segunda-feira, 24 de agosto de 2009

MANUSCRITOS ECONÔMICO-FILOSÓFICOS parte 1

- Fragmentos

Tádzio Nanan
Economista

(I)
Com o aprofundamento da globalização, é preciso ter em mente que ela não pode restringir-se apenas a aspectos financeiros, refém de uma lógica economicista, que privilegia a remuneração dos capitais privados (de forma estéril, já que não cria novos bens ou serviços para a economia) em detrimento da qualidade de vida das sociedades humanas, transformando os estudiosos da ciência econômica em paladinos acéfalos do sistema cujo único objetivo é “reproduzir” o capital de mega corporações transnacionais, ao invés de preocupar-se com a mais racional, ética, equânime, sustentável e eficiente mobilização dos recursos econômicos (é realmente eficiente se atender às reais necessidades humanas, sem desperdícios). É imperioso compreender que há muitos outros valores mais essenciais e salutares que simplesmente a mera produção e acumulação de riqueza material a serem resguardados e disseminados para a tarefa de construirmos um novo milênio da maneira a mais equilibrada, sensata e serena. Para isso, é preciso soerguer a Política, que foi submetida aos ditames da economia liberal. A economia não pode, não deve pairar num plano superior à Política, esta entendida como o debate democrático e participativo acerca da resolução dos problemas cotidianos de homens e mulheres e acerca do futuro comum dos humanos, repleto de desafios e potenciais perigos.
(...)

(II)
O progresso técnico, a tecnociência, a razão instrumental despertam forças cegas que põem em perigo a civilização e a dignidade humana (alguns afirmam não existir essa coisa chamada dignidade humana!). Um exemplo dessas forças cegas são as armas de destruição em massa (químicas, biológicas, nucleares), incluídas aí os arsenais à disposição das potências hegemônicas, que as produzem e vendem às áreas conflagradas, auferindo lucros desmedidos e antiéticos (caso dos EUA, com quase metade das vendas, Reino Unido, França, Rússia, Alemanha, China; a maioria destes países faz parte do obsoleto Conselho de Segurança da ONU, cuja missão, ironicamente, é preservar a paz no mundo!). A união da tecnociência com o Capital também tem o potencial de gerar uma desigualdade radical entre os humanos, perigo jamais visto em qualquer outro período histórico: a apropriação privada e a manipulação do código da vida, suas múltiplas aplicações e implicações. Última fronteira do Mercado, sonho tirânico e megalomaníaco do Capital, visando a lucros incalculáveis e poderes incontrastáveis. Sob o dogma desta secular relação social, o Capital, o progresso técnico é apenas uma função do lucro privado da empresa capitalista, e não tem necessariamente relação com o bem-estar das sociedades humanas e satisfação de suas necessidades fundamentais. E é bom que se diga: o lucro pecuniário está longe de ser o fulcro sobre o qual deva alicerçar-se as motivações e atividades humanas. O é no presente, mas tem de deixar de sê-lo no futuro, se quisermos um futuro melhor (lembremos dos lucros que as guerras e conflitos bélicos proporcionam à empresas e governos, do tráfico de drogas, de armas, de órgãos e seres humanos (mulheres e crianças) para o mercado globalizado do sexo etc.
(...)

(III)
A devastação do meio ambiente segue implacável. Atentemos para o que farão nossos líderes na Conferência de Copenhagen, quando se discutirá as mudanças climáticas, os meios de combatê-la, o desenvolvimento sustentável, e um crescimento econômico cujas emissões de gases do efeito-estufa seja progressivamente menor a cada ponto percentual de aumento do PIB. É preciso avançar urgentemente para além do Protocolo de Kyoto. Lembremos que as mudanças climáticas e o aquecimento global têm causas antropogênicas e que resultam do modelo insustentável de crescimento econômico adotado pelos países ricos nos primórdios de seu desenvolvimento capitalista. Agora todos nós humanidade, sobretudo os mais pobres e os que estão em maior risco social, estamos sofrendo os terríveis efeitos da irresponsabilidade, ganância e prodigalidade das auto-intituladas nações mais desenvolvidas e ilustradas do planeta!
(...)

(IV)
Não obstante o contínuo crescimento econômico global das últimas décadas, medido em termos de PIB, não aumentam os níveis de satisfação subjetiva dos indivíduos (pesquisas feitas, p.ex., nos EUA o comprovam), nem diminui as desigualdades entre pessoas, classes, regionais, nações. Uma melhor distribuição da riqueza produzida, uma mais equilibrada e justa, é impossível dado os paradigmas a que estamos submetidos. As evidências? A própria OCDE constatou recentemente que a desigualdade socioeconômica vem aumentando entre os 30 países desta organização, países estes os mais ricos do mundo. E chegou a uma conclusão desalentadora: as medidas clássicas advogadas para se tentar diminuir a desigualdade socioeconômica, a principal delas, a política fiscal (cobrar tributos dos mais ricos para financiar o gasto social), têm se mostrado pouco efetivas. Então, o que fazer? Prevalece o ciclo estrutural da pobreza, ou, segundo os termos de Myrdal, a causação circular da pobreza e da riqueza. Alguns dados (veiculados na grande mídia): 20% da população mundial detêm 80% da riqueza global; as 3 pessoas mais ricas do mundo possuem ativos econômicos superiores aos 48 países mais pobres, nos quais vivem 600 milhões de pessoas; 257 indivíduos têm renda equivalente a de 2,8 bilhões de pessoas (mais ou menos 45% da humanidade); no Brasil, 1% das famílias detém 50% da Renda Nacional; no mundo, quase 1 bilhão de pessoas estão em situação de insegurança alimentar grave (fome mesmo!). São muitos os dados estatísticos que vamos publicar aos poucos, em outros manuscritos.
Definitivamente, o reino do Capital é o reino da barbárie!
É a isso que eles chamam de eficiência econômica?! Epidemia de obesidade nos países ricos e a fome humilhando 1 bilhão de pessoas? Ricos entupindo-se de remédios inúteis para pretensamente combater suas angústias, vazios existenciais e estresse, enquanto as chamadas doenças negligenciadas fazem milhões de vítimas todos os anos porque a toda-poderosa indústria farmacêutica não quer gastar dinheiro em pesquisa para as “doenças de pobre”, já que eles não podem pagar pelo tratamento!? Um bilhão de automóveis e vôos diários de um número sem-fim de aviões ajudando a agravar o aquecimento global e as mudanças climáticas (que aumentarão o número de famintos no mundo) enquanto mais de 2 bilhões de pessoas não têm sequer acesso a saneamento básico!?
O sistema opera bem para 20% da humanidade, mas relega à sarjeta pelo menos 50% dela! É preciso fazer alguma coisa!
(...)

(V)
É preciso ousar viver a vida de forma mais simples, comedida, racional, sustentável, solidária. Não se trata de propor uma utopia regressiva, uma volta a um passado idílico, que provavelmente nem existiu, mas de nos sintonizarmos com a realidade objetiva da civilização humana, da economia, e da encruzilhada em que nos encontramos todos neste momento, que pode ser um ponto de inflexão na curva da História, se realmente desejarmos e agirmos para tal. Necessitamos de novos paradigmas mais sustentáveis e responsáveis de produção e consumo, até porque o planeta Terra é um sistema fechado e finito, e desrespeitar isso é pôr em perigo nossa própria existência. E por quais ideais chegamos ao ponto de ameaçar nossa própria existência na face da Terra? Tudo em nome de uma prodigalidade estúpida, vã, imoral, patética das classes abastadas ao redor do mundo e sua sanha pueril de consumir infinitamente e ostentar e exibir-se mundo afora. É impossível vivermos num mundo em que uma minoria vive alienada e irresponsavelmente, mergulhados num consumo conspícuo irrefletido, enquanto maiorias silenciosas têm de contentar-se em viver com os restos do banquete dos aquinhoados, sofrendo toda sorte de privações, sem acesso a coisas básicas como água potável, saneamento básico, segurança alimentar, um lar, um emprego, salário com que possam sustentar suas famílias, razoável saúde, educação e segurança públicas.
Urge um homem novo, cidadão do mundo, não no plano do turismo ou dos negócios (muitos só enxergam até aí com suas vistas míopes e mentalidade infantil, crendo que o definidor da vida é o dinheiro, o sucesso, a vaidade), mas guerreiro na luta pela soberania e dignidade das populações mundiais, por um relacionamento mais racional e não meramente utilitarista com a natureza (a poluição advinda das atividades produtivas deveria ser contabilizada negativamente no cálculo do PIB), contra o poder político, econômico e militar concentrados e as autoridades sem legitimidade, contra os imbecis racistas, nazistas e adeptos dos obscurantismos de toda ordem, inclusive religiosos, enfim, na luta brava para termos nas mãos o leme do barco da História.
(...)

(VI)
UTOPIA?
Permitamos nos imaginar na órbita terrestre por alguns instantes. Olhando de lá, em direção ao nosso planeta, não veríamos a miríade de divisões geopolíticas, socioeconômicas, culturais, “raciais” (em termos biológicos, não existem raças), muito menos as bandeiras ou símbolos que, no imaginário coletivo, representam povos, ideologias, nações. De lá, veríamos apenas as diferenças naturais do globo terrestre, ficando evidente que este pequeno planeta azul, agraciado com a vida, a todos nós pertence. Cada um de nós é seu responsável e cada um de nós pertence a um mesmo todo, e o todo nos pertence, embora muitos acreditem ingenuamente que tal indivíduo, ou grupos de indivíduos, ou que tal empresa, ou grupos de empresas, sejam donas de partes do planeta, de seus recursos e riquezas naturais. O que estamos afirmando é que há uma prevalência do humano e de sua dignidade acima dos interesses do Capital, das empresas privadas, da propriedade privada, e também de demarcações ilusórias criadas pela geopolítica, pela religião e pelos costumes.

(continuam estes e outros temas)

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