadas...
A abscôndita realidade do mundo...
A abscôndita verdade dos fatos...
E se a verdade estiver para além de mim mesmo, da máscara do meu rosto, da capa perecível do meu corpo, e se estiver mesmo além das elucubrações da minha mente, que se julgava livre e autônoma para pensar e refletir, mas que, na verdade, não é?
Há algo de errado...
O quê?
Aonde?
Uma fissura no bloco monolítico da Grande Mentira (a Vida), da Grande Ilusão (a Consciência), deixa escapar a verdade última das coisas, terrível verdade:
há sérias dúvidas sobre sermos livres, autônomos, auto-determinados
Minhas escolhas refletem o livre-arbítrio da minha ética pessoal?
E se as minhas escolhas, todas elas, todas elas, apenas refletirem a bioquímica cerebral, e nunca meus cálculos racionais, meus sentimentos mais profundos, que são meus desejos e minhas aspirações?
E se eu não sentir o que sinto?
E se eu não pensar o que penso?
E se eu não existir autonomamente?
E se não sentirmos o que sentimos?
E se não pensarmos o que pensamos?
E se não existirmos autonomamente?
E se o livre-arbítrio for a mais cara ilusão do Homem?
O Homem, que já se achou o centro do universo...
O Homem, que já se pensou filho dileto de um Deus criador do universo...
O Homem, que já se acreditou livre e auto-determinado, senhor de si...
Quão tolo pode ser o Homem...
Assim, a liberdade não é mais que um sofisma
Em nossa essência há um escravo resignado com sua condição vegetativa e que inventa belas histórias para si mesmo na tentativa desesperada de tornar sua obscura existência menos sombria e miserável...
Mas a verdade é que um totalitarismo invisível nos governa a todos
e semeia em nossas mentes a falaciosa idéia de que somos livres
Mas não somos!
O que sou?
Animal-máquina sem alma, passível de programação e condicionamento, escravizado por laços que eu próprio desconheço, mero fantoche, autômato, títere, sempre a consequência e nunca a causa?
Mas consequência de que causa?
A química cerebral?
As atividades neurônicas?
O intercâmbio entre sinapses nervosas?
Agora, façamos um exercício lógico: se não decidi, autônoma e conscientemente, ser o que sou, quem eu sou, é razoável pensar que ser mudarmos tal ou qual variável (que obviamente não conheço, muito menos controlo) eu seria outro totalmente diverso de mim mesmo, poderia ser tudo o que não sou, sentir tudo o que não sinto, pensar tudo o que não penso, se apenas mudassem estas tais e quais variáveis... O CAOS! Mudanças infinitesimais gerando complexidades crescentes, até outros Big-Bangs...
Se eu poderia ser outro qualquer, e outro qualquer poderia ser o que sou, eu não sou eu, nem este outro qualquer é ele
Concluindo
Tudo que existe é arbítrio, condicionamento, escravidão
Assim, meus enganados, iludidos, traídos leitores, nada escolhemos
Somos uma completa fraude; cada um e todos nós
O que somos é pura química, pura biologia, animais sem alma e sem vontade própria
Não existe escolha. Só destino
Não existe escolha. SÓ SERVIDÃO!
EXTINÇÃO II
Biologicamente, somos coveiros
Da própria linhagem. Deter-nos-á
Justamente a inteligência, ao despertar
Nossa super-raça imanente de guerreiros,
Que do espelho transporá a margem.
Desfeito o grilhão, arrebatar-nos-á o trono;
Então, sucumbiremos no inescrutável sono
Da extinção: derradeira humana viagem
E tatuagem apenas no corpo da história,
Que se desvanecerá, outrossim, como tudo
Que é grito selvagem a matéria, mas surdo
E a frigidez inorgânica seu zênite e glória!
(É um Cavalo de Tróia o conhecimento
Grávido da morte e do esquecimento...)
EXTINÇÃO I
O desejo humano de se sobrepor à natureza
Revigora-se com o beijo ambíguo da tecnologia:
Divindade pós-moderna, de obscura teologia
Cujo evangelho professa temerária certeza...
Porque traz como potência corte evolucionário
Semeando os futuros possíveis com rupturas
Abrindo feridas que não mais terão suturas
Apagando o verbete Humano do universal dicionário...
Subliminarmente, nossa inteligência visa a auto-extinção
Na iminência de ascenção de um novo paradigma genético
Alheio às noções do Bem e do Mal, imortal, cibernético...
Antifilosófica, antiestética, amoral, outra civilização
Surgirá. Patifaria humana, a religião também ruirá
Tudo que é sólido, disseram, se desmancha no ar...
RETORNO
Da abscôndita noite oceânica a vida veio
Grávida do propósito evolutivo: a consciência
Que é benção e castigo, liberdade e penitência
A verter o acre-doce leite do seu seio...
O desígnio do nosso universo é a civilização humana
Ainda que a golpeemos com a pesada mão fratricida
Mas haverá a hora de evitarmos o caminho suicida
E à refulgente vereda seguirmos, que irmana...
Na intuitiva antevisão do porvir, somos completos
Nossos corpos e mentes transbordam, repletos
Auge primaveril da evolução, reflexo do perfeito...
Não obstante a glória (desejo ardente, a divindade
Nem por isso existe: é horror do escuro, é vaidade)
À noite tornamos: íntimo e sepulcral leito...
A HORA DO LOBO
Vício, há tempo nos dedicamos ao ilícito hediondo
E nos precipícios noturnos saltamos, alienados
Sucumbindo em opiáceos delírios, paralisados
Mil horrores cortinas de sombras nos impondo...
Morte, sei que me cobiça tua mórbida luxúria
Que maquinas com o Tempo, velhaco libertino
Meu fim – que qualquer um é teu desde menino
Mas, como Sísifo, hei de enganar-te a fúria...
E os gentis amigos Mal-Estar, Necessidade, Desespero
Arautos do ocaso, acolhem-me em recanto hospitaleiro
- amizades verdadeiras e luminares esperanças de futuro...
Ah, o completo desperdício de sonhos, ideias, ideais...
Entre brutos, ser bruto! Sobrevenham disposições infernais
Lobo uivando à selva humana, e sedento: eu auguro!
O GRANDE IRMÃO NEGRO
EM SUA SOBERBA ARROGANTE ...
O grande irmão negro em sua soberba arrogante!
É a sua civilização: excessos luxuriosos, imorais...
Onde tiranamente legisla, segundo lógica infante
Que assola a Terra com a ilusão de sempre querer mais...
Enquanto a diáfana irmã escasseia; ela, a geratriz da vida!
Poluem suas fontes com industriais resíduos radioativos
E todos os dias a morte salta das sombras e nos convida
A aceitar severa aridez como a sina dos seres vivos...
Essa engrenagem voraz, o capitalismo hodierno
Não se sabe bem: representação do céu ou do inferno?
Onde o exagero burlesco é evidente sintoma de falta...
Na insustentavelmente atroz e insidiosa guerra pelo lucro
A extinção de toda riqueza natural aí tem seu fulcro;
mas a consciência crítica germinará na mente incauta!
URGE
Urge regar a luz
para que desabroche em áureos dias
que trarão amplos céus azuis
e outras divinais alegrias
Urge cultivar a esperança
para que se realize num vasto pomar
com frutos até onde a vista alcança:
paz, amor, sonhos, lar
Urge deter do medo
o discurso receoso e infame
ferozmente, pôr em riste o dedo
na cara da senil e fatal Madame
Em uníssono, urge afiar o grito
dilacerando o cinismo dos abastados
fazendo do contestar um novo rito
que nos faça lembrar dos deserdados
Urge com fúria levantar o braço
como se avisando: haverá guerra
e propagar o retinir do aço
para depurar dos maus a Terra
Urge da dúvida escarnecer
acovardar-se só intimamente
e deixar irremovível certeza romper
os limites, esgarçando-os tenazmente
Urge ouvir cantar a manhã
sobre o silêncio que gera a noite
libertando os filhos do amanhã
da vil miséria, do vil açoite
O tempo passa e nos leva aos pedaços: um pouquinho do corpo, um pouquinho da mente, um pouquinho da alma
O tempo passa e nos leva aos pedaços: um pouquinho dos músculos, um pouquinho do coração, um pouquinho da memória
O tempo passa e nos leva aos pedaços: a criança, a lembrança, a esperança, também a coragem
A cada dia, a cada esquina, a cada susto o tempo passa e nos leva; no fim, somos poeira cósmica
A cada noite, no sofá da sala, no jantar com a família o tempo passa e nos leva; somos sombras fugidias
O tempo passa...
Não, ele corre!
O tempo corre com sua disposição atlética, com seu espírito olímpico, deixando-nos para trás, exaustos, com o coração saindo pela boca
O tempo corre com suas pernas titânicas, espalhando luzes e trevas no seu rastro, envolvendo-nos em seu implacável jogo de renovação e morte
O tempo corre...
Não, ele voa!
O tempo voa, mas somos nós quem caímos das alturas, caímos na real: é, o tempo voa, e nós, no máximo, corremos
É, o tempo voa, enquanto caímos na real: caímos nos braços do esquecimento, nos braços do sono, nos braços da noite, cujas vozes é o silêncio, íntimo companheiro de tudo que sonha
Ah, o tempo...
Se passasse mais devagar...
Ou se a gente vivesse mais e melhor...
Ou se a gente aprendesse mais rapidamente a viver, se a gente aprendesse mais rapidamente sobre o tempo, sobre os tempos da vida...
Ou se
Ao menos
A gente aprendesse a passar, a passar simplesmente
Como o tempo...
**
a moça apaixonou-se pela pessoa errada
e vivia a chorar estrelas com seus olhos noturnos
(outros orientavam-se no escuro com as estrelas que ela chorava, mas ela não se apercebia disso...)
falava sozinha imaginando seu amor abandonado ao sofá da sala, num comuníssimo domingo, lendo o jornal, a ouvi-la tagarelar e a rir-se dela; e compartilhava com este ser imaginário seus cotidianos dramas e alegrias, suas modestas aspirações e inspirações...
antes de dormir, tocava-se com lânguida sensualidade e despia-se num jogo erótico ilusório, sonhando o amante materializado em sua cama, viril mas delicado, a observá-la com paixão: mágica do amor romântico e da imaginação concupiscente...
a moça estava faminta de um corpo
a moça estava sedenta de uma alma
e foi assim que se deixou levar pelas metáforas de um jovem poeta – um poetaço, por quem se apaixonara, perdidamente, sem esperar ou querer, e esperou e quis e quis e esperou e esperou e quis, tudo baldadamente...
sóis e luas vieram e se foram
esperanças cresceram e minguaram
sazões dormiram e acordaram
e nada!
iludiu-se com os mal-entendidos da linguagem
iludiu-se com as miragens dos devaneios
iludiu-se com os calafrios dos desejos
até que, enfim, ela decidiu-se por não esperar mais a pessoa certa e se fez pessoa certa para alguém, e adorou fazer alguém feliz, e foi feliz também
às vezes, as coisas fazem mais sentido quando você desiste delas...
**
cortaram as árvores de dar sombra
sombras de dormir muito e gostosamente
e sonhar sonhos doces e frutíferos
cortaram as árvores de papear debaixo da copa
e filosofar axiomas, paradoxos, sofismas, quando a turma pensando pensa que é esperta só porque pensa, enquanto adora Baco e fala alto e se confunde
cortaram as árvores de marcar no tronco o nome da namorada: a real, a imaginada
cortaram as árvores de ouvir passarinho e fazer serenata
cortaram as árvores...
por outro lado, agora vejo melhor a vastidão do céu: céu de imaginar-se alado, céu de mergulhar nas nuvens, céu de sonhar com as estrelas, com outros mundos e o Paraíso, céu de Deus, de deuses e titãs, e também céu de me situar no mundo: somos tão pequenininhos...
a luz irradia-se mais livremente, o calor propaga-se, e restaura-se a saúde do sistema corpo-mente-espírito: remédio gratuito e efetivo
a luz do sol me acalma entrando no meu quarto
e o calor faz a gente se sentir mais vivo
perdi as árvores, mas me dourou o sol
perdi as árvores, mas me ampliou o céu
perdi as árvores, mas me curou a luz
muitas vezes, quando a gente perde é quando a gente mais ganha
MEDITABUNDO
Antes, quando o Homem era potência
Secreto devaneio do esfíngico autor
Do espaço/tempo, do ousado criador
Da matéria, da entropia, da consciência...
Antes, quando o Homem não sonhava
Quando a idéia da idéia tremeluzia
E a obra do braço humano adormecia
Déspota solitário, Ele imperava...
Antes, quando era silêncio a palavra
Quando nada fabricava a humana lavra
Ele, a absoluta razão do universo
Toda a explicação: verso, anverso...
Agora, o Homem, invertendo tudo
Faz Deus, meditabundo, ficar mudo
APOCALIPSE
Depois, o silêncio reinou outra vez
Depois das paixões, o esquecimento
Depois da razão, a frigidez
De um universo triste, sem argumento
Depois da dúvida hamletiana
Que confrangia o homem
E da sentença descartiana
Apenas sono, apenas ontem
Só, Ele revê a tudo, sem saudade
O quanto fizera, apaixonadamente
Sonhando a filosofia, a arte, a ciência
Mas, num lapso, criara a iniquidade
Consumindo tudo, obstinadamente
E quis pôr fim à Sua imprevidência...
PAIXÃO!
Louco, marchava sobre os abismos da paixão!
Ah, imortais ardentes madrugadas de outrora
Quando o tempo só marcava a mesma hora
E, chamejantes, acendíamos a própria escuridão...
Possuía-te com afagos, e com sevícias!
Amava-te com desprezo, e com esmero!
Lançava-te às chamas, como um Nero
Àquelas das bacânticas delícias...
Afligi-me ainda este desejo incontrastável
E ainda morro de sede ao ver-te, meu Kalahari
Rendido, a teus liames me ataste, vil Mata-Hari
Refém de uma paixão inconfessável...
Quanta aflição germina e grassa no meu peito!
Se mais te desejo, é tua falta que hei-de aspirar
Meu amor é só desespero, diz querendo calar
Quer nunca mais te ver, e ver-te nua no leito...
ESFINGE - II
Gente vulgar, meu ser pacifica-se no caos
Num tropel de emoções, num viajar-se em naus
Imortais, rumo ao fim e ao limiar de tudo
Sorvendo a existência num divagar mudo
Nasço, morro, renasço... Vivo em outra esfera
Sou lírio e sou hera, todo o amálgama que contém
Nossa natureza, e hoje sei que o conforto da certeza
Não engendra o traço original que tem a beleza
Minha humanidade quer expandir-se ao infinito
Na dubiedade das horas, ser o silêncio e o grito
É fogo que arde e na própria chama se extingue
É a loucura do algoz que ao próprio corpo cinde
Mentes timoratas prenunciam: perderás a alma!
Vendi-a ao nascer. Noite, tu és quem me acalma!
Nos abismos sem luz, sonho o inconsciente coletivo
E só e em silêncio é que me sinto vivo
A vida é um sonho com reflexos de realidade
É ir esgotando o círio de uma fugaz identidade
Mas, cientes de que adiante, outra vez, acordaremos
E maiores, mais puros, mais livres, prosseguiremos...
ESFINGE - I
Coração há que olvide tua beleza?
De rosa a desvirginar a primavera
De sol a inaugurar uma outra era
De novos sonhos e mais delicadeza
E alma há indiferente à tua tristeza?
Que confere ao teu olhar larga gravidade,
Como se lá houvesse sorumbática cidade
Onde reinasse noctívaga princesa
Teu olhar horrendo, de outra Medusa
Vai refazendo os corações humanos em pedra
E em tua plástica beleza só o malefício medra
Volúpia estéril, cristalizada na recusa
E teus gestos, que engendram sombras delirantes
Ora parecem pesadas: as memórias doídas?
Ora parecem abatidas: as paixões perdidas?
Malditas sombras, que te arrastam a vãos distantes
Bebe, triste e bela infanta de longínqua esfera
Um gole do Letes, sim, o esquecimento...
Antes que morras do tétrico sofrimento
Bebe um gole! Foge do mal que te lacera!
PARA SEMPRE NA MEMÓRIA DO TEMPO...
Para sempre na memória do tempo ficará escrito
Esse amor: sublime paixão de juventude
Que aguardou por teu gesto, mas tua atitude,
Soberba, indiferente, fê-lo ser proscrito...
Foste para onde não mais posso tocar-te ou ver-te:
Plaga distante, pátria de gênios, de bravos, de belas
Nesse altar, onde te adoro, só, rodeado de velas,
Tudo são ilusões de beijar-te e envolver-te...
Distante, embora estejas, ainda te sinto perto:
Sem te olhar te vejo, sem dizeres te escuto,
Se digo teu nome, choro desfeito em luto
Nessa paixão inútil que é viver deserto...
Incauto e otimista fui! Ah, fiquei sonhando o céu:
O paraíso recôndito que floresce em teu olhar,
Onde tudo esqueceria de simplesmente amar
Teu corpo palpitante sobre mim, lácteo véu...
Agridoce miragem no ermo da minha solidão!
Pudesse repousar o fio dos meus pensamentos
Outra vez em teu colo, encher-me de alentos
Perto de quem seria sereno e imortal guardião...
ROSA DO MAINZ
Verão imortal, de ardente temperatura
És sol a pino, e também o mar e suave brisa...
Tua paisagem minha memória escraviza
E lança a rede do amor que a captura
Teu corpo – Deus, teu corpo, um cataclismo
Derribando os alicerces da minha razão
Indefeso, caio infinitamente em tua mão
Nutrindo este amor que obsessivamente cismo
Como te amo, minha princesa germânica!
Mais que o sol ama o azul no qual flutua
Mais que a estrela ama o infinito em que atua
Amo tua singela beleza, balsâmica
Rosa do Mainz, pudesse regar-te a formosura
Com o orvalho do meu amor primaveril
Intemerato, sincero, glorioso, febril
Em ti encontrar o elixir da minha cura...
LUZ
Irrefreavelmente vem galgando os espaços
Semeando a verdade, com seus lavradores braços
Nada se lhe subtrairá, porque é força onividente
Revelando e traduzindo o que se inferia ausente
Com fulgurantes poderes e infalíveis laços
Captura, com suave brandura, o negror dos cansaços
De tudo que é vivo, restaurando sua força imanente
Enquanto desvela a miríade de formas à gente
Vem curar-nos da fúria fratricida do aço
Ensinando a bem-aventurança e fortalecendo o abraço
Apaziguando o coração tumultuado de ódios ingentes
Propondo um porvir em comum e conciliações urgentes
Com ligeireza avança, de pezinhos descalços
Diafanamente, despida das sombras, nos ignotos terraços
Das vastas amplidões que nos habitam a mente
E nos secretos jardins da casa do Onisciente
PRECE
O homem, refém de uma lógica consumista
Desfere golpes matricidas contra a Terra
Persegue excessos megalomaníacos e erra
Ao eleger o iníquo paradigma capitalista
Violentada, a natureza adoece, sangra, berra
Contra esse modus vivendi pródigo, materialista
(que nos tem degenerado em cegueira a vista)
De destrutiva avidez, que nos sevicia e aferra
Vamos juntos, em silêncio, dar-nos as mãos
E redescobrir o sagrado elo que nos irmana
Homem e Terra. Vencer a doença, viver sãos
Para estarmos aqui como um só, como irmãos
Esquecidos de que um dia levamos esta vida insana
Baseada na força bruta, na força do ouro e da grana
NIILISMO
Nazareno redivivo, arquétipo da virtude
Fúlgida fortaleza do amor, da compaixão
Abraço conciliador, o perdão, a beatitude
Mas é alerta que ouço à sua pregação...
A pureza em divinal talhe, inabalável
Convertendo em abundância a escassez humana
Iluminada, é santa, sublime, imaculável
Mas seu condoído olhar já não me engana...
Certa vez, defrontei-me com a decantada verdade
Mas era uma profusão de mentiras a transviar o covarde
Com a miragem tragicômica dos ideais absolutos...
Deus? Mas somos falsos profetas consagrados ao vício!
Paz, justiça? Não é nossa miséria moral que faz este hospício?
A Revelação é que estamos sós e somos corruptos!
O ESFORÇO É O SAGRADO RITO
DA MINHA RELIGIÃO...
O esforço é o sagrado rito da minha religião
Quando se me revelam a divindade e a virtude
Sereno santuário em que revigoro a convicção
De dirimir a sede na taça da plenitude
O esforço é o campo onde semeio a vida
Para vê-la brotar numa flor transcendente
Ser-me-á leve grilhão a árdua lida
Se somar um pouco mais ao existente
O esforço é minha inspiração; mítica nau
Deslizando à fonte da minha esperança
Para que a imperfeição se redescubra cabal
E do Pai eu seja imagem e semelhança
Seja o esforço toda a ciência que conheça
Minha matemática, jurisprudência, filosofia
Com suas mãos alcançarei o que mereça
Tendo realizado a maior e a mais cara utopia
O esforço é clamor divino por superação
É desejo viril de superação da natureza
Vontade de re-fundar o mundo pela ação
E negando tudo, inventar outra certeza
O emprego da força física, corpórea e mental
É a gênese do progresso, motor da história
Ato que transforma em realidade o remoto ideal
E nos estimula com os ósculos da vitória
SERVIDÃO!
Existo?
Existo conscientemente?
Sou verdadeiramente consequência da minha vontade?
Ou sou a sombra, o reflexo de uma outra coisa?
Ou sou a vontade de uma outra coisa?
Sinto que algo perpassa minha existência, existindo em mim, sem ser eu mesmo
Este algo alimenta-se de mim, como um parasita
Este algo me tem, mas eu não o tenho, nem sei sobre ele
E se este algo me deixa acreditar que existo, que tenho consciência, isto é, que faço escolhas, que quero isto, não quero aquilo, que amo este e odeio aquele, que concordo com isto e discordo daquilo, que sou filosoficamente livre?
Que algo seria este?
Escrevo esta reflexão porque quero?
Fui eu quem decidiu fazê-lo, realmente? Ou miríade de fatores misturam-se para que, enfim, eu sentisse esta reflexão, eu pensasse esta reflexão, eu fizesse esta reflexão?
Mas sou eu mesmo o seu autor?
Escrevo, leio, vivo, amo, mato, morro, porque quero, ou querem por mim, porque decido, ou decidem por mim? Mas quem quer por mim, quem decide por mim?
O que quer de mim, tal demônio?
Talvez eu seja uma simples fachada, veú encobrindo o verdadeiro espetáculo, onde tudo se dá, onde todas as decisões são efetivamente tomadas...
A abscôndita realidade do mundo...
A abscôndita verdade dos fatos...
E se a verdade estiver para além de mim mesmo, da máscara do meu rosto, da capa perecível do meu corpo, e se estiver mesmo além das elucubrações da minha mente, que se julgava livre e autônoma para pensar e refletir, mas que, na verdade, não é?
Há algo de errado...
O quê?
Aonde?
Uma fissura no bloco monolítico da Grande Mentira (a Vida), da Grande Ilusão (a Consciência), deixa escapar a verdade última das coisas, terrível verdade:
há sérias dúvidas sobre sermos livres, autônomos, auto-determinados
Minhas escolhas refletem o livre-arbítrio da minha ética pessoal?
E se as minhas escolhas, todas elas, todas elas, apenas refletirem a bioquímica cerebral, e nunca meus cálculos racionais, meus sentimentos mais profundos, que são meus desejos e minhas aspirações?
E se eu não sentir o que sinto?
E se eu não pensar o que penso?
E se eu não existir autonomamente?
E se não sentirmos o que sentimos?
E se não pensarmos o que pensamos?
E se não existirmos autonomamente?
E se o livre-arbítrio for a mais cara ilusão do Homem?
O Homem, que já se achou o centro do universo...
O Homem, que já se pensou filho dileto de um Deus criador do universo...
O Homem, que já se acreditou livre e auto-determinado, senhor de si...
Quão tolo pode ser o Homem...
Assim, a liberdade não é mais que um sofisma
Em nossa essência há um escravo resignado com sua condição vegetativa e que inventa belas histórias para si mesmo na tentativa desesperada de tornar sua obscura existência menos sombria e miserável...
Mas a verdade é que um totalitarismo invisível nos governa a todos
e semeia em nossas mentes a falaciosa idéia de que somos livres
Mas não somos!
O que sou?
Animal-máquina sem alma, passível de programação e condicionamento, escravizado por laços que eu próprio desconheço, mero fantoche, autômato, títere, sempre a consequência e nunca a causa?
Mas consequência de que causa?
A química cerebral?
As atividades neurônicas?
O intercâmbio entre sinapses nervosas?
Agora, façamos um exercício lógico: se não decidi, autônoma e conscientemente, ser o que sou, quem eu sou, é razoável pensar que ser mudarmos tal ou qual variável (que obviamente não conheço, muito menos controlo) eu seria outro totalmente diverso de mim mesmo, poderia ser tudo o que não sou, sentir tudo o que não sinto, pensar tudo o que não penso, se apenas mudassem estas tais e quais variáveis... O CAOS! Mudanças infinitesimais gerando complexidades crescentes, até outros Big-Bangs...
Se eu poderia ser outro qualquer, e outro qualquer poderia ser o que sou, eu não sou eu, nem este outro qualquer é ele
Concluindo
Tudo que existe é arbítrio, condicionamento, escravidão
Assim, meus enganados, iludidos, traídos leitores, nada escolhemos
Somos uma completa fraude; cada um e todos nós
O que somos é pura química, pura biologia, animais sem alma e sem vontade própria
Não existe escolha. Só destino
Não existe escolha. SÓ SERVIDÃO!
EXTINÇÃO II
Biologicamente, somos coveiros
Da própria linhagem. Deter-nos-á
Justamente a inteligência, ao despertar
Nossa super-raça imanente de guerreiros,
Que do espelho transporá a margem.
Desfeito o grilhão, arrebatar-nos-á o trono;
Então, sucumbiremos no inescrutável sono
Da extinção: derradeira humana viagem
E tatuagem apenas no corpo da história,
Que se desvanecerá, outrossim, como tudo
Que é grito selvagem a matéria, mas surdo
E a frigidez inorgânica seu zênite e glória!
(É um Cavalo de Tróia o conhecimento
Grávido da morte e do esquecimento...)
EXTINÇÃO I
O desejo humano de se sobrepor à natureza
Revigora-se com o beijo ambíguo da tecnologia:
Divindade pós-moderna, de obscura teologia
Cujo evangelho professa temerária certeza...
Porque traz como potência corte evolucionário
Semeando os futuros possíveis com rupturas
Abrindo feridas que não mais terão suturas
Apagando o verbete Humano do universal dicionário...
Subliminarmente, nossa inteligência visa a auto-extinção
Na iminência de ascenção de um novo paradigma genético
Alheio às noções do Bem e do Mal, imortal, cibernético...
Antifilosófica, antiestética, amoral, outra civilização
Surgirá. Patifaria humana, a religião também ruirá
Tudo que é sólido, disseram, se desmancha no ar...
RETORNO
Da abscôndita noite oceânica a vida veio
Grávida do propósito evolutivo: a consciência
Que é benção e castigo, liberdade e penitência
A verter o acre-doce leite do seu seio...
O desígnio do nosso universo é a civilização humana
Ainda que a golpeemos com a pesada mão fratricida
Mas haverá a hora de evitarmos o caminho suicida
E à refulgente vereda seguirmos, que irmana...
Na intuitiva antevisão do porvir, somos completos
Nossos corpos e mentes transbordam, repletos
Auge primaveril da evolução, reflexo do perfeito...
Não obstante a glória (desejo ardente, a divindade
Nem por isso existe: é horror do escuro, é vaidade)
À noite tornamos: íntimo e sepulcral leito...
A HORA DO LOBO
Vício, há tempo nos dedicamos ao ilícito hediondo
E nos precipícios noturnos saltamos, alienados
Sucumbindo em opiáceos delírios, paralisados
Mil horrores cortinas de sombras nos impondo...
Morte, sei que me cobiça tua mórbida luxúria
Que maquinas com o Tempo, velhaco libertino
Meu fim – que qualquer um é teu desde menino
Mas, como Sísifo, hei de enganar-te a fúria...
E os gentis amigos Mal-Estar, Necessidade, Desespero
Arautos do ocaso, acolhem-me em recanto hospitaleiro
- amizades verdadeiras e luminares esperanças de futuro...
Ah, o completo desperdício de sonhos, ideias, ideais...
Entre brutos, ser bruto! Sobrevenham disposições infernais
Lobo uivando à selva humana, e sedento: eu auguro!
O GRANDE IRMÃO NEGRO
EM SUA SOBERBA ARROGANTE ...
O grande irmão negro em sua soberba arrogante!
É a sua civilização: excessos luxuriosos, imorais...
Onde tiranamente legisla, segundo lógica infante
Que assola a Terra com a ilusão de sempre querer mais...
Enquanto a diáfana irmã escasseia; ela, a geratriz da vida!
Poluem suas fontes com industriais resíduos radioativos
E todos os dias a morte salta das sombras e nos convida
A aceitar severa aridez como a sina dos seres vivos...
Essa engrenagem voraz, o capitalismo hodierno
Não se sabe bem: representação do céu ou do inferno?
Onde o exagero burlesco é evidente sintoma de falta...
Na insustentavelmente atroz e insidiosa guerra pelo lucro
A extinção de toda riqueza natural aí tem seu fulcro;
mas a consciência crítica germinará na mente incauta!
URGE
Urge regar a luz
para que desabroche em áureos dias
que trarão amplos céus azuis
e outras divinais alegrias
Urge cultivar a esperança
para que se realize num vasto pomar
com frutos até onde a vista alcança:
paz, amor, sonhos, lar
Urge deter do medo
o discurso receoso e infame
ferozmente, pôr em riste o dedo
na cara da senil e fatal Madame
Em uníssono, urge afiar o grito
dilacerando o cinismo dos abastados
fazendo do contestar um novo rito
que nos faça lembrar dos deserdados
Urge com fúria levantar o braço
como se avisando: haverá guerra
e propagar o retinir do aço
para depurar dos maus a Terra
Urge da dúvida escarnecer
acovardar-se só intimamente
e deixar irremovível certeza romper
os limites, esgarçando-os tenazmente
Urge ouvir cantar a manhã
sobre o silêncio que gera a noite
libertando os filhos do amanhã
da vil miséria, do vil açoite
DESENCANTO
Sonhos a perder de vista... Ilusões já perdidas!
As máscaras da vida, desfeitas, uma a uma...
E seu rosto é informe, sem esperança alguma
Tais as tragédias que nele podem ser lidas
Tanto sonhei com a paz perpétua e o bem
Que éramos capazes de expelir o ódio do peito
E a vaidade – afago do demônio, sem atrativo e efeito
Esvairia ante uma filosofia que nos conduzisse além...
Ah, os dias de ventura, de primaveris pensamentos
Que se revelavam em nobres ações de fé e coragem
Mas o inverno irrompeu, vindo com ele a voragem
Dum fatal desencanto: somos feitos dos vis elementos!
A triste verdada... não liberta, nem é bela ou boa
Espelho refletindo o cruel inimigo: a gente próprio
Como ir superando o vício se nosso sangue é o ópio
Que nos embriaga, macula, transvia, atordoa?!
DUAS ESTÓRIAS DE AMOR INDELÉVEL
Qualquer instante guarda a eternidade em si
Porque nele sussurram as vozes das infinitas coisas existentes
Decorrentes de outras infinitas coisas já extintas (na verdade, não extintas, mas que se transformaram, apenas)
E fonte das outras coisas que haverão de existir ainda, numa interminável, irrefreável e inter-relacionada cadeia de causa e efeito, que se retro-alimenta, a maior de todas as belezas físicas
Todo instante marca indelevelmente a memória do tempo, o corpo do espaço, que são o verdadeiro Deus a venerar
Um dia saberemos acessá-los: tempo, espaço, Deus, e todas as verdades, enfim, nos serão reveladas, dentre as quais, o Absoluto, que, ou se redescobrirá relativo ou nós nos redescobriremos absolutos
A eternidade, portanto, são infinitas ondas de eternidades que se complementam, ondas passageiras e evanescentes, como o instante, que é eterno e infinito, porque encerra tudo: todo o antes, todo o depois
Que amantes apaixonados a eternidade e o instante!
*
O pensamento é infinito
E quanto mais o pensamento percorre os labirintos cerebrais, mais e mais alarga todas as fronteiras, inventando outros universos; igual à luz, quando se espalha, revelando tesouros de cores e formas
Mas é só fátuo lampejo o pensamento quando o pomos em modelos, vulgares arquiteturas de números e palavras, porque o pensamento só é infinito na mente, porque esta é infinita, integrada à pura energia universal, e dela à linguagem quase tudo se perde, irremediavelmente, ou torna-se sofisma ou poesia medíocre
Quanto maior é o pensamento mais ele
Repousa nos olhos
Silencia nos lábios
Arde no peito dos que o concebem (e, reciprocamente, são concebidos por ele)
O maior pensamento, o pensamento infinito não pode ser traduzido porque é um tipo de “sentimento”, só podendo ser (com)partilhado entre almas, espíritos
Que amantes apaixonados espírito, mente e pensamento!
POEMATRIZ - II
(ou PROGRESSÃO)
Minha mente é um software contaminado
Minha mente é um software contaminadp
Minha mente é um software contaminaep
Minha mente é um software contaminbep
Minha mente é um software contamiobep
Minha mente é um software contamjobep
Minha mente é um software contanjobep
Minha mente é um software contbnjobep
Minha mente é um software cooubnjobep
Minha mente é um software cpoubnjobep
Minha mente é um software dpoubnjobep
Minha mente é um softwarf dpoubnjobep
Minha mente é um softwasf dpoubnjobep
Minha mente é um softwbsf dpoubnjobep
Minha mente é um softybsf dpoubnjobep
Minha mente é um sofuybsf dpoubnjobep
Minha mente é um soguybsf dpoubnjobep
Minha mente é um spguybsf dpoubnjobep
Minha mente é um tpguybsf dpoubnjobep
Minha mente é un tpguybsf dpoubnjobep
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Minha mente f vn tpguybsf dpoubnjobep
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Minha nfouf f vn tpguybsf dpoubnjobep
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Minib nfouf f vn tpguybsf dpoubnjobep
Mioib nfouf f vn tpguybsf dpoubnjobep
Mjoib nfouf f vn tpguybsf dpoubnjobep
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POEMATRIZ - I
O SENTIDO POSSÍVEL É AQUELE...
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...QUE EMPRESTAMOS À VIDA COTIDIANAMENTE
MEDITAÇÕES NOTURNAS
sou uma fração de segundo do tempo da humanidade
que é uma fração de segundo do tempo da vida
que é um pedaço do tempo da Terra
que é um pedaço do tempo do universo
que veio de uma coisa que não tem nome
embora muitos o chamem medrosamente de big-bang
mas que prefiro chamar de Mistério
sou nada face à história, face à natureza, face à vida: tudo existiu e existirá sem mim
mas sou tudo, pois vivo e tenho minha estória e minhas interpretações da história e possuo um universo maior que o universo ardendo nas entranhas (explodindo infinita e recorrentemente) e sem mim não saberia da vida, da natureza, da história, nem do universo
sem mim ignoraria tudo
sem mim estaria desabrigado, seria nada
mas comigo eu sou
comigo eu sou
eu sou
deus é nada
e deus é tudo
para os que acreditam e os que não acreditam nele
e todas as verdades são nada e são tudo – embora a verdade seja uma idéia volúvel vagando na mente de cada homem...
o tempo é um instituto que dá sentido à vida, mas existi?
o amor, a paz, as idéias e os ideais, a própria civilização, são o quê? ilusões dos sentidos, vibrações de partículas subatômicas na caótica dança do universo (alguns dirão que é ordenada, e não caótica a dança do universo; mas não se engane: o universo é um péssimo bailarino)
pequenas mentiras dão um feitio racional à vida, são imprescindíveis
pequenas mentiras repetidas tornam-se verdades absolutas, sobretudo aquelas que nos agradam, e nos ajudam a suportar a vida, e a carregar a cruz de viver – demasiadamente pesada para alguns, e tornam a vida precisa e certa, embora estejam erradas, porque a vida é mesmo imprecisa, incerta; a vida é mesmo suja e louca, e não me venha dizer o contrário
haverá sempre a natureza?
(outras naturezas artificiais ainda serão inventadas em nosso porvir cibernético?)
haverá sempre mulheres prenhes e corações idealistas?
mas todas estas coisas existem agora e é isso que importa
porque o tempo importa no exato instante que passa, e só tem importância porque passa
a vida só tem valor porque acaba
o amor só tem valor porque acaba
o amor grande, o amor infinito, é o que é fugaz
o que deixará de ser só deixará de ser porque foi
o que será nada já foi tudo (e quiçá volte a sê-lo, ainda que diferentemente, posto que tudo é energia, que é imortal)
o que gemeu e amou e lutou e bradou só calará porque bradou e lutou e amou e gemeu
mas o silêncio também é parte essencial da música
mas o silêncio também é parte essencial da música
e ser cônscio desse tudo (ou desse nada)
apazigua minha alma e me basta!
NO REDEMOINHO DA MEMÓRIA TUDO DESVANECE...
No redemoinho da memória tudo desvanece
Recordações ficam senis, moribundas
Sufocando em meio a escuridões profundas
Entre os abismos que o passar do tempo tece
Porque nas retinas o mundo descolore e evapora
E são fugazes delírios imagéticos o momento
O poeta vai cerzindo versos cheios de lamento
Sobre o insustentável desejo que nos devora
Desejo de reter o sabor que se dissolve
Ou degustar nova sensação, vária experiência
Sucedendo as que decaíram na consciência:
Recorrente drama que a gente não resolve!
Nessa busca impossível, delirante, inútil
- cão mordendo o rabo, esfaimado e louco
Quanto mais tem, almeja mais um pouco
E aferra-se à ilusão e cobiça o fútil!
LEÃO!
Agita-se em tua alma viva intuição
Pensas com lucidez, ages com presteza
Superar desafios para ti é uma certeza
Forjado que foste com o ímpeto da ação
A férrea vontade é a tua fortaleza
Incontrastáveis tua fé e obstinação
Que atiçam teu voraz apetite de leão:
Num gesto açambarcas toda a natureza!
Enfrentas e pões ao chão o obstáculo
- quem crê não cansa ou se engana
E faz da vida um multifário espetáculo
O livre-arbítrio da condição humana
É teu evangelho, que ensina a fé inabalável:
Sim, todo sonho é possível e realizável!
ENCONTRO
hoje é dia de morrer!
m o r r e r! m o r r e r! m o r r e r!
o irremediável, inapelável dia da nossa morte
(não será maldito também o dia do nosso aniversário: o dia em que nascemos para a morte, a nossa própria, a dos nossos, e a de todas as ideias e ideais em que, talvez tola ou hipocritamente, acreditamos?)
todo santo dia, dia de morrer: esvair-se, sufocar-se, desmembrar-se, extinguir-se, ser inescapavelmente desfeito em nada, em noite, em silêncio, em cinzas, poeira estelar...
ó como dói a consciência, meu deus, ante a inexorabilidade do fato, tragicomicamente o único que é indubitável na vida...
no entanto, morrer é realmente necessário! é realmente preciso morrer! repito: é realmente preciso morrer! viver não é preciso
a morte é sempre uma revolução: a chance de que tudo continue, diferentemente
que tudo morra, então!
que morramos todos (e que vá na frente os piores de nós...)
nada é realmente fundamental que não mereça a morte;
a morte, ela sim, fundamental, gloriosa, soberba!
você merece morrer, eu mereço morrer, a civilização humana, deus, e as demais quinquilharias que criamos para nos entreter, porque só a energia deve permanecer (apenas a energia é perenal, de uma constância inconsciente)
todo momento é o derradeiro para alguém: eu? você? nós dois?
você acorda feliz, sai esperançoso, cheio de paixão, dobra a esquina a sorrir, está com a mente transbordando sonhos e desejos, e eis que se depara com a morte, com a pálida face da morte, com o bafo quente da morte, com a mão pesada da morte, que ficou ali se fingindo de morta, todo esse tempo, a esperar justo você, que se achava merecedor de tantas coisas sublimes... e que não era!
mas morrer nada tem a ver com justiça, humana ou divina; tem a ver com... morrer!! Afinal, tudo que é vivo, perece, e merece tal sorte, porquanto para que tudo possa evoluir, tudo deve extinguir-se
todo dia é o dia perfeito para encontrar-se com a morte, tomar um chá com a morte, comer bolachas com a morte, papear futilidades com a morte...
com quem será o encontro hoje?
A MARIANE, DEUSA DA LIBERDADE
(inspirado na tela “A Liberdade conduzindo o povo”, de Eugene Delacroix)
Contra variados óbices inimigos, Mariane avança
Intimorata, desponta onde a peleja é fremente
Mas não há ferro que fira, voragem que enfrente
Seu olhar resoluto, seu braço cheio de pujança
Pressente que o perigo lhe espreita, e passa rente
Pois se esquiva do golpe, ágil, vívida de esperança
É a mais sublime sua missão; sabe e não descansa
É o último baluarte quanto tudo parece ser poente
Ostentando o lábaro, quando o risco é iminente!
(Quer ser o exemplo: valiosa e inolvidável herança)
Empunhando inoxidável lança, por amor à gente!
(...)
Depois, volve aos Céus, com a pureza de uma criança
Emergindo ao olhar a ternura que o coração sente
Semeando a paz com estes olhos que a tudo alcança
OCORRE A MUITOS ALIMENTAR...
Ocorre a muitos alimentar
Doridos rancores que os consomem
O que a tal liturgia s'entregar
Nunca se lhe resgatará o Homem:
Sanguinolenta fera subterrânea
Brandindo seu ódio como se fosse aço
Pregando uma guerra extemporânea
Até que a trôpega civilização perca o passo
Muitos acabam por concordar
Com os falsos profetas que nos dividem
E com perfídias infectam o ar
No olhar imprimem a vertigem:
Almas aviltadas, na mendicância
Da divindade imanente apartadas
No noctífero templo da ignorância
Louvando ao engano, com suas fés compradas
Muitos se ocupam de perpetrar
Nefastos crimes contra o mundo
Fratricidas, sedentos de sangrar
A inocência com golpear furibundo:
Escravos da cobiça e da rapina
Com uma fome de ouro insaciável
Que mitigam com a ânsia assassina
De acumular tesouro inumerável
Muitos se ocupam de investir
O desprezo que nutrem contra as gentes;
Com seus capitães tramam impedir
Das multidões as reações urgentes:
Plutocracia célere ao decretar
A ambiguidade da condição humana
Mas, irmanados haveremos de provar
Que tal sofisma já não engana!
NOVA ROMA (Democracia a la EUA)
A nova Roma avança sobre o mundo
Espalhando o veneno da sua moral falaciosa:
Condena a guerra, mas faz uma guerra odiosa
Catequizando para um deus iracundo...
A nova Roma avança sobre a liberdade
Sob o falso argumento de defendê-la:
Torturam a verdade, até invertê-la
Para que seus crimes tenham a feição de santidade...
Nas horas, entanto, o tempo elabora a mudança
Muda o curso das eras, como o do vento
Nada detém uma idéia quando avança:
A de que nada impedirá o nosso intento
Haveremos de alcançar o que buscamos,
Pois impérios se desfazem ao que sonhamos!
A UM GUERREIRO NA CRUZ
Devora-o a morte; o corpo grita-lhe, desfeito, machucado
O guerreiro à cruz abandona-se. “Pai, que sorte maldita...”
Chora; o perdão e o silêncio suplica; olvidar a desdita:
A memória do sangue, o gládio, e seu coração torturado...
E a multidão nem cogita que é também ela ali castigada
Não vê que a dor deste homem é igual a sua, cotidiana
E que levantou-se por ela, com fé, esperança e gana
Mas estranha a si mesma olha e não se vê justiçada...
O moribundo já ele pressente que ali morrem milhões
Legiões de soldados que marchariam, mas vão transigir
Que o medo em seus corações indolentes os fará desisitir...
Deserto e mudo morre nosso herói, distante das canções
D'aurora. Esquecido de que livre nasceu, sonhou, foi feliz
Até que a vida se lhe marcasse na carne como brutal cicatriz!
BELEZA!
A beleza, mistério profundo, tem uma face dividida:
Encantaria o mundo com perfeição magnífica, celestial;
É, no entanto, controvertido e contra-intuitivo seu ideal;
Aviva como sol, e mata como mal-curada ferida!
Nela acomodam-se as partes de uma contraditória unidade.
Uma idéia singela raiz de mil interpretações dissonantes:
A flama dos prazeres carnais nas ígneas bocas amantes
E os excessos burlescos sonhados por nossa fútil vaidade!
Belezar maior: a condição humana; ascenção e queda conjugadas
Nosso sonho de eternidade, que desvanece a olhos vistos;
A sublime glória e o atroz suplício de cotidianos Cristos!
E fatalmente belo é o desespero das utopias mutiladas...
Ecoam melodias inebriantes dos sentimentos mais nefastos:
A vingança, o ódio, o vício, os delírios de cotidianos Faustos!
POETA EMBRIAGADO
(letra de música)
acordes: D Bm G C F Bb Am
Preciso ser mais o profeta
O poeta embriagado
De vida e de morte (2x)
Óraculo da nossa sorte (2x)
Íntimo das procelas
Das celas atrozes
Dos bichos ferozes (2x)
Anoitecendo, às vezes (2x)
Mas desfraldar novas bandeiras
Amanhecer das bebedeiras
Ser a ponte entre os mundos
Ser o grito dos mudos
Força do meu tempo (2x)
Preciso navegar esse rio feroz
Que responde por vida
E ser o verbo dessa gente sem voz
Mas que insiste em sua lida
Perseguir nossos nortes
Nossos sonhos ardentes
Ser o poeta do sol (2x)
Do nascente ao poente (2x)
Preciso ser mais o profeta
Poeta do profano e do divino
E inventar novos hinos (2x)
Bêbado delirante
Genuflexo diante
À enormidade das horas!
AMOR
(letra de música)
Vê-la bastou para eu cego não ver
As que coisas existentes no mundo?
Tal fora o amor encantamento profundo:
Suaves êxtases de anoitecer...
Era o tempo de se exaurir no calor
De colher a mulher, o fruto celeste
Em seu corpo ter a cura da peste
E a bacântica florescência do Amor...
Se ela falava, eu me entregava
Ao som da sua voz: melodia divina
Se ela calava, eu me afogava
Em seu casto pudor
E sem dizer falava à minha sina
Se ela dançava, eu me encantava
Com sua volúpia e pudor, de mulher e menina
Se ela deitava, ajoelhava
Agradecendo o amor
E sem saber ela mudava a minha sina
JESUS!
(poemeto musicado)
acordes: F7 E7 Am (primeiro e terceiro quartetos);
acordes: B7 Bb7 D#m7 (segundo e quarto quartetos)
Jesus há de me estender Seu braço
E me conduzir ao Seu templo de luz
Onde esquecerei o peso da cruz
Que me castigou passo a passo
Jesus, meu Salvador, estou aqui aos pés do Senhor
Jesus há de me curar o câncer do rancor
Com Suas infinitas glória e humildade
Que fundam a paz e o amor na humanidade
Antídotos ao desespero e à dor
Jesus, meu Salvador, estou aqui aos pés do Senhor
Jesus há de me salvar, novamente
Eu que blasfemei contra Ele impropérios
E corrompi-me aos mundanos impérios
Até meu coração rebentar doente...
Jesus, meu Salvador, estou aqui aos pés do Senhor
Porque descera dos Céus não para julgar
Mas redimir os pecadores das faltas
E lhes nutrir com as Verdades mais altas
Ofertando-lhes Seu coração como lar!
Jesus, meu Salvador, estou aqui aos pés do Senhor
NÍNIVE
(poema musicado)
acordes: A A4 F#m E D C#m B Am7 G
Tens o mistério de uma antiga cidade. Nele me perco
Porque teus olhares são como os becos de um labirinto
Onde se tento me encontrar só mais perdido me sinto
Ébrio de teu beijo, preso em tuas mãos, que é meu cerco
Serei conduzido à loucura em teu calor de estio
Tudo destruo e crio nas asas desse desejo onipotente
Mas se corres a abraçar o mundo, este de mim fica ausente
Tela sem traço e sem cor, lançado num imenso vazio
Eu quis um dia saber como era, morrer de amor
Pois são teus olhos, duas luas negras, que me matam
Mas teus lábios, sensuais, ardentes, me resgatam
Quero ser passarinho para espalhar o pólen da tua flor
Possuir-te inteira, e ser mais feliz, sobrepujando abrolhos
Mas só me queres não mais que escravo destes teus olhos
SONHO ROUBADO
(poema musicado)
acordes:
E B C#m
F C Dm
O céu a pequena mira
Que diverso lhe parece
Com medo, faz uma prece
E cai! Porque tudo gira
Estranhos pássaros de aço
Roubam-lhe o céu, qu'era azul
Também os viram lá em Cabul
Lançando estrelas no espaço:
Estrelas de aço, cadentes
Pobrezinha, tão triste e pouca
Mataram-lhe o pai, mamãe está louca...
Estrelas de aço, candentes
Uma lógica irracional seguindo
Ai, e o sonho da pequena é findo!
IMPÉRIO DOS SONHOS
(Poema musicado)
Quem é o estranho no espelho que ao meu rosto assume?
Fantasticamente, numa infernal amnésia, há dias me desconheço:
Minha mente exilada num corpo estrangeiro, no qual envelheço,
E se mais me persigno mais distante me acho do lume...
É de uma descomunal ausência de mim o mal que padeço
Como se este que sou cotidianamente tivesse outro aspecto
Mas num mercado de corpos tivesse comprado este infecto
E numa rejeição total da matéria, na idéia apenas me reconheço
É como se, ao mirar-me no reverso do espelho, me não pertencesse
E após contemplar-me, me fugisse o meu rosto e eu me esquecesse
Existindo em outro lugar, mas nunca naquele em que posto
E desfaço-me neste labirinto de ilusões que me é tragicamente imposto
Como se, pioneiramente, houvessem gravado minha mente noutro ser
Ou, sonhando-se livre, não mais desejasse um corpo a que pertencer!
Acordes: Gm (2x) D (2x) - Quartetos
F E A - última frase
Bm C#m Bm C#m - Tercetos
F E A - última frase
REINVENTAR-SE
(poema musicado)
acordes: Bm F#m E F#m;
G D C D
Caem as cortinas de uma era
Os paradigmas estão todos exauridos
E reinventar-se é a vontade mais sincera
Pro porvir não repetir os tempos idos
Fecham-se os portões desse museu
Que guardou tantos anos de dores e alegrias
De uma miríade de trajetos que sou eu:
Horas, desoras; acertos e arriscadas vias...
Vedam-se as câmaras desse mausoléu
Separando o que é vida e o que é morte
As estrelas de outrora não brilham mais no céu
Só as sementes do amanhã serão meu norte
É-me impossível permanecer cristalizado
Nesses grilhões de oníricas imagens de antanho
Sonho com as luzes da manhã viver casado
Sonho a vida ardente, e sem tamanho
Quero a vida na forma dos meus devaneios
Esgarçando limites, rompendo estruturas
Explodindo no âmago, e por todos os meios
De amplos espaços e portas sem fechaduras
Anseio pelo corpo da vida, já!
Sobre o meu deitado, ou justaposto
Para juntos nos encontrarmos lá
Onde se torna uno o composto!
PARADOXO IMPÕE-SE À MENTE ESCLARECIDA...
Paradoxo impõe-se à mente esclarecida:
Afligi-se, insatisfeita, porque mais almeja
A inépcia aceita entanto contra o que peleja
Cabal só o Mistério, que admira embevecida
Dá pela escassez dos meios que anseia
E que lhe embarga lida, estro, potência
Mas o que pode acalma-lhe a consciência
- um sopro leva a primavera e a semeia!
Percepção contraditória latente no pensador
Em sua busca irrefreável (gáudio e perdição):
Esforço ambicioso e humílimo louvor...
Castigo de Tântalo que assume em louvação:
Geômetra do Tempo-Espaço, bendigo a ânsia
E os óbices que me impões com tal constância!
LA PIETÀ
Castigado, a Verdade expirando no colo da Virtude
Ressurgirá, entanto: promessa aos corações fatigados
Ele, o santo caminho (a miséria não mais nos aturde)
Inexpugnável refúgio dos sofredores e desgarrados
Paz eterna: suas essências, a suave brisa da infinitude
Serenando inúteis fogueiras, paixões, ideais conspurcados
Reencontro inefável: mãe e filho na imortal quietude
Dos que engendrados na Luz foram à Luz consagrados
Sentimento inexcedível levando-nos à celestial altitude
Onde quedamos em êxtase com seus semblantes mitigados
Tão puros que nenhuma visão do mal jamais nos ilude
Maria, perpétuo e fúlgido dia de verões abençoados
Acalentando nosso intemerato sol; que Ele nos ajude
A plantar e colher virtudes, sonhar e viver irmanados
P E R F E I Ç Ã O
O afã por perfeição, o desejo pela idéia absoluta,
Fascina, intriga a razão, põe-na refém e mais culta.
Vai-nos envolvendo, feito teia, feito canto de sereia,
Se ingenuamente cremos na falácia que a permeia...
Busca atroz, colérica, inextinguível
Revelando-se quase sempre inexeqüível:
A diferença entre a potência e o ato
Entre o onipotente sonho e o fato...
Indômita idéia, fugidia, cigana,
Desdenhando da condição humana,
Repleta de uma natural lassidão...
Sopro divino acalentando o coração.
Esforço sem par sonhando a delicadeza.
Rosa de chumbo!! Hedionda beleza!!
M U L H E R
Encontrar no teu corpo o homem refém da criança
Com teus braços cultivar e colher a flor da esperança
No teu olhar viver a Paz e no gesto e no sorriso de menina
Que resgatam o transviado até e lhe transformam a sina
Penélope, Atena, Joana, Tereza, Maria
Infinitos o caos e a noite sem tua magia
Teu exemplo semeia virtudes e esparge luz
Na sombria face que ao Masculino seduz
No coração, relicário de emoções, guardas tudo
Até o rancor, que se revela em teu olhar doído e mudo
Mas é a compaixão, divina herança, tua fortaleza
Teu corpo é bálsamo, glória da natureza
A beleza universal resumida num só ponto
Ao qual tudo converge: inefável encontro
A GUERRA
a guerra paira no ar
com seu pútrido odor de
corpos cravejados pela insensatez humana
a guerra e nossos desejos assassinados
a guerra e nossas plenitudes esvaziadas
a guerra e nossas saudades não vividas
a guerra paira no ar
aqui, alhures
ontem, hoje
sempre??
a guerra:
flecha no peito do Tempo
cicatriz no corpo da História
constante da Civilização
idéia fixa do Humano??
a guerra:
periclitante espada sobre nossas consciências
sombra de apetite voraz...
nossa sombra??
como evitar seu abraço mortal se quando nos pomos em marcha ela mais velozmente viaja e aos nossos calcanhares se agarra e nos freia e nos lembra da contradição humana imanente: nossa fenda psíquica
“o homem não é senhor nem mesmo em sua própria casa”...
“Decifra-me ou devoro-te”
avisa a vetusta cantadeira...
a voz dela será a nossa??
somos a imagem refletida em seu espelho??
ah que bom seria o meio-dia, quando dormem as sombras
ah um sempiterno meio-dia...
SUBVERSÃO
A unidade da contradição
A superfície do abismo
A comicidade do terrorismo
E da privação
O método da divagação
O cânone do ateísmo
A saciedade do consumismo
E da especulação
O esforço da inspiração
A eficácia do vandalismo
A ascese do hedonismo
E da perversão
A dúvida da conclusão
E do fundamentalismo
O livre-arbítrio do fatalismo
E da alienação
O cálculo da compulsão
A tara do moralismo
A fé do comunismo
A face da multidão
HOUVE NOITES QUENTES COMO O DIA...
Houve noites quentes como o dia...
Amei tão mais que Romeu ousara
Ao possuir-te, flor que nunca se entregara
Que te fiz meu mundo, tudo o que via
E vivi no paroxismo da fantasia
Faminto de tua sensualíssima graça
A beber-te o sangue numa taça
A devorar-te a carne na orgia
Mas amar é render-se ao que nos mata
Tu te foste. Preso fiquei em teu encanto
E me afogo nas vagas do meu pranto
Desespero: a presença de uma falta!
No teu corpo plantei minha saudade
Cujo pomo é este amargor que me invade
A VIDA: SUCESSÃO DE ACASOS...
A vida: sucessão de acasos...
A vida: equilíbrios tênues...
A carga do elétron fosse uma diferente
A força gravitacional diferente fosse
E nada existiria:
Nada de História
De Civilização
De Cultura
Nada de gente
E suas gloríolas
E pantomimas
E patéticos dramas e ambições inúteis e contradições latentes...
Mudanças infinitesimais e só o nada existiria
Engano-me!
Tudo existiria ainda
Essas imensidões universais, escuras, silentes, frias, vazias
O que não existiria: a sofrida consciência de que existem tais coisas
Estas coisas que só existem nas consciências...
O C A P I T A L
O Capital avança sobre nosso código genético e nossas mentes
É a última fronteira. Sua finalidade é consagrar-se um deus, eterno
E catequizar com seu evangelho: dinheiro! Seu Céu, o nosso Inferno:
Alienação, fetichismo, tirania e outros pecados impenitentes
O Capital almeja nossa intimidade. Conhecer para conquistar
E explorar: corpos, almas, culpas, desejos, sentimentos, aspirações
Calará quem se lhe contrastar! Inculcará medos, impingirá aflições
E dividirá para que seus exércitos e os nossos jamais possam se conflagrar
O Capital e seus valores psicopáticos: egoísmo, força, cobiça, eficiência
Estamos loucos! Cegos de olhar sem ver, surdos ao clamor da igualdade
Consumidos por falsos ídolos e sofismas que destroem nossa identidade
O Capital e seu esboço pueril de felicidade: vaidade e concupiscência
Sequiosos de poder, dinheiro, sucesso – devoradores de sonhos,
Seguimos céleres ao abismo, à perdição e aos pesadelos medonhos
O VELHO
Cada velho, na forma de estrela, aos céus ascende
Quando passa. Palpita luz nas constelações infinitas
Seu coração, no vazio silente, ressoa verdades tão bonitas
E sua memória, na escuridão universal, é vela que se acende
Cada velho é um diamante pelas mãos do tempo lapidado
Cujos quilates são decênios de aprendizado e experiência
É uma biblioteca de livros raros, cheios de dor e sapiência
É sorriso e pranto, sonho e realidade, tudo amalgamado
Delirante, entre as temporais esferas, ele vigia
A chegada do sétimo dia, quando irá descansar
Tudo viveu, gerou, cuidou... Não, não temeria...
Já morreu tantas vezes (e renasceu o quanto queria)
A que virá, apenas passagem: mergulho num mar
Que a inefáveis plagas, tempos e sonhos o levará
É POSSÍVEL
Tantos heróis e heroínas anônimos
Sem máscaras, rostos limpos, límpidos
Poderes só de gente comum
Tecendo suas obras
Num silêncio humilde
Homens e mulheres consagrados
Às grandes esperanças coletivas:
Paz, amor ao próximo, justiça, compaixão, verdade, perdão
E às pequenas causas cotidianas:
Amar e cuidar dos seus, cuidar de tudo que é vivo, honrar a Deus, fazer o bem
Tantos Cristos anônimos
Cruz sobre as espaldas
Numa Via Dolorosa que poucos vêem ou fingem não ver
Ninguém lhes estende a mão quando caem
Mas eles se erguem sozinhos
Ungidos por Deus com fé inelutável e translúcida
Seus calvários em nobre silêncio suportam
E se choram, choram por que é de verdade e é justo
Choram para depurar o corpo e a mente de todo mal
Estes heróis e heroínas cotidianos, Cordeiros de Deus,
Paladinos da Humanidade, são o Sal da Terra
Esperança de outro porvir, cuja semente está lá plantada no coração de cada um: regue-a, convide-a a desenvolver-se
Enquanto estes homens e mulheres permanecerem alheios ao Mal que nos obsidia e confunde, intemeratos entre transviados, intimoratos entre cobardes, corações e almas plenos em meio ao esvaziamento do Espírito
Enquanto estes homens e mulheres estiverem espargindo primaveras em pleno outono, pincelando auroras quando a noite é alta, semeando virtudes em terrenos áridos, socorrendo mesmo o imigo, oferecendo sua face, seu lar, seu pão e vinho
Eu vou continuar sonhando
Sonhando que outro mundo é possível
R E V E L A Ç Ã O
A morte desceu de sua atmosfera fantástica
Lasciva, hedionda, fatal, ela já me escolhera
Trouxe-me visões infernais que no Hades colhera
Arrebatando-me sua lívida beleza cáustica
Fizemos amor, eu e seu corpo infinito
No findar-se de uma e alvorecer de outra era
Prenúncio de uma voraz e ignota esfera
Mas com dor e com medo lancei um grito
Que varou os espaços inauditos sem resposta
E a cruel revelação foi nesse silêncio exposta:
Um universo moral, sustentáculo da Salvação
Fora assim, sempre, nossa mais cara ilusão
E ali em meus olhos deixou-se plantar o esquecimento
Dormiu o fogo e o maniqueísmo de todo conhecimento
AMADA IMORTAL ou Anti-Poema de Amor
Amada imortal, em qual séptico e bárbaro leito
Te entregaste à magia do sexo, violenta e doce?
Que inculto varão acendeu a chama do teu peito
E te possuiu com primitiva rudeza, agridoce?
Outrora, tão reticente! Acorrentada ao pudor...
Agora é um macular os lençóis em abjetas orgias
Prostrando este teu pretendente, que maldisse o amor,
E louco fugiu para ver se a teu rosto esquecia...
Mas não pôde jamais! Do teu lascivo regaço, ó voraz gana!
Não posso esquecer-me de ti, ninfa impura e profana
De tuas maneiras lúbricas, de teus vícios delirantes
Vulgívaga sorvendo o bacântico sentido da vida!
Pago-te em ouro, mas me deita em tua cama bandida
E me dá o efêmero prazer das paixões fumegantes
AVESSO
Prisioneiro, libertava
Ausente, convivia
São, contemplava
O que outro olhar via
Crente, duvidava
Estéril, concebia
Alienado, asseverava
O quanto não sabia
Consagrado, pregava
Ira, infâmia e orgia
Imberbe, desfolhava
Asceta, consumia
Iluminado, inventava
A superação do dia
POLIMORFIA
Minha personalidade ciclotímica
Fixamente inconstante
Ousando vôo periclitante
Refém de insidiosa química
Minha personalidade grandiloqüente
Tudo diz quando cala
Ouve o que não se fala
E diz a verdade, mas mente
Minha personalidade Hollywoodiana
Dúbia personagem em cena
Nenhum roteiro a coordena
Teatralmente insana
Minha personalidade mitológica
Fênix, renascendo
Sendo, não sendo
Em sua meta-lógica
Minha personalidade cibernética
Tende a equilibrar-se no Caos
Corrigi-se auscultando os maus
É apostolicamente cética
Minha personalidade barroca
Quer ser os extremos do fio
Quer ser a castidade do cio
Repleta de tudo, mas oca
G E R M I N A L
Serei conseqüência e causa da minha vontade,
Para que, preso, possa libertar-me, num grito.
Contemporizem, ao que promovo o conflito,
Para, ao calar, ter já exaurido o que arde.
Retrato fiel da própria verdade, eu serei EU.
No silêncio da noite gesto-me, ávido do dia,
Nutrido com a fé da mais imortal utopia:
Fundar outra humanidade, como Prometeu.
E serei todos que queira, como num sonho
(onde as múltiplas faces na mesma face ponho)
Enquanto o adicto desta ordem séptica
Paralítico e abúlico, só debilidade
Forja o grilhão da própria liberdade
E degenera-se numa covardia céptica
DIALÉTICA DO AUTO-ESCLARECIMENTO
Debato-me
Numa dialética desvairada
Caminho a esmo para ver se caminhando
Meus pés me indicam a estrada
Que dará em mim mesmo
Quando enfim me tenha
Como morada
Abalo as estruturas do meu pensamento
Rego as antíteses, colho as contradições
E num turbilhão caótico de experimentos
Acho a Verdade em preces e orações
Que Deus é tudo
É mudo
Mas fala aos corações
Repercutem em mim vozes conflitantes
Sobre as grandes questões civilizatórias
Ah, saudades daquele juvenil estupor
Daquelas simplórias certezas de antes
Quando não ouvia o clamor
Dos esquecidos
Nem conhecia
Toda a falaciosa ideologia
Dos bem-nascidos
E meus sentimentos
Numa espiral malsã
Deserdados sem coração que os entenda
Exilados, sem ontem, hoje, amanhã
Contraponho-os, numa acareação ilusória
Donde extraio só mais confusão sensória
Com eles componho
Os infaustos poemas
Que a vida vai me ajudando a tecer
Sequioso pelo momento de alvorecer
D E S P E R T A R
Enfim, a manhã de uma vastíssima noite!
Lentamente, as mulheres se vão despertando
Seus olhos desvirginam-se diante do espetáculo da luz: formas mil, mil possibilidades
Os corações estão secos:
Ó sede!
As mentes estão ávidas:
Ó fome!
As almas sonham com a amplidão:
Ó calor!
Abrem os braços, sequiosas do mundo inteiro: é um convite à Existência, deusa-mãe, para compartilhar com elas os mistérios profundos da vida
São desejos vorazes, forças fluindo livremente, revoluções em marcha
Mas ainda não se levantam. Por que não se levantam?
Porque também há muita confusão e dúvida
São um turbilhão de sentimentos, emoções, razões e desrazões
São os séculos que pesam insuportavelmente sobre seus ombros. A carga dos velhos dilemas e dos paradigmas depauperados
Têm de vencer suas sombras, transpor seus abismos
Têm de matar a si mesmas, para nascer inteiramente outras
Em breve, ágeis e destemidas, correrão atravessando os espaços e as horas. Mas não ainda, não ainda...
As mulheres, enfim, descobriram a história
Logo, logo a história também fará sua maior descoberta: a história das mulheres, o limiar da verdadeira História
Tornar-se-ão melhores reciprocamente? Sim!
Que transformações sucederão em ambas? Todas!
Algumas mulheres exigem do mundo uma indenização pela história ter sido o que foi
Paguem, vociferam, pela nossa doída plurissecular inexistência, por nosso amor castigado, por nosso corpo aviltado, ferido, vendido e comprado, por nossa delicadeza humilhada pela força, por nossa dignidade seqüestrada pelo dinheiro, por nossa inútil entrega aos bárbaros e aos brutos, por nossa inteligência castrada pelos covardes
As mulheres querem revanche!
As mulheres querem revanche?
Não. Somente aquelas que ainda não compreenderam a grandeza do momento, aferrando-se ao ontem, ao invés de imaginar e erguer o amanhã
É porque enquanto o novo não se impõe, o passado chora à sua porta e dói nos corpos como Roma doeu no corpo do Cristo
É porque ainda não se encontraram totalmente (enquanto os homens se têm perdido)
Estão no meio da travessia
É duro estar no meio da travessia
Caminham num labirinto escuro, não se enxerga um dia à frente
Caem de alturas infinitas
São arrebatadas por forças ignotas
Suas identidades tragadas em redemoinhos emocionais
Injetam miríade de delírios nas veias
Têm os corações explodidos
Têm as vulvas em brasa
E repercutem o grito de Munch
E enlouquecem como o pintor holandês
E desistem como os suicidas
E se envenenam lentamente (enquanto envenenam o mundo com a cicuta das feridas supuradas)
Olham-se no inexorável espelho da alma
E vêem o monstro de Frankenstein:
Um pesadelo composto de mil pedaços ainda não revelados
Não sabem quem são
E dói ignorar quem se é, o que se é, o que se quer
Partem em busca de si
Perseguem-se
Capturam-se
Confessarão?
A verdade pode doer. Não vão querer ferir seus ouvidos com a verdade...
Não! Querem sim saber da verdade, porque têm coragem
(A verdade é só para os que têm coragem)
Querem saber quem são
Querem decifrar este enigma
Traduzir os arcanos do feminino, plantados em seus corações desde tempos imemoriais
Mas ainda há muita ignorância. E o caos
Ainda sonham com a maternidade, ou preferem uma liberdade egocêntrica??
Trocariam uma vida de doçura e calma pela pantomima cínico-traiçoeira do poder, do dinheiro e da glória??
Anseiam por ter o respeito, quem sabe o temor dos homens, ter o mundo a seus pés?? Ou preferem, humildes, ajoelhar-se e beijar os pés da Terra??
Um homem (o ideal)?? Ou todos?? Ou nenhum??
Ó sede!
Ó fome!
Ó calor!
Levantam-se
Tropeçam, caem, soerguem-se
E avançam
A marcha de um exército?
Um cortejo pacífico?
Aí vêm elas:
Sombra e objeto
Potência e ato
Sonho e labor
Escuridão e luz
Mas, desde já, livres de todo senhor e de toda cruz!
LOBISOMEM
(1)
A fera
Espera
O momento certo
De erguer o cetro
Impera
No instante
Em que se encerra
A censura da consciência
Esmera-se na vertigem da lucidez
E assoma na insensatez das paixões humanas
(2)
Um lobo corre
No labirinto da tua
Existência
Até que ele acha a saída
E destrona tua fugaz
Consciência
(3)
No esfíngico rincão
Do inconsciente
O primitivo que há em nós
Movimenta sua mão devastadora
No espelho
Esse antípoda de nós
Algoz silente e atroz
Íncubo que atormenta
A humanidade de todos
Medo de mim e dos outros
Hedionda face na íntima janela
Animal fugido da cela
D E S E S P E R A N Ç A
Em etílico assomo brada
O cobarde a desdita que o enfada:
“De outrem o fado cumprido
A vida é vazia, os dias, sofridos”...
No íntimo exílio, à mesa de Baco
Olvida-se com álcool e tabaco
Receando os algozes, os imigos
Prostrado por tantos castigos...
Ímpeto que o fizesse afrontar
E o vestisse de aço, pra pugnar...
Só teme. Quisera assustar!
Sonho que o incitasse a lutar
E o erguesse pra uma revolução comandar...
Mas morre. Quisera matar!
DOIS POEMAS
(1)
Vencer o destino
Indo além do previsto
Insisto no desatino
Ir além do concreto e do real
Mergulhando no secreto e no ideal
E viver nos sonhos
S o n h o s
T a m a n h o s
Suplantar o fim
E renascer
Menino
Numa espiral
Recorrente
Ser imortal
E inconseqüente
Poeta do excesso e do abscesso
Versejando o avesso e o transversal
Nunca onde posto
Uno e composto
Este e o oposto
Peito arquejando
O inarrável
Veia transbordando
O mistério
Expandindo meus desejos
Na anti-gravidade das horas
Expandindo meu universo
Com a imprevisibilidade do verso
(2)
Sou vário
Multifário
Alegria e calvário
Ao sabor das horas
E das desoras...
Eterno como os números
E fugaz como as palavras...
Virtudes ímpares
Pecados plurais
Razão e absurdo
Clamor surdo...
Livro inconcluso
Que se reescreve
Na urgência
Do que nasce
Ou morre...
Viandante
Que parte para onde ignora
Mas chega sempre onde mora
Porque mora em tudo...
Mundos
Ardentes
Diferentes
De mim mesmo...
Passos à toa
Perdidos uns dos outros...
Sem fim, sem começo
Todo dia me esqueço
Todo noite amanheço
Buscando por Deus
Mas não sei se o mereço...
O N Í V O R O
Vivamos livres, sem limites
Condenados à liberdade
Ao ócio, aos instintos
Como deuses loucos e lindos
Um nome?
Uma identidade?
Não nos serve...
Somos tudo, somos todos
E somos nada
Certezas e saudades?
Emprego e propriedades?
Correntes que nos agrilhoam
Falsos ideais a nos escravizar
Sem destino, sigamos
Para além do que já foi pensado e vivido
Inventemos novos sentidos para a vida
Novas trilhas para o mundo
Para a mente
Para a gente
Morte à pátria, à religião
Ao Capital e à moeda
Não nos basta o que temos:
O mundo, a humanidade, a filosofia, a arte?
E o futuro, gestado em nossas mentes
Qualquer coisa estranha a nós mesmos, não nos serve...
Por que degredar-se para longe de si mesmo, degradar-se?
Revoguemos tempos e espaços
Vamos ter o que é nosso
Façamos com nosso braço
Digamos com nossa boca
Vejamos com nossos olhos
Sintamos no nosso corpo
Esqueçamos das convenções
Pseudo-verdades alardeadas
Desacreditemos de tudo
Quem disse que esta era a ordem?
Que tal era a verdade?
As verdades são tantas quantas as estrelas no céu
E tão voláteis quanto os segundos no tempo
O caos é a única ordem que se fez
O acaso, o fortuito, o contingente
*
Cordeiro, abandones teu rebanho
Te entregues à liberdade
Não há lei, autoridade, hierarquia
Vivas no reino da anarquia
Onde todos somos absolutamente iguais
D i f e r e n t e m e n t e
Onde todos somos absolutamente distintos
I g u a l m e n t e
Não há nada que não queiras
Rias em desafio
Batas no peito com força
Enfrentes o establishment
Enfrentes o mainstream
Até que tremam, claudicando
Enfrentes! Que sejas tigre
Não cordeiro
Escrevas com teu punho
Creias na tua obra
Caminhes com teus pés
Marques teus próprios passos
Esqueças os dos outros
Se os outros são cobardes
Sejas intimorato, força telúrica
Obra plena em si mesma
E se fores viver, vivas livre
E se fores morrer, morras livre
Revogues tua escravidão
Removas tua corrente
Te resgates do teu cárcere
E vivas livre e morras livre
Enfrentes os tiranos
Os tiranos merecem a morte
Enfrentes teus inimigos
Os inimigos merecem a morte
O medo, a morte, esqueça-os
Amplies-te i n f i n i t a m e n t e
Tua vocação é para a liberdade
Não queiras ter fronteiras
Somos todos infinitos, em contínua expansão
Sem começo, nem termo, como os universos na eternidade
Não queiras ter posse nenhuma, senão tu mesmo
E o mundo, a humanidade, o futuro
Que é tudo teu, que é tudo nosso
Que é de todo mundo
E de ninguém
B U S C A
Busco-me em minas profundas
A ver se me descubro tesouro
Potes transluzindo ouro e diamantes
Para ver se lá no fundo me encontro
Maior e melhor, como nunca dantes
Senhor de minhas faculdades
Reerga-me com a força de gigantes,
Rebentando o grilhão dos medos e das saudades
Na escuridão dessas minas
Paradoxalmente possa ver-me melhor
E descobrir o herói, o guerreiro, o artista
Que porventura em mim existam
Quase asfixiados
Na inércia dos acanhados
Medito para ver se me materializo num santuário
Onde os sonhos vêm trazer oferendas
Para forças imortais cheias de plenitudes
Também mergulho-me nos meus oceanos
Para ver se descubro pérolas de antigos naufrágios
Jóias esquecidas em longos anos de afogamento
Essa busca, não sei bem aonde dará
Mas a recompensa de caminhar não são os passos dados,
Onde quer que os pés descansem, no fim da longa jornada?
Mas intuo: essa busca há de me revelar a mim
Para que descanse nos braços da quietude, enfim
Essa busca há de me revelar Deus, também.
Que é tudo a que tenho ansiado. Amém!
(Poema musicado)
Quem é o estranho no espelho que ao meu rosto assume?
Fantasticamente, numa infernal amnésia, há dias me desconheço:
Minha mente exilada num corpo estrangeiro, no qual envelheço,
E se mais me persigno mais distante me acho do lume...
É de uma descomunal ausência de mim o mal que padeço
Como se este que sou cotidianamente tivesse outro aspecto
Mas num mercado de corpos tivesse comprado este infecto
E numa rejeição total da matéria, na idéia apenas me reconheço
É como se, ao mirar-me no reverso do espelho, me não pertencesse
E após contemplar-me, me fugisse o meu rosto e eu me esquecesse
Existindo em outro lugar, mas nunca naquele em que posto
E desfaço-me neste labirinto de ilusões que me é tragicamente imposto
Como se, pioneiramente, houvessem gravado minha mente noutro ser
Ou, sonhando-se livre, não mais desejasse um corpo a que pertencer!
Acordes: Gm (2x) D (2x) - Quartetos
F E A - última frase
Bm C#m Bm C#m - Tercetos
F E A - última frase
REINVENTAR-SE
(poema musicado)
acordes: Bm F#m E F#m;
G D C D
Caem as cortinas de uma era
Os paradigmas estão todos exauridos
E reinventar-se é a vontade mais sincera
Pro porvir não repetir os tempos idos
Fecham-se os portões desse museu
Que guardou tantos anos de dores e alegrias
De uma miríade de trajetos que sou eu:
Horas, desoras; acertos e arriscadas vias...
Vedam-se as câmaras desse mausoléu
Separando o que é vida e o que é morte
As estrelas de outrora não brilham mais no céu
Só as sementes do amanhã serão meu norte
É-me impossível permanecer cristalizado
Nesses grilhões de oníricas imagens de antanho
Sonho com as luzes da manhã viver casado
Sonho a vida ardente, e sem tamanho
Quero a vida na forma dos meus devaneios
Esgarçando limites, rompendo estruturas
Explodindo no âmago, e por todos os meios
De amplos espaços e portas sem fechaduras
Anseio pelo corpo da vida, já!
Sobre o meu deitado, ou justaposto
Para juntos nos encontrarmos lá
Onde se torna uno o composto!
PARADOXO IMPÕE-SE À MENTE ESCLARECIDA...
Paradoxo impõe-se à mente esclarecida:
Afligi-se, insatisfeita, porque mais almeja
A inépcia aceita entanto contra o que peleja
Cabal só o Mistério, que admira embevecida
Dá pela escassez dos meios que anseia
E que lhe embarga lida, estro, potência
Mas o que pode acalma-lhe a consciência
- um sopro leva a primavera e a semeia!
Percepção contraditória latente no pensador
Em sua busca irrefreável (gáudio e perdição):
Esforço ambicioso e humílimo louvor...
Castigo de Tântalo que assume em louvação:
Geômetra do Tempo-Espaço, bendigo a ânsia
E os óbices que me impões com tal constância!
LA PIETÀ
Castigado, a Verdade expirando no colo da Virtude
Ressurgirá, entanto: promessa aos corações fatigados
Ele, o santo caminho (a miséria não mais nos aturde)
Inexpugnável refúgio dos sofredores e desgarrados
Paz eterna: suas essências, a suave brisa da infinitude
Serenando inúteis fogueiras, paixões, ideais conspurcados
Reencontro inefável: mãe e filho na imortal quietude
Dos que engendrados na Luz foram à Luz consagrados
Sentimento inexcedível levando-nos à celestial altitude
Onde quedamos em êxtase com seus semblantes mitigados
Tão puros que nenhuma visão do mal jamais nos ilude
Maria, perpétuo e fúlgido dia de verões abençoados
Acalentando nosso intemerato sol; que Ele nos ajude
A plantar e colher virtudes, sonhar e viver irmanados
P E R F E I Ç Ã O
O afã por perfeição, o desejo pela idéia absoluta,
Fascina, intriga a razão, põe-na refém e mais culta.
Vai-nos envolvendo, feito teia, feito canto de sereia,
Se ingenuamente cremos na falácia que a permeia...
Busca atroz, colérica, inextinguível
Revelando-se quase sempre inexeqüível:
A diferença entre a potência e o ato
Entre o onipotente sonho e o fato...
Indômita idéia, fugidia, cigana,
Desdenhando da condição humana,
Repleta de uma natural lassidão...
Sopro divino acalentando o coração.
Esforço sem par sonhando a delicadeza.
Rosa de chumbo!! Hedionda beleza!!
M U L H E R
Encontrar no teu corpo o homem refém da criança
Com teus braços cultivar e colher a flor da esperança
No teu olhar viver a Paz e no gesto e no sorriso de menina
Que resgatam o transviado até e lhe transformam a sina
Penélope, Atena, Joana, Tereza, Maria
Infinitos o caos e a noite sem tua magia
Teu exemplo semeia virtudes e esparge luz
Na sombria face que ao Masculino seduz
No coração, relicário de emoções, guardas tudo
Até o rancor, que se revela em teu olhar doído e mudo
Mas é a compaixão, divina herança, tua fortaleza
Teu corpo é bálsamo, glória da natureza
A beleza universal resumida num só ponto
Ao qual tudo converge: inefável encontro
A GUERRA
a guerra paira no ar
com seu pútrido odor de
corpos cravejados pela insensatez humana
a guerra e nossos desejos assassinados
a guerra e nossas plenitudes esvaziadas
a guerra e nossas saudades não vividas
a guerra paira no ar
aqui, alhures
ontem, hoje
sempre??
a guerra:
flecha no peito do Tempo
cicatriz no corpo da História
constante da Civilização
idéia fixa do Humano??
a guerra:
periclitante espada sobre nossas consciências
sombra de apetite voraz...
nossa sombra??
como evitar seu abraço mortal se quando nos pomos em marcha ela mais velozmente viaja e aos nossos calcanhares se agarra e nos freia e nos lembra da contradição humana imanente: nossa fenda psíquica
“o homem não é senhor nem mesmo em sua própria casa”...
“Decifra-me ou devoro-te”
avisa a vetusta cantadeira...
a voz dela será a nossa??
somos a imagem refletida em seu espelho??
ah que bom seria o meio-dia, quando dormem as sombras
ah um sempiterno meio-dia...
SUBVERSÃO
A unidade da contradição
A superfície do abismo
A comicidade do terrorismo
E da privação
O método da divagação
O cânone do ateísmo
A saciedade do consumismo
E da especulação
O esforço da inspiração
A eficácia do vandalismo
A ascese do hedonismo
E da perversão
A dúvida da conclusão
E do fundamentalismo
O livre-arbítrio do fatalismo
E da alienação
O cálculo da compulsão
A tara do moralismo
A fé do comunismo
A face da multidão
HOUVE NOITES QUENTES COMO O DIA...
Houve noites quentes como o dia...
Amei tão mais que Romeu ousara
Ao possuir-te, flor que nunca se entregara
Que te fiz meu mundo, tudo o que via
E vivi no paroxismo da fantasia
Faminto de tua sensualíssima graça
A beber-te o sangue numa taça
A devorar-te a carne na orgia
Mas amar é render-se ao que nos mata
Tu te foste. Preso fiquei em teu encanto
E me afogo nas vagas do meu pranto
Desespero: a presença de uma falta!
No teu corpo plantei minha saudade
Cujo pomo é este amargor que me invade
A VIDA: SUCESSÃO DE ACASOS...
A vida: sucessão de acasos...
A vida: equilíbrios tênues...
A carga do elétron fosse uma diferente
A força gravitacional diferente fosse
E nada existiria:
Nada de História
De Civilização
De Cultura
Nada de gente
E suas gloríolas
E pantomimas
E patéticos dramas e ambições inúteis e contradições latentes...
Mudanças infinitesimais e só o nada existiria
Engano-me!
Tudo existiria ainda
Essas imensidões universais, escuras, silentes, frias, vazias
O que não existiria: a sofrida consciência de que existem tais coisas
Estas coisas que só existem nas consciências...
O C A P I T A L
O Capital avança sobre nosso código genético e nossas mentes
É a última fronteira. Sua finalidade é consagrar-se um deus, eterno
E catequizar com seu evangelho: dinheiro! Seu Céu, o nosso Inferno:
Alienação, fetichismo, tirania e outros pecados impenitentes
O Capital almeja nossa intimidade. Conhecer para conquistar
E explorar: corpos, almas, culpas, desejos, sentimentos, aspirações
Calará quem se lhe contrastar! Inculcará medos, impingirá aflições
E dividirá para que seus exércitos e os nossos jamais possam se conflagrar
O Capital e seus valores psicopáticos: egoísmo, força, cobiça, eficiência
Estamos loucos! Cegos de olhar sem ver, surdos ao clamor da igualdade
Consumidos por falsos ídolos e sofismas que destroem nossa identidade
O Capital e seu esboço pueril de felicidade: vaidade e concupiscência
Sequiosos de poder, dinheiro, sucesso – devoradores de sonhos,
Seguimos céleres ao abismo, à perdição e aos pesadelos medonhos
O VELHO
Cada velho, na forma de estrela, aos céus ascende
Quando passa. Palpita luz nas constelações infinitas
Seu coração, no vazio silente, ressoa verdades tão bonitas
E sua memória, na escuridão universal, é vela que se acende
Cada velho é um diamante pelas mãos do tempo lapidado
Cujos quilates são decênios de aprendizado e experiência
É uma biblioteca de livros raros, cheios de dor e sapiência
É sorriso e pranto, sonho e realidade, tudo amalgamado
Delirante, entre as temporais esferas, ele vigia
A chegada do sétimo dia, quando irá descansar
Tudo viveu, gerou, cuidou... Não, não temeria...
Já morreu tantas vezes (e renasceu o quanto queria)
A que virá, apenas passagem: mergulho num mar
Que a inefáveis plagas, tempos e sonhos o levará
É POSSÍVEL
Tantos heróis e heroínas anônimos
Sem máscaras, rostos limpos, límpidos
Poderes só de gente comum
Tecendo suas obras
Num silêncio humilde
Homens e mulheres consagrados
Às grandes esperanças coletivas:
Paz, amor ao próximo, justiça, compaixão, verdade, perdão
E às pequenas causas cotidianas:
Amar e cuidar dos seus, cuidar de tudo que é vivo, honrar a Deus, fazer o bem
Tantos Cristos anônimos
Cruz sobre as espaldas
Numa Via Dolorosa que poucos vêem ou fingem não ver
Ninguém lhes estende a mão quando caem
Mas eles se erguem sozinhos
Ungidos por Deus com fé inelutável e translúcida
Seus calvários em nobre silêncio suportam
E se choram, choram por que é de verdade e é justo
Choram para depurar o corpo e a mente de todo mal
Estes heróis e heroínas cotidianos, Cordeiros de Deus,
Paladinos da Humanidade, são o Sal da Terra
Esperança de outro porvir, cuja semente está lá plantada no coração de cada um: regue-a, convide-a a desenvolver-se
Enquanto estes homens e mulheres permanecerem alheios ao Mal que nos obsidia e confunde, intemeratos entre transviados, intimoratos entre cobardes, corações e almas plenos em meio ao esvaziamento do Espírito
Enquanto estes homens e mulheres estiverem espargindo primaveras em pleno outono, pincelando auroras quando a noite é alta, semeando virtudes em terrenos áridos, socorrendo mesmo o imigo, oferecendo sua face, seu lar, seu pão e vinho
Eu vou continuar sonhando
Sonhando que outro mundo é possível
R E V E L A Ç Ã O
A morte desceu de sua atmosfera fantástica
Lasciva, hedionda, fatal, ela já me escolhera
Trouxe-me visões infernais que no Hades colhera
Arrebatando-me sua lívida beleza cáustica
Fizemos amor, eu e seu corpo infinito
No findar-se de uma e alvorecer de outra era
Prenúncio de uma voraz e ignota esfera
Mas com dor e com medo lancei um grito
Que varou os espaços inauditos sem resposta
E a cruel revelação foi nesse silêncio exposta:
Um universo moral, sustentáculo da Salvação
Fora assim, sempre, nossa mais cara ilusão
E ali em meus olhos deixou-se plantar o esquecimento
Dormiu o fogo e o maniqueísmo de todo conhecimento
AMADA IMORTAL ou Anti-Poema de Amor
Amada imortal, em qual séptico e bárbaro leito
Te entregaste à magia do sexo, violenta e doce?
Que inculto varão acendeu a chama do teu peito
E te possuiu com primitiva rudeza, agridoce?
Outrora, tão reticente! Acorrentada ao pudor...
Agora é um macular os lençóis em abjetas orgias
Prostrando este teu pretendente, que maldisse o amor,
E louco fugiu para ver se a teu rosto esquecia...
Mas não pôde jamais! Do teu lascivo regaço, ó voraz gana!
Não posso esquecer-me de ti, ninfa impura e profana
De tuas maneiras lúbricas, de teus vícios delirantes
Vulgívaga sorvendo o bacântico sentido da vida!
Pago-te em ouro, mas me deita em tua cama bandida
E me dá o efêmero prazer das paixões fumegantes
AVESSO
Prisioneiro, libertava
Ausente, convivia
São, contemplava
O que outro olhar via
Crente, duvidava
Estéril, concebia
Alienado, asseverava
O quanto não sabia
Consagrado, pregava
Ira, infâmia e orgia
Imberbe, desfolhava
Asceta, consumia
Iluminado, inventava
A superação do dia
POLIMORFIA
Minha personalidade ciclotímica
Fixamente inconstante
Ousando vôo periclitante
Refém de insidiosa química
Minha personalidade grandiloqüente
Tudo diz quando cala
Ouve o que não se fala
E diz a verdade, mas mente
Minha personalidade Hollywoodiana
Dúbia personagem em cena
Nenhum roteiro a coordena
Teatralmente insana
Minha personalidade mitológica
Fênix, renascendo
Sendo, não sendo
Em sua meta-lógica
Minha personalidade cibernética
Tende a equilibrar-se no Caos
Corrigi-se auscultando os maus
É apostolicamente cética
Minha personalidade barroca
Quer ser os extremos do fio
Quer ser a castidade do cio
Repleta de tudo, mas oca
G E R M I N A L
Serei conseqüência e causa da minha vontade,
Para que, preso, possa libertar-me, num grito.
Contemporizem, ao que promovo o conflito,
Para, ao calar, ter já exaurido o que arde.
Retrato fiel da própria verdade, eu serei EU.
No silêncio da noite gesto-me, ávido do dia,
Nutrido com a fé da mais imortal utopia:
Fundar outra humanidade, como Prometeu.
E serei todos que queira, como num sonho
(onde as múltiplas faces na mesma face ponho)
Enquanto o adicto desta ordem séptica
Paralítico e abúlico, só debilidade
Forja o grilhão da própria liberdade
E degenera-se numa covardia céptica
DIALÉTICA DO AUTO-ESCLARECIMENTO
Debato-me
Numa dialética desvairada
Caminho a esmo para ver se caminhando
Meus pés me indicam a estrada
Que dará em mim mesmo
Quando enfim me tenha
Como morada
Abalo as estruturas do meu pensamento
Rego as antíteses, colho as contradições
E num turbilhão caótico de experimentos
Acho a Verdade em preces e orações
Que Deus é tudo
É mudo
Mas fala aos corações
Repercutem em mim vozes conflitantes
Sobre as grandes questões civilizatórias
Ah, saudades daquele juvenil estupor
Daquelas simplórias certezas de antes
Quando não ouvia o clamor
Dos esquecidos
Nem conhecia
Toda a falaciosa ideologia
Dos bem-nascidos
E meus sentimentos
Numa espiral malsã
Deserdados sem coração que os entenda
Exilados, sem ontem, hoje, amanhã
Contraponho-os, numa acareação ilusória
Donde extraio só mais confusão sensória
Com eles componho
Os infaustos poemas
Que a vida vai me ajudando a tecer
Sequioso pelo momento de alvorecer
D E S P E R T A R
Enfim, a manhã de uma vastíssima noite!
Lentamente, as mulheres se vão despertando
Seus olhos desvirginam-se diante do espetáculo da luz: formas mil, mil possibilidades
Os corações estão secos:
Ó sede!
As mentes estão ávidas:
Ó fome!
As almas sonham com a amplidão:
Ó calor!
Abrem os braços, sequiosas do mundo inteiro: é um convite à Existência, deusa-mãe, para compartilhar com elas os mistérios profundos da vida
São desejos vorazes, forças fluindo livremente, revoluções em marcha
Mas ainda não se levantam. Por que não se levantam?
Porque também há muita confusão e dúvida
São um turbilhão de sentimentos, emoções, razões e desrazões
São os séculos que pesam insuportavelmente sobre seus ombros. A carga dos velhos dilemas e dos paradigmas depauperados
Têm de vencer suas sombras, transpor seus abismos
Têm de matar a si mesmas, para nascer inteiramente outras
Em breve, ágeis e destemidas, correrão atravessando os espaços e as horas. Mas não ainda, não ainda...
As mulheres, enfim, descobriram a história
Logo, logo a história também fará sua maior descoberta: a história das mulheres, o limiar da verdadeira História
Tornar-se-ão melhores reciprocamente? Sim!
Que transformações sucederão em ambas? Todas!
Algumas mulheres exigem do mundo uma indenização pela história ter sido o que foi
Paguem, vociferam, pela nossa doída plurissecular inexistência, por nosso amor castigado, por nosso corpo aviltado, ferido, vendido e comprado, por nossa delicadeza humilhada pela força, por nossa dignidade seqüestrada pelo dinheiro, por nossa inútil entrega aos bárbaros e aos brutos, por nossa inteligência castrada pelos covardes
As mulheres querem revanche!
As mulheres querem revanche?
Não. Somente aquelas que ainda não compreenderam a grandeza do momento, aferrando-se ao ontem, ao invés de imaginar e erguer o amanhã
É porque enquanto o novo não se impõe, o passado chora à sua porta e dói nos corpos como Roma doeu no corpo do Cristo
É porque ainda não se encontraram totalmente (enquanto os homens se têm perdido)
Estão no meio da travessia
É duro estar no meio da travessia
Caminham num labirinto escuro, não se enxerga um dia à frente
Caem de alturas infinitas
São arrebatadas por forças ignotas
Suas identidades tragadas em redemoinhos emocionais
Injetam miríade de delírios nas veias
Têm os corações explodidos
Têm as vulvas em brasa
E repercutem o grito de Munch
E enlouquecem como o pintor holandês
E desistem como os suicidas
E se envenenam lentamente (enquanto envenenam o mundo com a cicuta das feridas supuradas)
Olham-se no inexorável espelho da alma
E vêem o monstro de Frankenstein:
Um pesadelo composto de mil pedaços ainda não revelados
Não sabem quem são
E dói ignorar quem se é, o que se é, o que se quer
Partem em busca de si
Perseguem-se
Capturam-se
Confessarão?
A verdade pode doer. Não vão querer ferir seus ouvidos com a verdade...
Não! Querem sim saber da verdade, porque têm coragem
(A verdade é só para os que têm coragem)
Querem saber quem são
Querem decifrar este enigma
Traduzir os arcanos do feminino, plantados em seus corações desde tempos imemoriais
Mas ainda há muita ignorância. E o caos
Ainda sonham com a maternidade, ou preferem uma liberdade egocêntrica??
Trocariam uma vida de doçura e calma pela pantomima cínico-traiçoeira do poder, do dinheiro e da glória??
Anseiam por ter o respeito, quem sabe o temor dos homens, ter o mundo a seus pés?? Ou preferem, humildes, ajoelhar-se e beijar os pés da Terra??
Um homem (o ideal)?? Ou todos?? Ou nenhum??
Ó sede!
Ó fome!
Ó calor!
Levantam-se
Tropeçam, caem, soerguem-se
E avançam
A marcha de um exército?
Um cortejo pacífico?
Aí vêm elas:
Sombra e objeto
Potência e ato
Sonho e labor
Escuridão e luz
Mas, desde já, livres de todo senhor e de toda cruz!
LOBISOMEM
(1)
A fera
Espera
O momento certo
De erguer o cetro
Impera
No instante
Em que se encerra
A censura da consciência
Esmera-se na vertigem da lucidez
E assoma na insensatez das paixões humanas
(2)
Um lobo corre
No labirinto da tua
Existência
Até que ele acha a saída
E destrona tua fugaz
Consciência
(3)
No esfíngico rincão
Do inconsciente
O primitivo que há em nós
Movimenta sua mão devastadora
No espelho
Esse antípoda de nós
Algoz silente e atroz
Íncubo que atormenta
A humanidade de todos
Medo de mim e dos outros
Hedionda face na íntima janela
Animal fugido da cela
D E S E S P E R A N Ç A
Em etílico assomo brada
O cobarde a desdita que o enfada:
“De outrem o fado cumprido
A vida é vazia, os dias, sofridos”...
No íntimo exílio, à mesa de Baco
Olvida-se com álcool e tabaco
Receando os algozes, os imigos
Prostrado por tantos castigos...
Ímpeto que o fizesse afrontar
E o vestisse de aço, pra pugnar...
Só teme. Quisera assustar!
Sonho que o incitasse a lutar
E o erguesse pra uma revolução comandar...
Mas morre. Quisera matar!
DOIS POEMAS
(1)
Vencer o destino
Indo além do previsto
Insisto no desatino
Ir além do concreto e do real
Mergulhando no secreto e no ideal
E viver nos sonhos
S o n h o s
T a m a n h o s
Suplantar o fim
E renascer
Menino
Numa espiral
Recorrente
Ser imortal
E inconseqüente
Poeta do excesso e do abscesso
Versejando o avesso e o transversal
Nunca onde posto
Uno e composto
Este e o oposto
Peito arquejando
O inarrável
Veia transbordando
O mistério
Expandindo meus desejos
Na anti-gravidade das horas
Expandindo meu universo
Com a imprevisibilidade do verso
(2)
Sou vário
Multifário
Alegria e calvário
Ao sabor das horas
E das desoras...
Eterno como os números
E fugaz como as palavras...
Virtudes ímpares
Pecados plurais
Razão e absurdo
Clamor surdo...
Livro inconcluso
Que se reescreve
Na urgência
Do que nasce
Ou morre...
Viandante
Que parte para onde ignora
Mas chega sempre onde mora
Porque mora em tudo...
Mundos
Ardentes
Diferentes
De mim mesmo...
Passos à toa
Perdidos uns dos outros...
Sem fim, sem começo
Todo dia me esqueço
Todo noite amanheço
Buscando por Deus
Mas não sei se o mereço...
O N Í V O R O
Vivamos livres, sem limites
Condenados à liberdade
Ao ócio, aos instintos
Como deuses loucos e lindos
Um nome?
Uma identidade?
Não nos serve...
Somos tudo, somos todos
E somos nada
Certezas e saudades?
Emprego e propriedades?
Correntes que nos agrilhoam
Falsos ideais a nos escravizar
Sem destino, sigamos
Para além do que já foi pensado e vivido
Inventemos novos sentidos para a vida
Novas trilhas para o mundo
Para a mente
Para a gente
Morte à pátria, à religião
Ao Capital e à moeda
Não nos basta o que temos:
O mundo, a humanidade, a filosofia, a arte?
E o futuro, gestado em nossas mentes
Qualquer coisa estranha a nós mesmos, não nos serve...
Por que degredar-se para longe de si mesmo, degradar-se?
Revoguemos tempos e espaços
Vamos ter o que é nosso
Façamos com nosso braço
Digamos com nossa boca
Vejamos com nossos olhos
Sintamos no nosso corpo
Esqueçamos das convenções
Pseudo-verdades alardeadas
Desacreditemos de tudo
Quem disse que esta era a ordem?
Que tal era a verdade?
As verdades são tantas quantas as estrelas no céu
E tão voláteis quanto os segundos no tempo
O caos é a única ordem que se fez
O acaso, o fortuito, o contingente
*
Cordeiro, abandones teu rebanho
Te entregues à liberdade
Não há lei, autoridade, hierarquia
Vivas no reino da anarquia
Onde todos somos absolutamente iguais
D i f e r e n t e m e n t e
Onde todos somos absolutamente distintos
I g u a l m e n t e
Não há nada que não queiras
Rias em desafio
Batas no peito com força
Enfrentes o establishment
Enfrentes o mainstream
Até que tremam, claudicando
Enfrentes! Que sejas tigre
Não cordeiro
Escrevas com teu punho
Creias na tua obra
Caminhes com teus pés
Marques teus próprios passos
Esqueças os dos outros
Se os outros são cobardes
Sejas intimorato, força telúrica
Obra plena em si mesma
E se fores viver, vivas livre
E se fores morrer, morras livre
Revogues tua escravidão
Removas tua corrente
Te resgates do teu cárcere
E vivas livre e morras livre
Enfrentes os tiranos
Os tiranos merecem a morte
Enfrentes teus inimigos
Os inimigos merecem a morte
O medo, a morte, esqueça-os
Amplies-te i n f i n i t a m e n t e
Tua vocação é para a liberdade
Não queiras ter fronteiras
Somos todos infinitos, em contínua expansão
Sem começo, nem termo, como os universos na eternidade
Não queiras ter posse nenhuma, senão tu mesmo
E o mundo, a humanidade, o futuro
Que é tudo teu, que é tudo nosso
Que é de todo mundo
E de ninguém
B U S C A
Busco-me em minas profundas
A ver se me descubro tesouro
Potes transluzindo ouro e diamantes
Para ver se lá no fundo me encontro
Maior e melhor, como nunca dantes
Senhor de minhas faculdades
Reerga-me com a força de gigantes,
Rebentando o grilhão dos medos e das saudades
Na escuridão dessas minas
Paradoxalmente possa ver-me melhor
E descobrir o herói, o guerreiro, o artista
Que porventura em mim existam
Quase asfixiados
Na inércia dos acanhados
Medito para ver se me materializo num santuário
Onde os sonhos vêm trazer oferendas
Para forças imortais cheias de plenitudes
Também mergulho-me nos meus oceanos
Para ver se descubro pérolas de antigos naufrágios
Jóias esquecidas em longos anos de afogamento
Essa busca, não sei bem aonde dará
Mas a recompensa de caminhar não são os passos dados,
Onde quer que os pés descansem, no fim da longa jornada?
Mas intuo: essa busca há de me revelar a mim
Para que descanse nos braços da quietude, enfim
Essa busca há de me revelar Deus, também.
Que é tudo a que tenho ansiado. Amém!
O PONTO DEUS
À noite, as vastidões do nada me aterram!
Tenho estado de Deus uma vida inteira ausente...
Ajuda-me Senhor a desvendar o tudo no nada presente:
Quero vislumbrar o espaço infinito no átomo
Quero sentir a eternidade nas asas do átimo
Quero ver e sentir muito mais, muito além
Do que se vê e sente
Os abismos incomensuráveis da matéria é fera
Que enregela as fibras do meu coração
Sei agora - sabemos todos:
Nossa mente para crer fora forjada
Por um martelo e uma bigorna divina
Porque só assim faz sentido e suporta-se
Esta brevíssima e agônica jornada
Sou um falso profeta da matéria
Do frio silêncio universal...
Tudo mentira banal!
Sou um falso crente do acaso e da probabilidade
Porque em tudo agora vejo um sentido e uma verdade
SONHOS
Meus sonhos iluminam-se da tua arcangélica beleza
Neles, ponho-me aos pés da tua nudez, arrebatado
De ti, toda minha natureza tem-se ocupado
Em êxtase tem vivido e estado acessa
À tua regência, meu universo inteiro cala
Só o coração pulsa em ardente desejo enlevado
A te esperar, fonte de tudo que é mais sagrado
Secretamente, nele tua voz sussurra e fala
Teu corpo, esplendor da forma, exala perfume inebriante
Que cativa e engana. Já amo mais que Romeu e Dante
E fico cismando as delícias da tua boca, da tua tez
Sentir a nívea doçura do teu corpo, que Deus fez
Embriagado do ardente azul do teu olhar
Perdido no sonho de nunca mais acordar
VÊNUS DE ÉBANO
A lasciva noite jaz na epiderme
Exalando a luxúria dos amantes
A consagrada nudez: inquietante
Visão do Éden; obsessão em germe
Deusa de ébano, lábio africano
Divino lume o viço lhe engalana
O beijo, veneno doce como a cana
A desvairar o varão americano
Negra! Singular perla dos mares
Canto de sirena rasgando os ares
E o Odisseu se arrebatando
Manhã de primavera acordando
Êxtase sublime, loucos devaneios
Vertigens noturnas e seus enleios
D E U S A
A cútis branca, lençol de luz
Que a veste. O púbis negro,
Inflama no ensejo, reluz
Na lascívia do meu estro
O ventre, porcelana delicada
Templo de amores e idílios
A vulva, olente e nacarada
Vertendo o licor dos delírios
As melenas, noites encaracoladas
Escorrendo rio sobre as espaldas
Afogando os seios, pequeninos seixos
As curvas, inebriantes, nos eixos
Olhares vagos, dissimulados
Mil e um amores transviados
VIDA (ou SOMBRA)
Informe, aflita, errante apenas sombra
No ermo da alcova projetada do incognoscível
É miragem a vida, de concretude impossível
Esfinge cujo canto fatal assombra
Outra quimera a realidade, ilusão sensitiva
Divindade nascida da nossa inconsciência e loucura
A urgência infantil de semear luz na infinidade escura
Auto-engano psíquico, superstição cognitiva
O poeta revela, ele sabe: só existe o nada!
Raciocínio, sentimento, paixão: fraude biológica
Que é trama cerebral a existência, é mitológica
Entanto, fingi crer na mentira inculcada
Introjetando o absurdo espetáculo, desconexo
Onde tudo o que somos é vertigem e reflexo
A FERA
A fera vem da sombra ancestral
E sua garganta a noite inteira verte
Que a luz envolve e reveste
Bêbeda, regurgita o Mal
Olhos incandescentes, labaredas queimando
De tanto desejar a Morte, que a espreita
Para juntas pregar a guerra como seita
Que é a constante do quando
Seu ódio asfixia a inspiração da Paz
Forjando miríade de grilhões, de gládios
Que fazem das épocas históricas plágios
O Inferno com suas mãos pode. E faz!
Ela quem é, somos nós?
Nossa oculta face, atroz?
DEUSA II
Porte aristocrático, olhares altivos
Classificando com ares imperativos
Movimentos ligeiros, de bailarina
Fibra de mulher, frescor de menina
O coração semeando a saudade
Volúvel demais para a saciedade
O verbo é um gládio, machucando
A fé cega dos que seguem acreditando
Narizinho aspirando (a)o céu
As mechas da cor do mel, véu
De estrelas refulgentes
Os olhos: sempiternos verões
Ardendo em estrepitosas paixões
Opalas de fogo tão quentes!
ONÍVORO II
Fome audaz, implacável, soberba, profunda
Consciências devoro, civilizações, universos
Regurgito tudo depois, em moldes reversos
E o que a razão aplanava o caos aprofunda
Ó sede inconsciente, primitiva, sede de morte
Minha sorte é o fim fomentar, e o recomeço
Tudo fenece à minha volta, mas permaneço
Avesso vivo; morro; e tudo pode nascer de novo
A culpa e o medo foram assassinados pelo desejo
Absolva-o que ele é a força vital da natureza
A outra face voraz divina infernal da Beleza
Fome, sede, desejo põem-se a inventar o ensejo
Dê-me um segundo e faço tremer a Eternidade!
Um punhal para cravar no coração da Verdade!
REMEMORO A INFÂNCIA...
Rememoro a infância... Deus, onde a guardou?
A criança que fui, repleta da doce inocência, existiu?
Ou apenas miragem que na alcova do Tempo dormiu
Entre as agônicas sombras que Ele sonhou?
Doce é também a consciência que temos da morte
Porque bálsamo se faz contra as dores do mundo
Ponte para um esquecimento sereno e profundo
Visto que o perene é a matéria e só o crê o forte
No instante que se esgota, coisas aos milhões desvanecem,
Consciências e mundos. Deus quer que elas cessem
Apenas Ele, absoluto, comporta outro sentido
Segue o humano, assim, sôfrego do tempo presente –
Essa ilusão dos sentidos. Fingi crer, mas pressente
Que não há glorioso destino que lhe devido
QUISERA AMAR-TE
Quisera amar-te comedidamente
Com hora marcada e a luz apagada
Cheio do casto pudor de antigamente
Sem arroubos românticos
E copiosas lágrimas de ciúme...
Amar-te mansamente, sem os carrosséis de emoção
Dos aficionados em paixão
- essa convulsão dos sentidos
Sem ramalhetes de rosas
As insinuações dolorosas
E os pratos no chão partidos...
Amar-te racionalmente
Como quem quase finge o que sente
Sem poesia, sem saudade, sem plenilúnios à beira-mar
Sem acordes de um violão...
Quisera amar-te
Como uma simples troca de favores à meia-noite:
O mercantil romance finissecular...
Mas tal amor, querida, eu nunca poderia dar...
FRAGÍLIMA A ARQUITETURA DA MINHA VIDA...
Fragílima a arquitetura da minha vida...
O terraplenagem não fixou bases sólidas para a adequada edificação e agora titubeio com suaves brisas cotidianas; nos terremotos da vida, soçobro-me
A argamassa do meu ser orgânico e psíquico é fraca e degenera em risco grave à saúde; tudo é caótico, entrópico e a energia migra para outros universos paralelos de mim mesmo, que desconheço
Sou construção superfaturada cujo material é de qualidade duvidosa e a qualquer momento pode ruir com todos os sonhos dentro
O Grande Engenheiro furtou-se de esmiuçar os cálculos e as geometrias a uma grande obra e agora as informações se contradizem e redundam em estupor entre os empregados que devem erguê-la; meus próprios genes levam-me ao paroxismo e à atimia
É uma falha conatural, mutação gestada e prometida a mim nas labaredas da descendência
Fragílima a arquitetura da minha vida...
PRESO
Preso
Ao Big-Bang
A este universo
Às leis da física, química, biologia
Aos acontecimentos fortuitos que deram origem à vida
À evolução da vida e suas leis intrínsecas
Às particularidades da minha espécie, da minha vida e seus determinantes orgânicos, mentais, psíquicos
A um Deus que me invento e seus mandamentos
A um Deus que se inventam e seus mandamentos
A este tempo, a este pedaço de século, sua técnica, tecnologia, moral, ciência, filosofia
A este sistema sócio-econômico e suas contradições frementes
A esta pátria e língua
A este corpo e mente
Aos genes dos meus avoengos e suas mutações aleatórias
À cultura,
À personalidade
Aos Fatos Sociais
Às variáveis estocásticas que me fizeram quem não sou
Aos meus sonhos e medos, desejos e delírios, fracassos e gloríolas
A estas pessoas, às prisões destas pessoas, à loucura destas pessoas
A esta vertigem e a esta dúvida metodicamente martelada: existimos, de fato?
Não obstante, LIVRE! LIVRE para renunciar a tudo.
E até nisso, preso: preso ao livre-arbítrio, dádiva (e castigo) de Deus aos homens
Livre para renunciar a tudo!
TEU OLHAR
É teu olhar que lança ao frio e negro firmamento
A energia, o ardor, a luz que o vão despertando
Nele, a infinita amplidão cabe num momento
E, um ao outro, instante e eternidade estão amando
Teu olhar é também uma súplica ao vento
Sussurrada pelo exangue moribundo, quando
A Dama Negra nele fixa seu olhar sedento
Teu olhar é também dor e mágoa castigando
Teu olhar é a Paz (quase nunca o nosso intento...)
Janela onde vemos o Cordeiro as virtudes alentando
E extasiados de beleza olvidamos o destino violento
Teu olhar é uma pungente dor secreta, lancinando
Que provoca multifárias explosões de sentimento
Vendavais de poesia, ondas de paixão e de tormento
BRASILIDADE
Nossas múltiplas raízes, profundas e diversas
Que a longínquas plagas e tempos remontam
Reminiscências ancestrais assim nos contam
Da cultura de civilizações vivas e dispersas
As etnias ibéricas no sangue amalgamadas
Seus credos e valores, nossa plástica moral
O pecado primitivo e o paradoxo nacional:
Defeitos hediondos e virtudes afamadas
Subsistem n´alma visões de um mítico oriente
E de traços setentrionais longevas inspirações
A galhardia negra e índia também é presente
Matriz das nossas controvertidas paixões:
Fincadas no inconsciente, a ganância e a luxúria;
E o Amor, da herança se opondo à parte espúria
POEMA SÁFICO
Delicados afagos azuis, teus olhares me aquecem,
Confortam; a ti descortino meus multifários arcanos
Para que chores em silêncio comigo meus desenganos
E te rias das alegres virtudes que me convalescem
Suaves brisas cariciosas, tuas mãos me conhecem
A toques tímidos; levam-me ao limiar de reluzentes anos
Onde teus lábios noites viris me farão esquecer e seus danos:
O golpe dos brutos, que até hoje meu corpo e alma adoecem
Teu corpo, virgem enseada para aportar Titãs; entanto,
É divergente no desejo; aspira por igual arquitetura:
Templo de prazer sem contraste, só amena ternura
Teu espírito, diamante lapidado com lumes de encanto
É poesia transbordando no seio de cada sentimento
Uma que só o feminino pode ler com entendimento
O TROCO
Fingir
Sujeição
Aspirando
No entanto
À ação
A voz
Recolher
Humildemente
Pôr-se calado
Até soar
O canhão
Na forma de brado
Cogitabundo
Em sua aurora
Dizem-no triste
Mas prepara
Entrementes
O domínio das mentes:
Mil argumentos em riste
O corpo torturado
Não a alma: intemerata
Sem cortes, sem sulcos, sem data
Quebrantado
Agora
Mas forja-se
Na fornalha das horas
De sonhos
Fendido
O peito
Mas segue multiplicando
A carne no leito
Dócil, segue
Transigindo
Para que tudo se vá convergindo
À revelação do segredo:
Não tem mais medo
E os inimigos
Desapercebidos
Zás!!
Estarão mortalmente feridos
AOS ESCRAVOS DE TODOS OS TEMPOS – I
Antes, a corrente gravava na carne sua insígnia
Sabiam-se os algozes, binária a lógica do mundo
E houve até escravo idealista que, meditabundo
Sonhou e levantou-se para pôr fim a tanta ignomínia
Mas fracassou... Hoje, o grilhão também é ideal:
Com boa indumentária escravo há que se crê liberto
Não é senão autômato que representa a cada gesto
Grotescas personagens de um Espetáculo brutal
E os há ainda escravos como na Idade Antiga
A pão e circo, eterna via-crúcis de humilhações
Massa amorfa condicionada à miríade de prisões
Qual símbolo, que face representa a hoste inimiga?
Toda ideologia pulverizou-se: grito perdido no vento
E todo idealismo resume-se a um ineficaz lamento...
AOS ESCRAVOS DE TODOS OS TEMPOS – II
No escravo, o fogo que sublime e feroz fulgiria
Arrefece e é cinza ante o silêncio e o medo
Carrascos que lhe impõem miserável degredo
O de si mesmo; e ele acata quando subverteria...
Dê escravo ao seu alquebrado coração um lenimento
Creia no sonho que lhe faz humano e creia no desespero
Reúna as suas dores e delas ergue um homem inteiro
E lute para ser livre, que é o único sacramento
Diversa Roma se nos impõe (quantas ainda sobrevirão?)
A de Enéas tremeu ante o braço viril da escravidão:
Spartacus! Epopéia escrita em sangue, libelo
Contra um mundo que flagela qual pesadelo
Sonho épico alastrando-se no invisível do ar
Com a imorredoura canção da liberdade a ecoar
B R A S I L
Pungente mosaico de contradições não resolvidas
A pátria amada sonha o ideal da justiça e da igualdade
Atormentada pelo passado, do porvir tem saudade
Mas lá também suores de Hercúleas lidas
Hesitante e trôpego, o colosso com passos vagos
Percorre a trilha de seu histórico e cruel labirinto
Junto a si o povo que erra deserdado e faminto
Ainda esperando a utopia e seus cariciosos afagos
Civilização tropical portadora da áurea promessa:
Inventar uma existência feliz, produtiva e sem pressa
Todavia, tal primavera é apenas botão neste instante
Mas que há de mudar em idílico jardim de doces frutos
Que este povo heróico já não tolera o açoite dos brutos
E uma elite venal de seus ideais dissonante
ESPÍRITO SUPERIOR
Para Ana Carolina
Derradeiro limiar da História:
Culto, belo, delicado, definitivo
Sopro suave detendo o fogo furtivo
Do Mal, arejando-nos com a glória
Espírito luminar, esclarecendo
Elogio da busca, amor à Verdade
Impoluta sacerdotisa da Liberdade
Plúmbeos céus de ferro alvorecendo
Afrodite mil primaveras espargindo
Com o orvalho dos sorrisos cariciosos
Contra a torpe bruteza dos impiedosos
Heroína organizando e reagindo
De vastos distintos orbes reminiscências
Se lhe revelam. Berço das múltiplas consciências
Vejam! Transluzindo arrebatada aos ares!
Proferindo axiomas e intuições estelares!
SOBRE UM TEMA DE TORQUATO NETO
Eu sou como eu sou
Poeta
Traduzindo com a verve
A meta
Que o caos traçou pra mim
Por todos os meios
Até meus fins...
Eu sou como eu sou
Cobarde
Hei de abrandar o sol
À tarde
Também à luta
Me visto
Agarro-me aos sonhos
Que a mim mesmo imponho
E insisto...
Eu sou como eu sou
Debalde
Não me corrói o peito
Saudade
Deslizo nas vagas do
Vinho
Deliro nos braços da noite
Sozinho...
Eu sou como eu sou
Paladino
Dobrando o sino
Das revoluções
Extemporâneas
Preparando nossos corações
Para as guerras e para as manhãs
E louco
Rouco de bradar veleidades
Porque pouco capaz de saber
Das Verdades
E do Amanhã...
SEM DÓ, A MORTE O HOMEM DESMASCARA!
Sem dó, a Morte o Homem desmascara!
Olhai esta bela jovem, a se decompor
Ontem, lânguida de desejo se entregara
Ardente e sussurrante ao deus Amor
Sonhos puros, que nada ainda os maculava
Lembro de seus olhos noturnos, amanhecendo
Num esplêndido dia, cujo fulgor auxiliava
A humanidade a convalescer da hipocrisia
Seus sentidos lançados aos pedaços
No silente enigma da física atômica
A inteligência, de habilidosos laços
Tragada numa vertigem astronômica
Espelho implacável, a Morte revela
Nossa face de fragilidade e impotência
Agora, dai-me licença, vou acender uma vela
Ajoelhar e chorar junto ao corpo dela
ENERGIAS BRUTAIS
Fonte inesgotável: o pensamento
Forças omnipotentes: à revolução
O porvir se reescrevendo com a nossa mão
Que a história é o nosso experimento!
Mover a Terra com um nobre sentimento
Que venha às derrotas a reação
O que na vida sublima o coração
Não teme o último momento!
Energias brutais semear no vento
Empresa dos que clamam por igualdade
A morte vale à pena, se a chama arde!
Humanos, erguei-vos com um puro alento:
Honrar o sonho e o sangue dos que lutaram
Dos que tombaram ermos e acreditaram!
DOIS POEMETOS
1)
Antes que o sono venha
A romper a veia
Da memória
Visto-me à vitória
Antes do crepúsculo
Treino o músculo
E a mente tímida
Para desarranjar lógicas
O frio antes de me gelar a veia
Embriago-me do sol
E de sereias
Nos olhos, a urgência dos tempos
E dias de enfrentamentos
2)
Ascende o sol nas retinas
Repletas de amanhãs
E manhãs cristalinas
Arde a flama olímpica
No coração
Imaginar
Nova estação
O olor inebriante
Das primaveras
Toma-me celeremente
À alvorada da mente
As culpas, os medos
O medo da morte
Fenecem
O que era silêncio
Transmuta-se em melodias
Às vibrações de outros dias
Assim, ouso o sonho
E como um pedreiro
Ergo a própria obra
E a obra coletiva
Tudo que é sublime
Imprime-se nos atos
De fé e ousadia
DOIS POEMETOS
1)
Viver integralmente
A própria finitude
Viver e morrer tudo
Dentro e fora de tudo
Ser o suave e o rude
Perseguir a totalidade
Da própria incompletude
Tudo nutrir e secar
Tudo sentir e negar
Até a grande solidão
Ataúde
Morrer
Na fugaz
Eternidade
Das horas
Renascer
Na aurora
Do íntimo
Mistério
Ser mais torto e reto
Amiúde
Sonhar (-se)
Ensandecido
Esquecer (-se)
Ser esquecido
2)
Só o silêncio a ser dito
Num surdo e estático grito
Nada a viver, mas a morte
Íntimo consorte
Desflorecer a aurora
No insulamento da hora
Nada a urgir na consciência
Castrar a concupiscência
Cultuar humanos flagelos
Defenestrar ingentes anelos
Cingir-se ao deletério
Leve
Repousar
Nas asas do mistério
ÀS PUTAS
Saciado na ciência de um leito multitudinário,
Esquivo-me da virgem presunçosa que me pretende
E rio-me do pregador hipócrita que defende
A supressão deste prazer consuetudinário
Porque menoscabar uma multimilenária ocupação?
Acaso sabe a dama o que sabe a mulher do arrabalde?
Acaso não nos deixam mui contentes, com saudade
E revigoram os liames da mente e o coração?
Soporífero quanta vez o regaço da jovem virtuosa
Melancólica pode ser a castidade, acre e fatigosa
O que de infame haveria em amar com as putas?
Também elas rezam, como nós, antes da labuta
Também filhas de Deus, como a rainha da Inglaterra
Ora, e no fim não vamos todos namorar com a terra?!
V I D A !
A vida é o paradoxo do entendimento!
Vede! A beatitude e o horror congraçados
Dialética e imortalmente irmanados
Artífices do humano experimento
A hecatombe, o holocausto do sentimento!
Delitos, perfídias, culpas nunca expiados
Sonhos e paixões e ideais desvirtuados
Num turbilhão de incognoscível movimento
Uns desfolhando os planos malogrados
No doído escaninho do esquecimento
À cruz dos severamente castigados
Só misérias, só padecimento
Outros, de casto lume embriagados
No ingênuo, fútil, tolo alheamento
Das almas e dos corpos saciados
Por graça de um vil sorteamento
ADMIRÁVEL MUNDO NOVO
Deus e o diabo somos nós, irmãos humanos
Nossos desejos viscerais, contraditórios
De resultados luminares e proditórios
Imensuráveis amores e ódios levianos
Adiante, no entanto, o além-do-humano
Quando toda miséria é mero palpitar surdo
E a dúvida é extinta, que banido o absurdo
Da Civilização, já liberta de todo engano
Mas lá, quando traduzido o arcano derradeiro,
Que se imaginará? Todo pedaço será inteiro?
A onisciente e estéril satisfação tecnológica...
E impregnados da nova, pura e voraz lógica
Nossos herdeiros, deuses inúteis, embriagados
Na perfeição fastidiosa calarão, entediados...
PEQUENO POEMA DE INSURREIÇÃO
Desfaz-se neste meridiano a aurora
Remodela-se o homem ante uma diversa realidade
Já vejo vir batalhas ardentes e fatais
Que só travam aqueles que ouvem
A própria voz e ousam
Vitórias, derrotas... Batalhas
A obra a compor
Nenhuns outros passos: ao leste
A ausência cumprida
Sepulto-a às margens de remotos rios:
Serenas lembranças da inocência
Nesta hora, o aço! O golpe do braço!
Retomar a ponte desfeita
Abrir portas para o mundo
A lida única que me ensinaram os pais que tive
Capitulei, mas basta!
Ao cume do Olimpo
Roubar o fogo divino
Outra vez
Sonhando em fazer amanhãs
Com vocês
PEQUENO POEMA DE SEPARAÇÃO
Corpos que não se entregam
Olhares oblíquos ou indiferentes
Rostos lívidos de cansaço
Mãos distantes, severas; o toque é acidental
O ninho de amor está frio
Agora, só reminiscências, só saudades
A casa é um relicário de imagens:
Fantasias sepultadas, filhos proscritos
Aquelas viagens inesquecíveis nunca feitas...
No leito do amor de outrora
Silêncio tumular entrecortado
Por prantos ressentidos
E ásperos solilóquios
A vida parece arrastar-se
A hora parece arrastar-se
Antes, o tempo era regulamento conservador
Para os apetites da carne e o encontro das almas
É a dúvida, que tudo devasta como fosse procela
Que lacera como punhal
Tudo foi inutilmente?
A cama compartilhada, os sonhos compartilhados,
O riso compartilhado?
O espelho partido desfaz a vida em mil pedaços
Lá fora, o mundo é o mesmo remoinho de vidas
Entrechoque de gentes, ódio e carinho
Mas amanhã é outro dia
E tudo pode recomeçar...
SONETO DA ESPERANÇA PASSIVA
A esperança invade a veia do povo e o embriaga,
Como uma noite que obscurecesse seu entendimento.
Esperar?! O derradeiro, quiçá o fatal movimento
De uma hoste que o medo arrefece e esmaga.
A eloqüência do líder a alma do povo afaga.
Mas, que palavras realizaram que sonhos?
Palavras são artifícios pueris e enfadonhos
Com os quais fingimos mitigar nossa chaga!
É verdade que tua hora sussurra na brisa, Sul-Americano.
Teu olhar, férrea hematita, mira uma civilização tropical,
Onde a igualdade, áureo sol, irradie todos os dias do ano.
Mas como? Se a sujeição ao divino te faz prescindir do real;
Se crês ser teu líder alguém infalível, sobre-humano;
E abdicas do próprio ideal, que é cabal, sem engano...
LIVRE NASCESTE, MAS QUANTOS TE ALMEJAM ACORRENTADO...
Livre nasceste, mas quantos te almejam acorrentado!
Estupefato com o drama humano, abúlico, inerte
Esquecido de que o sangue esquenta nas veias e ferve
E a reação é legítima contra os que te têm açoitado
Resoluto nasceste, mas quantos te querem claudicante!
Porque previsíveis teus movimentos não surpreendam
E os pensamentos tímidos, pueris não transcendam
A lógica inimiga; um débil, venal, mendicante
Projeta o status quo curar-se das células cancerosas
Para que tudo opere num certo intervalo de confiança
Onde se evite súbitas sublevações morais perigosas
Tua nova visão, supremo ideal, revolucionária ânsia
É o câncer temido (embora estejas só, por enquanto...)
Mas é fatal mudares teu choro em magnífico canto!
T I T Ã
Céu e Terra certa vez, e com ardor, se amaram.
O fruto, virtude celeste, força telúrica, é Titã
Empenhadíssimo em conceber o amanhã
Com verdades que milhões não decifraram...
Nas fibras do seu coração vicejou inabalável afã:
Derramar luz em sendas que se conspurcaram
Sanar as mentes que as trevas deturparam
Para a existência brilhar lúcida, cabal, sã...
E os pusilânimes, os ignaros dele duvidaram!!
Não sabiam que proviera de atemporal clã
Cujos antepassados são deuses que sempre conquistaram?!
A boca seca da invídia lhe disse: tua intenção é vã!
Como? Se nela inteligência, força e ousadia se mesclaram
Produzindo êxitos que a Céu e Terra já tanto orgulharam!
PARA ARTHUR RIMBAUD
O desregrar-se: tua mira,
Alvo só por ti subjugado.
Foste um recriar-se dia-a-dia,
Recriando-se te fizeste mito raro.
Dos covardes acentuaste a hipocrisia,
D´outros, a candente invídia temperaste.
Qual ventre ornou-te de ousadias,
Mas descuidou-se dos excessos aparar-te?
Anjo & Demônio, belo torto,
Bateau ivre em amores puros e violentos.
Visionário do sol, em longes mares absorto,
Precursor de ignotas estradas e alentos.
De poder impossíveis, tu brincaste,
E os fez, avidamente, timoneiro-mor.
Sobre os alvos pés a Poesia dobraste,
Que em tua alma ébria foi maior.
Inda precoce imberbe (fugaz fulgir),
Cansaste do vigor dos versos singulares,
Abandonando órfã a Poesia, a desflorir.
Arte, pátria, amor, não eram mais teus lares.
Urgia da ágil sina provar os mil sabores,
E então andarilho, traficante, hippie pioneiro.
Perdeu-te o mundo, perdeu-se alhures,
Dormindo para repousar no Olimpo, altaneiro.
M U S A
Chamar-te no calor da noite
Que a ausência é um açoite
Desvelar com afã juvenil
Teu corpo primaveril
Amar-te nas chamas da cama
O sol de quem ama
Devorar-te a carne na fome
Esse desejo do homem
Beber-te toda na sede
Teu suor, tua seiva, teu leite
Aquecer-me entre teus pólos
Alvorecer em teu colo
M U S A - II
Na tua carnadura
Meu desejo estaciona
Embriagado
Seja claro dia
Seja noite escura
Jamais recordando
O passado
Navego-te caravela
Nas tuas profundezas abissais da alma
Faço água, transbordo a qualquer bordo de ti
E nunca mais tenho calma
Tens-me na palma da mão
Periclitante falta de precaução
Valha-me meu coração
Mas contigo também gozo o cio das madrugadas
As exaustões mais cansadas
Até o raiar das manhãs
Mas contigo também olvido o estertor
Dos moribundos
O retinir das espadas
E as F l o r e s M a l s ã s
O PASSAGEIRO DAS HORAS
O Homem é consciência de si próprio.
Auto-caritativo, faz nascer do vazio que lhe cerca os fantasmas sagrados de um Deus humanado e de um Homem deificado. Tolamente, ignora, ou talvez apenas finja ignorar, que o vazio que lhe cerca e que lhe oprime é o deus a venerar, a beleza da sua humanidade, o sentido da sua hora, a poesia pungente da sua vida.
O Homem é o único mistério (teoriza outros para esquecer sua confusão e solitude).
Caminha, tropeça, levanta-se. Resiste.
Bêbado no eterno embate entre a aceitação dos fatos e sua negação.
Pergunta-se sem obter respostas e segue carregado pela grande miragem das horas.
No cimo da jornada, pranteia, saudoso do tempo ido, e mergulha outra vez no leito eterno, que é o nada.
Nasce só, vive só, morre só.
Escravo da sua inteligência,
Num golpe de auto-engano,
Elabora respostas para seu enigma
Enquanto intoxica-se com todas as ilusões que inventa:
Amor, dinheiro, poder, religião, conhecimento...
Mas é simplesmente pó!
Olha-se no espelho e, comovido,
Relembra a paz do útero materno,
E o amor incondicional da tenra infância...
Sonhos passados, levados pelas vagas do tempo...
A íntima dor humana é a morte:
Pesadelo e angústia dos vivos
Abismo que nos espreita, sorrateiro
Dor que confrange o peito
Hino que cantamos de cor
Fado inexorável
O medo da morte é uma paixão humana
A condição do Homem é um duplo:
Sopro de luz e treva
Padecimentos e delícias
Fugas e enfrentamentos
Acaso é a lei da vida
Acidente no percurso da matéria pelos espaços inauditos
Fragmento infinitesimal do tempo, do espaço, do universo
Devaneio baldadamente sonhado pela conflagrada Mente Divina...
FRAGMENTOS POÉTICOS
Quem ama esquece a vida
Refém da cruel desdita
A hora, o mundo, a lida
Esquece-as. Todas malditas...
Quem ama só lembra a ida
Ao Hades, resgatar Eurídice
Enquanto no mundo a ferida
Gangrena, que alguém lhe disse...
O amante só vê o vazio da cama
Entregue a seu sonho particular
Fazendo o mundo esperar
Até conquistar quem ama...
O amante enxerga o mundo em calma,
Sem contradições; nas teias da própria trama
Se enlaça; só ouve os lamentos d´alma
Atordoado com seu miserável drama...
FRAGMENTOS POÉTICOS
A cólera do homem cairá
Cedo ou tarde sobre o homem
O sonho humano intervirá
Cedo ou tarde na história
Sonho e cólera, confundidos
No fim, homens para si
O homem matará o homem
O homem salvará o homem
Encetará outra história
Sem a mácula da lágrima dos inocentes
Proscreverá as lutas fratricidas
O novo homem a aflorar
O homem e seu sonho
Reviverão
A ira humana espreita
Entre o caos e a perfídia
Tremei homens-moeda
Rostos sem face
Urubus na nossa arte
Temei
Da história esta a nossa parte
FRAGMENTOS POÉTICOS
Para qual esfera resvalou o instante,
Miragem fantasmagórica da consciência?
Vindo do nada que houvera antes
Urdindo o vazio da impermanência!
A fragilíssima contextura do agora,
Sombra informe, delirante, acuada
Quando irrompe, morre; implora,
Mas não poderá ser prolongada!
O momento é néctar e veneno
A vida, sensações em convulsão
Então, torna teu drama ameno
As coisas não foram, nem serão!
ANTI-HERÓI
O anti-herói, inebriado de lânguida preguiça
Nauseado com a futilidade da lide ignominiosa
Permite-se não sucumbir à sina tão odiosa
E se espalha no leito e grunhe e se espreguiça...
Acorda, sem pôr-se de pé: é o peso da cotidiana azáfama
Mas que ninguém lhe vá discursar sobre o labor urgente
Que sonha ser filosofia e arte o nobre destino da gente
“Dinheiro pra quê ou poder?”, prefere as coisas diáfanas...
Mal-reputado e falido, o anti-herói parece em paz!?!
Que de muito errado haveria com ele? Néscio? Louco?
Por que o tudo pra tantos pra ele é mísero e pouco??
Não está no script desdenhar assim de paradigmas assaz
Consagrados! Mas vejam: mãos dadas com o Zé Ninguém,
Meu Deus, parece-me ver a Verdade indo com ele também!
A DESCENDÊNCIA DE ADÃO (OS EXCLUÍDOS DO PARAÍSO)
Inspira o império dos sentidos, expira delírios
Sonha, pensa, age, teima ter nas mãos sua sina
Inda crê na sucessão da esfera telúrica a uma divina:
Remissão das culpas, compensação dos martírios
Abandona-se ao cio das prostitutas beleza e vitória
Sorvendo seus corpos e almas com insopitável luxúria
E violenta a verdade e a honra com beligerante fúria
Depois, brinda à morte com o sangue venal da glória
É libertino, mau-caráter, implacável, fereza bruta
Desde que o mundo é mundo e o homem, gente
Profusão de talentos, mas flagelo de cobiça ingente
É o crucificado também pregando o que ninguém escuta...
Psíquico, moral e genético mosaico de recônditas partes
Dia e noite confrontando-se em épico-fatais fins de tarde...
É UM MECANISMO DE DEFESA HUMANO...
A vida dói sobre os ombros
Pesa insuportavelmente sobre os sonhos, sufocando-os
Degenerando-os em pungentes exercícios de imaginação: o que teria sido e não foi...
Também as horas desfazem nossos corpos e mentes
Tornando-os horrendas caricaturas de si mesmos...
De lágrima em lágrima a dor e a decepção corroem nossa orgânica estrutura
A fé a perdemos ante o inexplicável do caminho
A calma, a dignidade as vendemos ao mercado pela subsistência ou por 15 minutos de fama...
Entretanto (é contraditório, é paradoxal, eu sei)
Cada centelha de tempo que se apaga
Cada suspiro que nos escapa aos lábios
Cada dor secreta que violenta nossa frágil alegria
Correspondem a um ânimo, a uma vibração que se vão acumulando em nossas asas imaginárias, sim, nas descomunais e vigorosas asas que nos inventamos
E assim, quanto mais o inferno puxa-nos para suas profundezas mais o céu abre-se para nós como nossa verdadeira moradia
É um mecanismo de defesa humano...
Cada vez que a vida apunhala-nos no peito e o tempo sufoca-nos a garganta e o mundo ata-nos os membros
Simplesmente renascemos, ressurgimos maiores, melhores, mais gloriosos
Abrimos nossas asas e planamos feito águias altaneiras
Feito anjos: exatos, puros, incólumes
Mais distantes da mediocridade terrenal
E assim vencemos a dor, o cansaço, a doença
Como uma mágica de cunho filosófico, existencial; uma mágica simples e perfeita; se preferir, pode chamar de a maior alquimia humana, que transforma raiva, medo, frustração em arte, renovação, solidariedade
Quanto mais a vida quer dobrar-nos no chão
Mais alto, mais longe alçamos vôos na amplidão
É um mecanismo de defesa humano...
FÉ!
Qualquer coisa sobrevirá a nós
O que é, esvaecerá (terá sido?)
Dos silêncios atemporais à voz
Da consciência, daí ao desconhecido...
Qualquer nascente descansa em foz
Indo, o rio consome, é consumido
As civilizações estão sempre a sós
Plantando o que outras terão colhido
Mas alguma coisa humana quedará
Inoculada nas trilhas do Tempo-Espaço
(como o solo, que marca a força do passo)
O que será? A fé! Que percorrerá
Múltiplos e amplos Nadas do universo
A arrebatar-lhes o Tudo submerso!
A PAZ
Sereníssima imagem da justiça e candura.
Anjo adorado que sob suas cálidas asas
Dar-nos-ia abrigo e desfaria as mágoas,
Dirimindo a vontade cruel e mais dura.
Perseguida, porém, agoniza em sua cela,
Por escravos do ouro e da guerra golpeada.
E os Arautos do Apocalipse, em cavalgada
Avançando contra a idéia humana mais bela.
Cordeiro humilhado, arrastado à cruz
Por implacáveis soldados da morte: panteras
De sépticas garras, que infeccionam as eras,
Erguendo urbes sem alma e templos sem luz.
Trabalho de Sísifo, das Danaides.
Paixão volúvel, fantasia romanesca.
Fruta que estragou antes de fresca
No estéril jardim da Humanidade!
ENTRE OS OPOSTOS EXISTE UM ELO...
Entre os opostos existe um elo:
Ímã pondo a convergir suas essências
E um recíproco e apaixonado anelo:
Entre si exaurir suas potências
Mas entre eles também existe o regelo
Da dessemelhança, cego às mutuas querenças
Um insubsistente e sempre olvidado zelo
Refém de ódios erguidos de ignorantes crenças
Já entre os iguais cristaliza-se o flagelo
De tabus imemoriais, empedernidos:
Resquícios de tempos já consumidos
Mas entre eles também resplende o belo
Fundamentado na glória dos ideais atingidos
E numa paz perpétua, sem vencedor ou vencidos
E P I T Á F I O
Os últimos suspiros de uma era!
Tudo é sombrio, ainda amalgamado
Mas, um pútrido odor na atmosfera
Nos dá a antever o triste fado...
Já caduco, o paradigma degenera
Demora, mas se exauri; tombará calado
Como o velho, sabendo o que o espera:
O inexorável instante, sempre evitado...
A evolução impõe sua lógica; é fera
Cuja fome tão cedo se terá saciado.
Sua vítima, o humano, desespera...
“E a consciência, seu ideal tão elevado?”
Pudéssemos permanecer... Ó quem dera!!
Mas, vestígios de um império soçobrado...
REFLEXÕES METAFÍSICAS
Quem é aquele que vinte e tantos anos após a estréia no insólito, plangente e jocoso palco mundano, ainda duvida, ainda duvida bastante, ainda duvida de tudo: de si, dos outros, da realidade, dos fatos, dos livros (e por isso mesmo desconfia que nada é verdadeiramente importante porquanto nada é verdadeiramente real)?
Quem é aquele que tempos depois de romper o hímen da consciência, duvida da sua própria, das alheias, estejam aqui ou algures (melhor mesmo seria usar o termo nenhures, porque só habitamos nossa própria mente!), e olhando as pessoas vê apenas a noite que as aguarda, paciente e resolutamente; e ouvindo as pessoas, ouve, sobretudo, o sonoro silêncio que as envolve e engole, tão profundo, doce e calmo que até as embala (e dançam magicamente com sua própria morte!)
Quem é aquele que tocando as pessoas desconhece seus corpos, seus desejos, suas necessidades, porque está para além deles, olha, sente, ouve e fala para além deles, para algo e alguém que está além deles. Quem é o infeliz agraciado com este dom noctífero?
Quem é aquele que antes da pequena morte do sono, mirando as trevas, como um Hamlet sem a poesia, questiona: Existo? Existem? Existimos? E se existo, e se exisitimos, o que é o existir, o que é a existência? Um fato concreto, num dado momento da dialética relação Espaço-Tempo? uma idéia, um ideal inoculado em nossas mentes; o dogma de alguma mitologia senil; um preconceito espurco; uma sensação fugaz; um desejo ardente; um abscesso; um estupor; uma vertigem; ou simplesmente uma mentira ordinária na qual acreditamos porque é bom e fácil de acreditar? É uma causa, uma conseqüência, um meio, um fim, um mistério insondável, insolúvel, ou talvez o óbvio ululante ou qualquer coisa desimportante (então, meus questionamentos seriam inúteis)? Há, além disso, alguma importância superior no fato de existirmos?
Quem é aquele que se faz tantas perguntas, e prossegue: pode a existência ser uma equação matemática? Ou seria a existência o que a mente traduz do mundo que nos é exterior, e que apreendemos pelos sentidos, e descodificamos pela razão? Ou a mente inventa o mundo exterior, do qual supostamente fazemos parte, e depois de inventá-lo nos faz acreditar nele? E se isso for verdadeiro, se minha mente inventa tudo, então somente eu existo? Os outros são miragens, no deserto da minha existência? Mas aí todos os demais poderiam pensar a mesma coisa: apenas eles existem, enquanto indivíduos de carne e osso, enquanto indivíduos que riem e pranteiam; os outros são fantoches, coadjuvantes atuando no filme de suas vidas... Conseqüentemente, a humanidade seria um vastíssimo conjunto de alienados vivendo em universos paralelos, separados, próprios a cada um. Idéia terrivelmente fantasmagórica!
Há outra possibilidade: e se todos formos sombras de um mesmo objeto multifário-incognoscível (assumir esta hipótese o torna cognoscível?); existimos todos, existi tudo num amplíssimo conjunto onde cabem infinitos subconjuntos, que se re-combinam ad infinitum, às vezes aleatoriamente, às vezes premeditadamente; existimos num lugar onde tudo é possível e onde as coisas todas e suas antíteses co-existem, existem simultaneamente; existimos eternamente (não importa que morramos, neste exato momento somos eternos); enfim, existimos em Deus (eu sei que o vocábulo Deus está deveras desgastado, mas foi o melhor termo que encontrei para expressar essa intuição). Deus não é um problema metafísico, de fé, de medo, de justiça, de uma moral universal ou de vida após a morte. Deus é uma questão lógica (e, obviamente, as religiões são um erro que já perdura por tempo demais, um delírio estúpido). Deus é, simplesmente, o INFINITO DE POSSIBILIDADE DAS COISAS ou AS COISAS E SUAS POSSIBILIDADES INFINITAS.
Deus existe e fazemos parte dele, assim como os vírus e as bactérias fazem parte da natureza e a estupidez tão ativamente faz parte da humana natureza.
E o mais sensacional: não há nada de extraordinário em tudo isso!
Ou há?
NORMINHA
(para minha amada mãe)
Nossos momentos: suaves encantos, com tua presença
Acolhidos em ti, revigoramos na beatífica luz dos teus círios
És rara: a que transfigura em sonhos douradouros martírios
Fortalece o corpo e a alma e ajuda a debelar a doença
Difícil nos é decantar tuas virtudes condignamente
Já a Graça Divina, de forma cabal o fará, no infinito
Porque és discípula fiel daquele que fez do amor o seu grito
Com Ele tendo o bem aprendido, que fazes silenciosamente
Tua suavidade é fortaleza e teu silêncio, congraçamento
A empatia te guia na heróica missão das almas caritativas:
Adentrar as celas em que as pessoas padecem cativas
e, como um Héracles a libertar Prometeu, dar-lhes alento
Erguer-se como diante do mundo sem tua coragem
Que nos sustenta com profundas lições de fé e amor?
Não é o elixir das tuas palavras, ensinando o destemor,
Que nos tem salvaguardado nas intempéries desta viagem?
Nosso anjo da guarda! Cálida morada de luz e ternura!
Perenal sol que nos impõe continuar florescendo,
Cujo calor impede nosso ânimo de ir decrescendo
E nos levanta para desafiar e vencer a amargura!
FRAGMENTOS POÉTICOS
*
sim, meus amigos
é verdade
cansei-me de mim
cansei-me de mim
irremediavelmente
também, se me permitis
cansei-me de vós
daquelas cenas banais
que representávamos
cotidiana e desafortunadamente
sim, meus amigos
cansei-me de vós
irremediavelmente
decrépita a antiga face
cegos os velhos olhos
muda a boca senil
superados os temas da remota personagem
sepulto-os num cemitério de memórias
a exaustão também chegou às vossas partes
cenas que cumpristes sempre diligentemente
e que cumpris ainda
mortificados
de quando em quando
mundo, gente, é urgente sermos outros
viver a mesma vida cansa
mudança é a constante na matemática do tempo
o que me é posto agora é renascer
glória efêmera
profundo mistério
e sentido da nossa natureza
do pó ressurjo, mitológico
avançando no curso ontológico
desse rio
*
viver cansa
decerto / deserto
mas não há o descanso eterno?!
O mundo é triste, às vezes
mas recolher-se entre quatro paredes?!
Gira o mundo
pressuroso
obsidional
remoinho antropofágico...
mas o sonho humano é imortal
e mágico!
As pernas doem?
Entonteces?
Agarra-te ao fugaz momento!
Entorna a urna de Baco!
As coisas farão sentido a seu tempo...
E se ficares sozinho
Restarão as memórias
E se te derrubarem ao chão
Restarão os braços de levantar
Lembra-te do resto:
O resto é silêncio. . .
*
POEMA CIENTÍFICO
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a
ciência
À noite, as vastidões do nada me aterram!
Tenho estado de Deus uma vida inteira ausente...
Ajuda-me Senhor a desvendar o tudo no nada presente:
Quero vislumbrar o espaço infinito no átomo
Quero sentir a eternidade nas asas do átimo
Quero ver e sentir muito mais, muito além
Do que se vê e sente
Os abismos incomensuráveis da matéria é fera
Que enregela as fibras do meu coração
Sei agora - sabemos todos:
Nossa mente para crer fora forjada
Por um martelo e uma bigorna divina
Porque só assim faz sentido e suporta-se
Esta brevíssima e agônica jornada
Sou um falso profeta da matéria
Do frio silêncio universal...
Tudo mentira banal!
Sou um falso crente do acaso e da probabilidade
Porque em tudo agora vejo um sentido e uma verdade
SONHOS
Meus sonhos iluminam-se da tua arcangélica beleza
Neles, ponho-me aos pés da tua nudez, arrebatado
De ti, toda minha natureza tem-se ocupado
Em êxtase tem vivido e estado acessa
À tua regência, meu universo inteiro cala
Só o coração pulsa em ardente desejo enlevado
A te esperar, fonte de tudo que é mais sagrado
Secretamente, nele tua voz sussurra e fala
Teu corpo, esplendor da forma, exala perfume inebriante
Que cativa e engana. Já amo mais que Romeu e Dante
E fico cismando as delícias da tua boca, da tua tez
Sentir a nívea doçura do teu corpo, que Deus fez
Embriagado do ardente azul do teu olhar
Perdido no sonho de nunca mais acordar
VÊNUS DE ÉBANO
A lasciva noite jaz na epiderme
Exalando a luxúria dos amantes
A consagrada nudez: inquietante
Visão do Éden; obsessão em germe
Deusa de ébano, lábio africano
Divino lume o viço lhe engalana
O beijo, veneno doce como a cana
A desvairar o varão americano
Negra! Singular perla dos mares
Canto de sirena rasgando os ares
E o Odisseu se arrebatando
Manhã de primavera acordando
Êxtase sublime, loucos devaneios
Vertigens noturnas e seus enleios
D E U S A
A cútis branca, lençol de luz
Que a veste. O púbis negro,
Inflama no ensejo, reluz
Na lascívia do meu estro
O ventre, porcelana delicada
Templo de amores e idílios
A vulva, olente e nacarada
Vertendo o licor dos delírios
As melenas, noites encaracoladas
Escorrendo rio sobre as espaldas
Afogando os seios, pequeninos seixos
As curvas, inebriantes, nos eixos
Olhares vagos, dissimulados
Mil e um amores transviados
VIDA (ou SOMBRA)
Informe, aflita, errante apenas sombra
No ermo da alcova projetada do incognoscível
É miragem a vida, de concretude impossível
Esfinge cujo canto fatal assombra
Outra quimera a realidade, ilusão sensitiva
Divindade nascida da nossa inconsciência e loucura
A urgência infantil de semear luz na infinidade escura
Auto-engano psíquico, superstição cognitiva
O poeta revela, ele sabe: só existe o nada!
Raciocínio, sentimento, paixão: fraude biológica
Que é trama cerebral a existência, é mitológica
Entanto, fingi crer na mentira inculcada
Introjetando o absurdo espetáculo, desconexo
Onde tudo o que somos é vertigem e reflexo
A FERA
A fera vem da sombra ancestral
E sua garganta a noite inteira verte
Que a luz envolve e reveste
Bêbeda, regurgita o Mal
Olhos incandescentes, labaredas queimando
De tanto desejar a Morte, que a espreita
Para juntas pregar a guerra como seita
Que é a constante do quando
Seu ódio asfixia a inspiração da Paz
Forjando miríade de grilhões, de gládios
Que fazem das épocas históricas plágios
O Inferno com suas mãos pode. E faz!
Ela quem é, somos nós?
Nossa oculta face, atroz?
DEUSA II
Porte aristocrático, olhares altivos
Classificando com ares imperativos
Movimentos ligeiros, de bailarina
Fibra de mulher, frescor de menina
O coração semeando a saudade
Volúvel demais para a saciedade
O verbo é um gládio, machucando
A fé cega dos que seguem acreditando
Narizinho aspirando (a)o céu
As mechas da cor do mel, véu
De estrelas refulgentes
Os olhos: sempiternos verões
Ardendo em estrepitosas paixões
Opalas de fogo tão quentes!
ONÍVORO II
Fome audaz, implacável, soberba, profunda
Consciências devoro, civilizações, universos
Regurgito tudo depois, em moldes reversos
E o que a razão aplanava o caos aprofunda
Ó sede inconsciente, primitiva, sede de morte
Minha sorte é o fim fomentar, e o recomeço
Tudo fenece à minha volta, mas permaneço
Avesso vivo; morro; e tudo pode nascer de novo
A culpa e o medo foram assassinados pelo desejo
Absolva-o que ele é a força vital da natureza
A outra face voraz divina infernal da Beleza
Fome, sede, desejo põem-se a inventar o ensejo
Dê-me um segundo e faço tremer a Eternidade!
Um punhal para cravar no coração da Verdade!
REMEMORO A INFÂNCIA...
Rememoro a infância... Deus, onde a guardou?
A criança que fui, repleta da doce inocência, existiu?
Ou apenas miragem que na alcova do Tempo dormiu
Entre as agônicas sombras que Ele sonhou?
Doce é também a consciência que temos da morte
Porque bálsamo se faz contra as dores do mundo
Ponte para um esquecimento sereno e profundo
Visto que o perene é a matéria e só o crê o forte
No instante que se esgota, coisas aos milhões desvanecem,
Consciências e mundos. Deus quer que elas cessem
Apenas Ele, absoluto, comporta outro sentido
Segue o humano, assim, sôfrego do tempo presente –
Essa ilusão dos sentidos. Fingi crer, mas pressente
Que não há glorioso destino que lhe devido
QUISERA AMAR-TE
Quisera amar-te comedidamente
Com hora marcada e a luz apagada
Cheio do casto pudor de antigamente
Sem arroubos românticos
E copiosas lágrimas de ciúme...
Amar-te mansamente, sem os carrosséis de emoção
Dos aficionados em paixão
- essa convulsão dos sentidos
Sem ramalhetes de rosas
As insinuações dolorosas
E os pratos no chão partidos...
Amar-te racionalmente
Como quem quase finge o que sente
Sem poesia, sem saudade, sem plenilúnios à beira-mar
Sem acordes de um violão...
Quisera amar-te
Como uma simples troca de favores à meia-noite:
O mercantil romance finissecular...
Mas tal amor, querida, eu nunca poderia dar...
FRAGÍLIMA A ARQUITETURA DA MINHA VIDA...
Fragílima a arquitetura da minha vida...
O terraplenagem não fixou bases sólidas para a adequada edificação e agora titubeio com suaves brisas cotidianas; nos terremotos da vida, soçobro-me
A argamassa do meu ser orgânico e psíquico é fraca e degenera em risco grave à saúde; tudo é caótico, entrópico e a energia migra para outros universos paralelos de mim mesmo, que desconheço
Sou construção superfaturada cujo material é de qualidade duvidosa e a qualquer momento pode ruir com todos os sonhos dentro
O Grande Engenheiro furtou-se de esmiuçar os cálculos e as geometrias a uma grande obra e agora as informações se contradizem e redundam em estupor entre os empregados que devem erguê-la; meus próprios genes levam-me ao paroxismo e à atimia
É uma falha conatural, mutação gestada e prometida a mim nas labaredas da descendência
Fragílima a arquitetura da minha vida...
PRESO
Preso
Ao Big-Bang
A este universo
Às leis da física, química, biologia
Aos acontecimentos fortuitos que deram origem à vida
À evolução da vida e suas leis intrínsecas
Às particularidades da minha espécie, da minha vida e seus determinantes orgânicos, mentais, psíquicos
A um Deus que me invento e seus mandamentos
A um Deus que se inventam e seus mandamentos
A este tempo, a este pedaço de século, sua técnica, tecnologia, moral, ciência, filosofia
A este sistema sócio-econômico e suas contradições frementes
A esta pátria e língua
A este corpo e mente
Aos genes dos meus avoengos e suas mutações aleatórias
À cultura,
À personalidade
Aos Fatos Sociais
Às variáveis estocásticas que me fizeram quem não sou
Aos meus sonhos e medos, desejos e delírios, fracassos e gloríolas
A estas pessoas, às prisões destas pessoas, à loucura destas pessoas
A esta vertigem e a esta dúvida metodicamente martelada: existimos, de fato?
Não obstante, LIVRE! LIVRE para renunciar a tudo.
E até nisso, preso: preso ao livre-arbítrio, dádiva (e castigo) de Deus aos homens
Livre para renunciar a tudo!
TEU OLHAR
É teu olhar que lança ao frio e negro firmamento
A energia, o ardor, a luz que o vão despertando
Nele, a infinita amplidão cabe num momento
E, um ao outro, instante e eternidade estão amando
Teu olhar é também uma súplica ao vento
Sussurrada pelo exangue moribundo, quando
A Dama Negra nele fixa seu olhar sedento
Teu olhar é também dor e mágoa castigando
Teu olhar é a Paz (quase nunca o nosso intento...)
Janela onde vemos o Cordeiro as virtudes alentando
E extasiados de beleza olvidamos o destino violento
Teu olhar é uma pungente dor secreta, lancinando
Que provoca multifárias explosões de sentimento
Vendavais de poesia, ondas de paixão e de tormento
BRASILIDADE
Nossas múltiplas raízes, profundas e diversas
Que a longínquas plagas e tempos remontam
Reminiscências ancestrais assim nos contam
Da cultura de civilizações vivas e dispersas
As etnias ibéricas no sangue amalgamadas
Seus credos e valores, nossa plástica moral
O pecado primitivo e o paradoxo nacional:
Defeitos hediondos e virtudes afamadas
Subsistem n´alma visões de um mítico oriente
E de traços setentrionais longevas inspirações
A galhardia negra e índia também é presente
Matriz das nossas controvertidas paixões:
Fincadas no inconsciente, a ganância e a luxúria;
E o Amor, da herança se opondo à parte espúria
POEMA SÁFICO
Delicados afagos azuis, teus olhares me aquecem,
Confortam; a ti descortino meus multifários arcanos
Para que chores em silêncio comigo meus desenganos
E te rias das alegres virtudes que me convalescem
Suaves brisas cariciosas, tuas mãos me conhecem
A toques tímidos; levam-me ao limiar de reluzentes anos
Onde teus lábios noites viris me farão esquecer e seus danos:
O golpe dos brutos, que até hoje meu corpo e alma adoecem
Teu corpo, virgem enseada para aportar Titãs; entanto,
É divergente no desejo; aspira por igual arquitetura:
Templo de prazer sem contraste, só amena ternura
Teu espírito, diamante lapidado com lumes de encanto
É poesia transbordando no seio de cada sentimento
Uma que só o feminino pode ler com entendimento
O TROCO
Fingir
Sujeição
Aspirando
No entanto
À ação
A voz
Recolher
Humildemente
Pôr-se calado
Até soar
O canhão
Na forma de brado
Cogitabundo
Em sua aurora
Dizem-no triste
Mas prepara
Entrementes
O domínio das mentes:
Mil argumentos em riste
O corpo torturado
Não a alma: intemerata
Sem cortes, sem sulcos, sem data
Quebrantado
Agora
Mas forja-se
Na fornalha das horas
De sonhos
Fendido
O peito
Mas segue multiplicando
A carne no leito
Dócil, segue
Transigindo
Para que tudo se vá convergindo
À revelação do segredo:
Não tem mais medo
E os inimigos
Desapercebidos
Zás!!
Estarão mortalmente feridos
AOS ESCRAVOS DE TODOS OS TEMPOS – I
Antes, a corrente gravava na carne sua insígnia
Sabiam-se os algozes, binária a lógica do mundo
E houve até escravo idealista que, meditabundo
Sonhou e levantou-se para pôr fim a tanta ignomínia
Mas fracassou... Hoje, o grilhão também é ideal:
Com boa indumentária escravo há que se crê liberto
Não é senão autômato que representa a cada gesto
Grotescas personagens de um Espetáculo brutal
E os há ainda escravos como na Idade Antiga
A pão e circo, eterna via-crúcis de humilhações
Massa amorfa condicionada à miríade de prisões
Qual símbolo, que face representa a hoste inimiga?
Toda ideologia pulverizou-se: grito perdido no vento
E todo idealismo resume-se a um ineficaz lamento...
AOS ESCRAVOS DE TODOS OS TEMPOS – II
No escravo, o fogo que sublime e feroz fulgiria
Arrefece e é cinza ante o silêncio e o medo
Carrascos que lhe impõem miserável degredo
O de si mesmo; e ele acata quando subverteria...
Dê escravo ao seu alquebrado coração um lenimento
Creia no sonho que lhe faz humano e creia no desespero
Reúna as suas dores e delas ergue um homem inteiro
E lute para ser livre, que é o único sacramento
Diversa Roma se nos impõe (quantas ainda sobrevirão?)
A de Enéas tremeu ante o braço viril da escravidão:
Spartacus! Epopéia escrita em sangue, libelo
Contra um mundo que flagela qual pesadelo
Sonho épico alastrando-se no invisível do ar
Com a imorredoura canção da liberdade a ecoar
B R A S I L
Pungente mosaico de contradições não resolvidas
A pátria amada sonha o ideal da justiça e da igualdade
Atormentada pelo passado, do porvir tem saudade
Mas lá também suores de Hercúleas lidas
Hesitante e trôpego, o colosso com passos vagos
Percorre a trilha de seu histórico e cruel labirinto
Junto a si o povo que erra deserdado e faminto
Ainda esperando a utopia e seus cariciosos afagos
Civilização tropical portadora da áurea promessa:
Inventar uma existência feliz, produtiva e sem pressa
Todavia, tal primavera é apenas botão neste instante
Mas que há de mudar em idílico jardim de doces frutos
Que este povo heróico já não tolera o açoite dos brutos
E uma elite venal de seus ideais dissonante
ESPÍRITO SUPERIOR
Para Ana Carolina
Derradeiro limiar da História:
Culto, belo, delicado, definitivo
Sopro suave detendo o fogo furtivo
Do Mal, arejando-nos com a glória
Espírito luminar, esclarecendo
Elogio da busca, amor à Verdade
Impoluta sacerdotisa da Liberdade
Plúmbeos céus de ferro alvorecendo
Afrodite mil primaveras espargindo
Com o orvalho dos sorrisos cariciosos
Contra a torpe bruteza dos impiedosos
Heroína organizando e reagindo
De vastos distintos orbes reminiscências
Se lhe revelam. Berço das múltiplas consciências
Vejam! Transluzindo arrebatada aos ares!
Proferindo axiomas e intuições estelares!
SOBRE UM TEMA DE TORQUATO NETO
Eu sou como eu sou
Poeta
Traduzindo com a verve
A meta
Que o caos traçou pra mim
Por todos os meios
Até meus fins...
Eu sou como eu sou
Cobarde
Hei de abrandar o sol
À tarde
Também à luta
Me visto
Agarro-me aos sonhos
Que a mim mesmo imponho
E insisto...
Eu sou como eu sou
Debalde
Não me corrói o peito
Saudade
Deslizo nas vagas do
Vinho
Deliro nos braços da noite
Sozinho...
Eu sou como eu sou
Paladino
Dobrando o sino
Das revoluções
Extemporâneas
Preparando nossos corações
Para as guerras e para as manhãs
E louco
Rouco de bradar veleidades
Porque pouco capaz de saber
Das Verdades
E do Amanhã...
SEM DÓ, A MORTE O HOMEM DESMASCARA!
Sem dó, a Morte o Homem desmascara!
Olhai esta bela jovem, a se decompor
Ontem, lânguida de desejo se entregara
Ardente e sussurrante ao deus Amor
Sonhos puros, que nada ainda os maculava
Lembro de seus olhos noturnos, amanhecendo
Num esplêndido dia, cujo fulgor auxiliava
A humanidade a convalescer da hipocrisia
Seus sentidos lançados aos pedaços
No silente enigma da física atômica
A inteligência, de habilidosos laços
Tragada numa vertigem astronômica
Espelho implacável, a Morte revela
Nossa face de fragilidade e impotência
Agora, dai-me licença, vou acender uma vela
Ajoelhar e chorar junto ao corpo dela
ENERGIAS BRUTAIS
Fonte inesgotável: o pensamento
Forças omnipotentes: à revolução
O porvir se reescrevendo com a nossa mão
Que a história é o nosso experimento!
Mover a Terra com um nobre sentimento
Que venha às derrotas a reação
O que na vida sublima o coração
Não teme o último momento!
Energias brutais semear no vento
Empresa dos que clamam por igualdade
A morte vale à pena, se a chama arde!
Humanos, erguei-vos com um puro alento:
Honrar o sonho e o sangue dos que lutaram
Dos que tombaram ermos e acreditaram!
DOIS POEMETOS
1)
Antes que o sono venha
A romper a veia
Da memória
Visto-me à vitória
Antes do crepúsculo
Treino o músculo
E a mente tímida
Para desarranjar lógicas
O frio antes de me gelar a veia
Embriago-me do sol
E de sereias
Nos olhos, a urgência dos tempos
E dias de enfrentamentos
2)
Ascende o sol nas retinas
Repletas de amanhãs
E manhãs cristalinas
Arde a flama olímpica
No coração
Imaginar
Nova estação
O olor inebriante
Das primaveras
Toma-me celeremente
À alvorada da mente
As culpas, os medos
O medo da morte
Fenecem
O que era silêncio
Transmuta-se em melodias
Às vibrações de outros dias
Assim, ouso o sonho
E como um pedreiro
Ergo a própria obra
E a obra coletiva
Tudo que é sublime
Imprime-se nos atos
De fé e ousadia
DOIS POEMETOS
1)
Viver integralmente
A própria finitude
Viver e morrer tudo
Dentro e fora de tudo
Ser o suave e o rude
Perseguir a totalidade
Da própria incompletude
Tudo nutrir e secar
Tudo sentir e negar
Até a grande solidão
Ataúde
Morrer
Na fugaz
Eternidade
Das horas
Renascer
Na aurora
Do íntimo
Mistério
Ser mais torto e reto
Amiúde
Sonhar (-se)
Ensandecido
Esquecer (-se)
Ser esquecido
2)
Só o silêncio a ser dito
Num surdo e estático grito
Nada a viver, mas a morte
Íntimo consorte
Desflorecer a aurora
No insulamento da hora
Nada a urgir na consciência
Castrar a concupiscência
Cultuar humanos flagelos
Defenestrar ingentes anelos
Cingir-se ao deletério
Leve
Repousar
Nas asas do mistério
ÀS PUTAS
Saciado na ciência de um leito multitudinário,
Esquivo-me da virgem presunçosa que me pretende
E rio-me do pregador hipócrita que defende
A supressão deste prazer consuetudinário
Porque menoscabar uma multimilenária ocupação?
Acaso sabe a dama o que sabe a mulher do arrabalde?
Acaso não nos deixam mui contentes, com saudade
E revigoram os liames da mente e o coração?
Soporífero quanta vez o regaço da jovem virtuosa
Melancólica pode ser a castidade, acre e fatigosa
O que de infame haveria em amar com as putas?
Também elas rezam, como nós, antes da labuta
Também filhas de Deus, como a rainha da Inglaterra
Ora, e no fim não vamos todos namorar com a terra?!
V I D A !
A vida é o paradoxo do entendimento!
Vede! A beatitude e o horror congraçados
Dialética e imortalmente irmanados
Artífices do humano experimento
A hecatombe, o holocausto do sentimento!
Delitos, perfídias, culpas nunca expiados
Sonhos e paixões e ideais desvirtuados
Num turbilhão de incognoscível movimento
Uns desfolhando os planos malogrados
No doído escaninho do esquecimento
À cruz dos severamente castigados
Só misérias, só padecimento
Outros, de casto lume embriagados
No ingênuo, fútil, tolo alheamento
Das almas e dos corpos saciados
Por graça de um vil sorteamento
ADMIRÁVEL MUNDO NOVO
Deus e o diabo somos nós, irmãos humanos
Nossos desejos viscerais, contraditórios
De resultados luminares e proditórios
Imensuráveis amores e ódios levianos
Adiante, no entanto, o além-do-humano
Quando toda miséria é mero palpitar surdo
E a dúvida é extinta, que banido o absurdo
Da Civilização, já liberta de todo engano
Mas lá, quando traduzido o arcano derradeiro,
Que se imaginará? Todo pedaço será inteiro?
A onisciente e estéril satisfação tecnológica...
E impregnados da nova, pura e voraz lógica
Nossos herdeiros, deuses inúteis, embriagados
Na perfeição fastidiosa calarão, entediados...
PEQUENO POEMA DE INSURREIÇÃO
Desfaz-se neste meridiano a aurora
Remodela-se o homem ante uma diversa realidade
Já vejo vir batalhas ardentes e fatais
Que só travam aqueles que ouvem
A própria voz e ousam
Vitórias, derrotas... Batalhas
A obra a compor
Nenhuns outros passos: ao leste
A ausência cumprida
Sepulto-a às margens de remotos rios:
Serenas lembranças da inocência
Nesta hora, o aço! O golpe do braço!
Retomar a ponte desfeita
Abrir portas para o mundo
A lida única que me ensinaram os pais que tive
Capitulei, mas basta!
Ao cume do Olimpo
Roubar o fogo divino
Outra vez
Sonhando em fazer amanhãs
Com vocês
PEQUENO POEMA DE SEPARAÇÃO
Corpos que não se entregam
Olhares oblíquos ou indiferentes
Rostos lívidos de cansaço
Mãos distantes, severas; o toque é acidental
O ninho de amor está frio
Agora, só reminiscências, só saudades
A casa é um relicário de imagens:
Fantasias sepultadas, filhos proscritos
Aquelas viagens inesquecíveis nunca feitas...
No leito do amor de outrora
Silêncio tumular entrecortado
Por prantos ressentidos
E ásperos solilóquios
A vida parece arrastar-se
A hora parece arrastar-se
Antes, o tempo era regulamento conservador
Para os apetites da carne e o encontro das almas
É a dúvida, que tudo devasta como fosse procela
Que lacera como punhal
Tudo foi inutilmente?
A cama compartilhada, os sonhos compartilhados,
O riso compartilhado?
O espelho partido desfaz a vida em mil pedaços
Lá fora, o mundo é o mesmo remoinho de vidas
Entrechoque de gentes, ódio e carinho
Mas amanhã é outro dia
E tudo pode recomeçar...
SONETO DA ESPERANÇA PASSIVA
A esperança invade a veia do povo e o embriaga,
Como uma noite que obscurecesse seu entendimento.
Esperar?! O derradeiro, quiçá o fatal movimento
De uma hoste que o medo arrefece e esmaga.
A eloqüência do líder a alma do povo afaga.
Mas, que palavras realizaram que sonhos?
Palavras são artifícios pueris e enfadonhos
Com os quais fingimos mitigar nossa chaga!
É verdade que tua hora sussurra na brisa, Sul-Americano.
Teu olhar, férrea hematita, mira uma civilização tropical,
Onde a igualdade, áureo sol, irradie todos os dias do ano.
Mas como? Se a sujeição ao divino te faz prescindir do real;
Se crês ser teu líder alguém infalível, sobre-humano;
E abdicas do próprio ideal, que é cabal, sem engano...
LIVRE NASCESTE, MAS QUANTOS TE ALMEJAM ACORRENTADO...
Livre nasceste, mas quantos te almejam acorrentado!
Estupefato com o drama humano, abúlico, inerte
Esquecido de que o sangue esquenta nas veias e ferve
E a reação é legítima contra os que te têm açoitado
Resoluto nasceste, mas quantos te querem claudicante!
Porque previsíveis teus movimentos não surpreendam
E os pensamentos tímidos, pueris não transcendam
A lógica inimiga; um débil, venal, mendicante
Projeta o status quo curar-se das células cancerosas
Para que tudo opere num certo intervalo de confiança
Onde se evite súbitas sublevações morais perigosas
Tua nova visão, supremo ideal, revolucionária ânsia
É o câncer temido (embora estejas só, por enquanto...)
Mas é fatal mudares teu choro em magnífico canto!
T I T Ã
Céu e Terra certa vez, e com ardor, se amaram.
O fruto, virtude celeste, força telúrica, é Titã
Empenhadíssimo em conceber o amanhã
Com verdades que milhões não decifraram...
Nas fibras do seu coração vicejou inabalável afã:
Derramar luz em sendas que se conspurcaram
Sanar as mentes que as trevas deturparam
Para a existência brilhar lúcida, cabal, sã...
E os pusilânimes, os ignaros dele duvidaram!!
Não sabiam que proviera de atemporal clã
Cujos antepassados são deuses que sempre conquistaram?!
A boca seca da invídia lhe disse: tua intenção é vã!
Como? Se nela inteligência, força e ousadia se mesclaram
Produzindo êxitos que a Céu e Terra já tanto orgulharam!
PARA ARTHUR RIMBAUD
O desregrar-se: tua mira,
Alvo só por ti subjugado.
Foste um recriar-se dia-a-dia,
Recriando-se te fizeste mito raro.
Dos covardes acentuaste a hipocrisia,
D´outros, a candente invídia temperaste.
Qual ventre ornou-te de ousadias,
Mas descuidou-se dos excessos aparar-te?
Anjo & Demônio, belo torto,
Bateau ivre em amores puros e violentos.
Visionário do sol, em longes mares absorto,
Precursor de ignotas estradas e alentos.
De poder impossíveis, tu brincaste,
E os fez, avidamente, timoneiro-mor.
Sobre os alvos pés a Poesia dobraste,
Que em tua alma ébria foi maior.
Inda precoce imberbe (fugaz fulgir),
Cansaste do vigor dos versos singulares,
Abandonando órfã a Poesia, a desflorir.
Arte, pátria, amor, não eram mais teus lares.
Urgia da ágil sina provar os mil sabores,
E então andarilho, traficante, hippie pioneiro.
Perdeu-te o mundo, perdeu-se alhures,
Dormindo para repousar no Olimpo, altaneiro.
M U S A
Chamar-te no calor da noite
Que a ausência é um açoite
Desvelar com afã juvenil
Teu corpo primaveril
Amar-te nas chamas da cama
O sol de quem ama
Devorar-te a carne na fome
Esse desejo do homem
Beber-te toda na sede
Teu suor, tua seiva, teu leite
Aquecer-me entre teus pólos
Alvorecer em teu colo
M U S A - II
Na tua carnadura
Meu desejo estaciona
Embriagado
Seja claro dia
Seja noite escura
Jamais recordando
O passado
Navego-te caravela
Nas tuas profundezas abissais da alma
Faço água, transbordo a qualquer bordo de ti
E nunca mais tenho calma
Tens-me na palma da mão
Periclitante falta de precaução
Valha-me meu coração
Mas contigo também gozo o cio das madrugadas
As exaustões mais cansadas
Até o raiar das manhãs
Mas contigo também olvido o estertor
Dos moribundos
O retinir das espadas
E as F l o r e s M a l s ã s
O PASSAGEIRO DAS HORAS
O Homem é consciência de si próprio.
Auto-caritativo, faz nascer do vazio que lhe cerca os fantasmas sagrados de um Deus humanado e de um Homem deificado. Tolamente, ignora, ou talvez apenas finja ignorar, que o vazio que lhe cerca e que lhe oprime é o deus a venerar, a beleza da sua humanidade, o sentido da sua hora, a poesia pungente da sua vida.
O Homem é o único mistério (teoriza outros para esquecer sua confusão e solitude).
Caminha, tropeça, levanta-se. Resiste.
Bêbado no eterno embate entre a aceitação dos fatos e sua negação.
Pergunta-se sem obter respostas e segue carregado pela grande miragem das horas.
No cimo da jornada, pranteia, saudoso do tempo ido, e mergulha outra vez no leito eterno, que é o nada.
Nasce só, vive só, morre só.
Escravo da sua inteligência,
Num golpe de auto-engano,
Elabora respostas para seu enigma
Enquanto intoxica-se com todas as ilusões que inventa:
Amor, dinheiro, poder, religião, conhecimento...
Mas é simplesmente pó!
Olha-se no espelho e, comovido,
Relembra a paz do útero materno,
E o amor incondicional da tenra infância...
Sonhos passados, levados pelas vagas do tempo...
A íntima dor humana é a morte:
Pesadelo e angústia dos vivos
Abismo que nos espreita, sorrateiro
Dor que confrange o peito
Hino que cantamos de cor
Fado inexorável
O medo da morte é uma paixão humana
A condição do Homem é um duplo:
Sopro de luz e treva
Padecimentos e delícias
Fugas e enfrentamentos
Acaso é a lei da vida
Acidente no percurso da matéria pelos espaços inauditos
Fragmento infinitesimal do tempo, do espaço, do universo
Devaneio baldadamente sonhado pela conflagrada Mente Divina...
FRAGMENTOS POÉTICOS
Quem ama esquece a vida
Refém da cruel desdita
A hora, o mundo, a lida
Esquece-as. Todas malditas...
Quem ama só lembra a ida
Ao Hades, resgatar Eurídice
Enquanto no mundo a ferida
Gangrena, que alguém lhe disse...
O amante só vê o vazio da cama
Entregue a seu sonho particular
Fazendo o mundo esperar
Até conquistar quem ama...
O amante enxerga o mundo em calma,
Sem contradições; nas teias da própria trama
Se enlaça; só ouve os lamentos d´alma
Atordoado com seu miserável drama...
FRAGMENTOS POÉTICOS
A cólera do homem cairá
Cedo ou tarde sobre o homem
O sonho humano intervirá
Cedo ou tarde na história
Sonho e cólera, confundidos
No fim, homens para si
O homem matará o homem
O homem salvará o homem
Encetará outra história
Sem a mácula da lágrima dos inocentes
Proscreverá as lutas fratricidas
O novo homem a aflorar
O homem e seu sonho
Reviverão
A ira humana espreita
Entre o caos e a perfídia
Tremei homens-moeda
Rostos sem face
Urubus na nossa arte
Temei
Da história esta a nossa parte
FRAGMENTOS POÉTICOS
Para qual esfera resvalou o instante,
Miragem fantasmagórica da consciência?
Vindo do nada que houvera antes
Urdindo o vazio da impermanência!
A fragilíssima contextura do agora,
Sombra informe, delirante, acuada
Quando irrompe, morre; implora,
Mas não poderá ser prolongada!
O momento é néctar e veneno
A vida, sensações em convulsão
Então, torna teu drama ameno
As coisas não foram, nem serão!
ANTI-HERÓI
O anti-herói, inebriado de lânguida preguiça
Nauseado com a futilidade da lide ignominiosa
Permite-se não sucumbir à sina tão odiosa
E se espalha no leito e grunhe e se espreguiça...
Acorda, sem pôr-se de pé: é o peso da cotidiana azáfama
Mas que ninguém lhe vá discursar sobre o labor urgente
Que sonha ser filosofia e arte o nobre destino da gente
“Dinheiro pra quê ou poder?”, prefere as coisas diáfanas...
Mal-reputado e falido, o anti-herói parece em paz!?!
Que de muito errado haveria com ele? Néscio? Louco?
Por que o tudo pra tantos pra ele é mísero e pouco??
Não está no script desdenhar assim de paradigmas assaz
Consagrados! Mas vejam: mãos dadas com o Zé Ninguém,
Meu Deus, parece-me ver a Verdade indo com ele também!
A DESCENDÊNCIA DE ADÃO (OS EXCLUÍDOS DO PARAÍSO)
Inspira o império dos sentidos, expira delírios
Sonha, pensa, age, teima ter nas mãos sua sina
Inda crê na sucessão da esfera telúrica a uma divina:
Remissão das culpas, compensação dos martírios
Abandona-se ao cio das prostitutas beleza e vitória
Sorvendo seus corpos e almas com insopitável luxúria
E violenta a verdade e a honra com beligerante fúria
Depois, brinda à morte com o sangue venal da glória
É libertino, mau-caráter, implacável, fereza bruta
Desde que o mundo é mundo e o homem, gente
Profusão de talentos, mas flagelo de cobiça ingente
É o crucificado também pregando o que ninguém escuta...
Psíquico, moral e genético mosaico de recônditas partes
Dia e noite confrontando-se em épico-fatais fins de tarde...
É UM MECANISMO DE DEFESA HUMANO...
A vida dói sobre os ombros
Pesa insuportavelmente sobre os sonhos, sufocando-os
Degenerando-os em pungentes exercícios de imaginação: o que teria sido e não foi...
Também as horas desfazem nossos corpos e mentes
Tornando-os horrendas caricaturas de si mesmos...
De lágrima em lágrima a dor e a decepção corroem nossa orgânica estrutura
A fé a perdemos ante o inexplicável do caminho
A calma, a dignidade as vendemos ao mercado pela subsistência ou por 15 minutos de fama...
Entretanto (é contraditório, é paradoxal, eu sei)
Cada centelha de tempo que se apaga
Cada suspiro que nos escapa aos lábios
Cada dor secreta que violenta nossa frágil alegria
Correspondem a um ânimo, a uma vibração que se vão acumulando em nossas asas imaginárias, sim, nas descomunais e vigorosas asas que nos inventamos
E assim, quanto mais o inferno puxa-nos para suas profundezas mais o céu abre-se para nós como nossa verdadeira moradia
É um mecanismo de defesa humano...
Cada vez que a vida apunhala-nos no peito e o tempo sufoca-nos a garganta e o mundo ata-nos os membros
Simplesmente renascemos, ressurgimos maiores, melhores, mais gloriosos
Abrimos nossas asas e planamos feito águias altaneiras
Feito anjos: exatos, puros, incólumes
Mais distantes da mediocridade terrenal
E assim vencemos a dor, o cansaço, a doença
Como uma mágica de cunho filosófico, existencial; uma mágica simples e perfeita; se preferir, pode chamar de a maior alquimia humana, que transforma raiva, medo, frustração em arte, renovação, solidariedade
Quanto mais a vida quer dobrar-nos no chão
Mais alto, mais longe alçamos vôos na amplidão
É um mecanismo de defesa humano...
FÉ!
Qualquer coisa sobrevirá a nós
O que é, esvaecerá (terá sido?)
Dos silêncios atemporais à voz
Da consciência, daí ao desconhecido...
Qualquer nascente descansa em foz
Indo, o rio consome, é consumido
As civilizações estão sempre a sós
Plantando o que outras terão colhido
Mas alguma coisa humana quedará
Inoculada nas trilhas do Tempo-Espaço
(como o solo, que marca a força do passo)
O que será? A fé! Que percorrerá
Múltiplos e amplos Nadas do universo
A arrebatar-lhes o Tudo submerso!
A PAZ
Sereníssima imagem da justiça e candura.
Anjo adorado que sob suas cálidas asas
Dar-nos-ia abrigo e desfaria as mágoas,
Dirimindo a vontade cruel e mais dura.
Perseguida, porém, agoniza em sua cela,
Por escravos do ouro e da guerra golpeada.
E os Arautos do Apocalipse, em cavalgada
Avançando contra a idéia humana mais bela.
Cordeiro humilhado, arrastado à cruz
Por implacáveis soldados da morte: panteras
De sépticas garras, que infeccionam as eras,
Erguendo urbes sem alma e templos sem luz.
Trabalho de Sísifo, das Danaides.
Paixão volúvel, fantasia romanesca.
Fruta que estragou antes de fresca
No estéril jardim da Humanidade!
ENTRE OS OPOSTOS EXISTE UM ELO...
Entre os opostos existe um elo:
Ímã pondo a convergir suas essências
E um recíproco e apaixonado anelo:
Entre si exaurir suas potências
Mas entre eles também existe o regelo
Da dessemelhança, cego às mutuas querenças
Um insubsistente e sempre olvidado zelo
Refém de ódios erguidos de ignorantes crenças
Já entre os iguais cristaliza-se o flagelo
De tabus imemoriais, empedernidos:
Resquícios de tempos já consumidos
Mas entre eles também resplende o belo
Fundamentado na glória dos ideais atingidos
E numa paz perpétua, sem vencedor ou vencidos
E P I T Á F I O
Os últimos suspiros de uma era!
Tudo é sombrio, ainda amalgamado
Mas, um pútrido odor na atmosfera
Nos dá a antever o triste fado...
Já caduco, o paradigma degenera
Demora, mas se exauri; tombará calado
Como o velho, sabendo o que o espera:
O inexorável instante, sempre evitado...
A evolução impõe sua lógica; é fera
Cuja fome tão cedo se terá saciado.
Sua vítima, o humano, desespera...
“E a consciência, seu ideal tão elevado?”
Pudéssemos permanecer... Ó quem dera!!
Mas, vestígios de um império soçobrado...
REFLEXÕES METAFÍSICAS
Quem é aquele que vinte e tantos anos após a estréia no insólito, plangente e jocoso palco mundano, ainda duvida, ainda duvida bastante, ainda duvida de tudo: de si, dos outros, da realidade, dos fatos, dos livros (e por isso mesmo desconfia que nada é verdadeiramente importante porquanto nada é verdadeiramente real)?
Quem é aquele que tempos depois de romper o hímen da consciência, duvida da sua própria, das alheias, estejam aqui ou algures (melhor mesmo seria usar o termo nenhures, porque só habitamos nossa própria mente!), e olhando as pessoas vê apenas a noite que as aguarda, paciente e resolutamente; e ouvindo as pessoas, ouve, sobretudo, o sonoro silêncio que as envolve e engole, tão profundo, doce e calmo que até as embala (e dançam magicamente com sua própria morte!)
Quem é aquele que tocando as pessoas desconhece seus corpos, seus desejos, suas necessidades, porque está para além deles, olha, sente, ouve e fala para além deles, para algo e alguém que está além deles. Quem é o infeliz agraciado com este dom noctífero?
Quem é aquele que antes da pequena morte do sono, mirando as trevas, como um Hamlet sem a poesia, questiona: Existo? Existem? Existimos? E se existo, e se exisitimos, o que é o existir, o que é a existência? Um fato concreto, num dado momento da dialética relação Espaço-Tempo? uma idéia, um ideal inoculado em nossas mentes; o dogma de alguma mitologia senil; um preconceito espurco; uma sensação fugaz; um desejo ardente; um abscesso; um estupor; uma vertigem; ou simplesmente uma mentira ordinária na qual acreditamos porque é bom e fácil de acreditar? É uma causa, uma conseqüência, um meio, um fim, um mistério insondável, insolúvel, ou talvez o óbvio ululante ou qualquer coisa desimportante (então, meus questionamentos seriam inúteis)? Há, além disso, alguma importância superior no fato de existirmos?
Quem é aquele que se faz tantas perguntas, e prossegue: pode a existência ser uma equação matemática? Ou seria a existência o que a mente traduz do mundo que nos é exterior, e que apreendemos pelos sentidos, e descodificamos pela razão? Ou a mente inventa o mundo exterior, do qual supostamente fazemos parte, e depois de inventá-lo nos faz acreditar nele? E se isso for verdadeiro, se minha mente inventa tudo, então somente eu existo? Os outros são miragens, no deserto da minha existência? Mas aí todos os demais poderiam pensar a mesma coisa: apenas eles existem, enquanto indivíduos de carne e osso, enquanto indivíduos que riem e pranteiam; os outros são fantoches, coadjuvantes atuando no filme de suas vidas... Conseqüentemente, a humanidade seria um vastíssimo conjunto de alienados vivendo em universos paralelos, separados, próprios a cada um. Idéia terrivelmente fantasmagórica!
Há outra possibilidade: e se todos formos sombras de um mesmo objeto multifário-incognoscível (assumir esta hipótese o torna cognoscível?); existimos todos, existi tudo num amplíssimo conjunto onde cabem infinitos subconjuntos, que se re-combinam ad infinitum, às vezes aleatoriamente, às vezes premeditadamente; existimos num lugar onde tudo é possível e onde as coisas todas e suas antíteses co-existem, existem simultaneamente; existimos eternamente (não importa que morramos, neste exato momento somos eternos); enfim, existimos em Deus (eu sei que o vocábulo Deus está deveras desgastado, mas foi o melhor termo que encontrei para expressar essa intuição). Deus não é um problema metafísico, de fé, de medo, de justiça, de uma moral universal ou de vida após a morte. Deus é uma questão lógica (e, obviamente, as religiões são um erro que já perdura por tempo demais, um delírio estúpido). Deus é, simplesmente, o INFINITO DE POSSIBILIDADE DAS COISAS ou AS COISAS E SUAS POSSIBILIDADES INFINITAS.
Deus existe e fazemos parte dele, assim como os vírus e as bactérias fazem parte da natureza e a estupidez tão ativamente faz parte da humana natureza.
E o mais sensacional: não há nada de extraordinário em tudo isso!
Ou há?
NORMINHA
(para minha amada mãe)
Nossos momentos: suaves encantos, com tua presença
Acolhidos em ti, revigoramos na beatífica luz dos teus círios
És rara: a que transfigura em sonhos douradouros martírios
Fortalece o corpo e a alma e ajuda a debelar a doença
Difícil nos é decantar tuas virtudes condignamente
Já a Graça Divina, de forma cabal o fará, no infinito
Porque és discípula fiel daquele que fez do amor o seu grito
Com Ele tendo o bem aprendido, que fazes silenciosamente
Tua suavidade é fortaleza e teu silêncio, congraçamento
A empatia te guia na heróica missão das almas caritativas:
Adentrar as celas em que as pessoas padecem cativas
e, como um Héracles a libertar Prometeu, dar-lhes alento
Erguer-se como diante do mundo sem tua coragem
Que nos sustenta com profundas lições de fé e amor?
Não é o elixir das tuas palavras, ensinando o destemor,
Que nos tem salvaguardado nas intempéries desta viagem?
Nosso anjo da guarda! Cálida morada de luz e ternura!
Perenal sol que nos impõe continuar florescendo,
Cujo calor impede nosso ânimo de ir decrescendo
E nos levanta para desafiar e vencer a amargura!
FRAGMENTOS POÉTICOS
*
sim, meus amigos
é verdade
cansei-me de mim
cansei-me de mim
irremediavelmente
também, se me permitis
cansei-me de vós
daquelas cenas banais
que representávamos
cotidiana e desafortunadamente
sim, meus amigos
cansei-me de vós
irremediavelmente
decrépita a antiga face
cegos os velhos olhos
muda a boca senil
superados os temas da remota personagem
sepulto-os num cemitério de memórias
a exaustão também chegou às vossas partes
cenas que cumpristes sempre diligentemente
e que cumpris ainda
mortificados
de quando em quando
mundo, gente, é urgente sermos outros
viver a mesma vida cansa
mudança é a constante na matemática do tempo
o que me é posto agora é renascer
glória efêmera
profundo mistério
e sentido da nossa natureza
do pó ressurjo, mitológico
avançando no curso ontológico
desse rio
*
viver cansa
decerto / deserto
mas não há o descanso eterno?!
O mundo é triste, às vezes
mas recolher-se entre quatro paredes?!
Gira o mundo
pressuroso
obsidional
remoinho antropofágico...
mas o sonho humano é imortal
e mágico!
As pernas doem?
Entonteces?
Agarra-te ao fugaz momento!
Entorna a urna de Baco!
As coisas farão sentido a seu tempo...
E se ficares sozinho
Restarão as memórias
E se te derrubarem ao chão
Restarão os braços de levantar
Lembra-te do resto:
O resto é silêncio. . .
*
POEMA CIENTÍFICO
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