por Tádzio Nanan
1)
O tempo passa e nos leva aos pedaços: um pouquinho do corpo, um pouquinho da mente, um pouquinho da alma
O tempo passa e nos leva aos pedaços: um pouquinho dos músculos, um pouquinho do coração, um pouquinho da memória
O tempo passa e nos leva aos pedaços: a criança, a lembrança, a esperança, também a coragem
A cada dia, a cada esquina, a cada susto o tempo passa e nos leva; no fim, somos poeira cósmica
A cada noite, no sofá da sala, no jantar com a família o tempo passa e nos leva; somos sombras fugidias
O tempo passa...
Não, ele corre!
O tempo corre com sua disposição atlética, com seu espírito olímpico, deixando-nos para trás, exaustos, com o coração saindo pela boca
O tempo corre com suas pernas titânicas, espalhando luzes e trevas no seu rastro, envolvendo-nos em seu implacável jogo de renovação e morte
O tempo corre...
Não, ele voa!
O tempo voa, mas somos nós quem caímos das alturas, caímos na real: é, o tempo voa, e nós, no máximo, corremos
É, o tempo voa, enquanto caímos na real: caímos nos braços do esquecimento, nos braços do sono, nos braços da noite, cujas vozes é o silêncio, íntimo companheiro de tudo que sonha
Ah, o tempo...
Se passasse mais devagar...
Ou se a gente vivesse mais e melhor...
Ou se a gente aprendesse mais rapidamente a viver, se a gente aprendesse mais rapidamente sobre o tempo, sobre os tempos da vida...
Ou se
Ao menos
A gente aprendesse a passar, a passar simplesmente
Como o tempo...
2)
a moça apaixonou-se pela pessoa errada
e vivia a chorar estrelas com seus olhos noturnos
(outros orientavam-se no escuro com as estrelas que ela chorava, mas ela não se apercebia disso...)
falava sozinha imaginando seu amor abandonado ao sofá da sala, num comuníssimo domingo, lendo o jornal, a ouvi-la tagarelar e a rir-se dela; e compartilhava com este ser imaginário seus cotidianos dramas e alegrias, suas modestas aspirações e inspirações...
antes de dormir, tocava-se com lânguida sensualidade e despia-se num jogo erótico ilusório, sonhando o amante materializado em sua cama, viril mas delicado, a observá-la com paixão: mágica do amor romântico e da imaginação concupiscente...
a moça estava faminta de um corpo
a moça estava sedenta de uma alma
e foi assim que se deixou levar pelas metáforas de um jovem poeta – um poetaço, por quem se apaixonara, perdidamente, sem esperar ou querer, e esperou e quis e quis e esperou e esperou e quis, tudo baldadamente...
sóis e luas vieram e se foram
esperanças cresceram e minguaram
sazões dormiram e acordaram
e nada!
iludiu-se com os mal-entendidos da linguagem
iludiu-se com as miragens dos devaneios
iludiu-se com os calafrios dos desejos
até que, enfim, ela decidiu-se por não esperar mais a pessoa certa e se fez pessoa certa para alguém, e adorou fazer alguém feliz, e foi feliz também
às vezes, as coisas fazem mais sentido quando você desiste delas...
3)
cortaram as árvores de dar sombra
sombras de dormir muito e gostosamente
e sonhar sonhos doces e frutíferos
cortaram as árvores de papear debaixo da copa
e filosofar axiomas, paradoxos, sofismas, quando a turma pensando pensa que é esperta só porque pensa, enquanto adora Baco e fala alto e se confunde
cortaram as árvores de marcar no tronco o nome da namorada: a real, a imaginada
cortaram as árvores de ouvir passarinho e fazer serenata
cortaram as árvores...
por outro lado, agora vejo melhor a vastidão do céu: céu de imaginar-se alado, céu de mergulhar nas nuvens, céu de sonhar com as estrelas, com outros mundos e o Paraíso, céu de Deus, de deuses e titãs, e também céu de me situar no mundo: somos tão pequenininhos...
a luz irradia-se mais livremente, o calor propaga-se, e restaura-se a saúde do sistema corpo-mente-espírito: remédio gratuito e efetivo
a luz do sol me acalma entrando no meu quarto
e o calor faz a gente se sentir mais vivo
perdi as árvores, mas me dourou o sol
perdi as árvores, mas me ampliou o céu
perdi as árvores, mas me curou a luz
muitas vezes, quando a gente perde é quando a gente mais ganha
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