Ela
era tão ilustrada. Mas tinha tanto a esconder dos outros. Que se
escondia.
Era
tão apaixonada (pela vida). Mas tinha tanto a esconder dos outros.
Que se escondia.
Ela
era tão cheia de energia. Mas tinha tanto a esconder dos outros. Que
se escondia.
Era “aquela que contagia”. Mas tinha tanto a esconder dos outros.
Que se escondia.
Ela
era tão espirituosa. Mas tinha tanto a esconder dos outros. Que se
escondia.
Era tão talentosa. Mas tinha tanto a esconder dos outros. Que se
escondia.
Por
ter tanto a esconder dos outros, e se esconder tanto e tão amiúde,
caiu doente, tornou-se antropófoba, estéril, arrogante, inepta,
estúpida, louca. E assim passaram-se anos.
Mas,
num radioso dia, iluminou-se: entendeu que a mentira e a dissimulação
são as bases sobre as quais se ergueu a própria civilização; a
mentira e a dissimulação são a fundação e o fundamento de
qualquer relação social, de qualquer relacionamento privado, ainda
mais nestes dias de hoje, de tanta aparência e pouquíssima
essência, de tanto utilitarismo antiético.
E
o que aconteceu? Ela relaxou, não se sentiu mais tão terrivelmente
inadequada. Ela olhava para as pessoas e já conseguia perceber as
mentiras, as dúvidas e dívidas, as pequenas trapaças, as
malfeitorias e corrupções que os outros tentavam esconder por meio de olhares e sorrisos caridosos (ambos os dois, completamente falsos), ou, na forma
contrária de agir, com palavras ásperas, risos de escárnio, com
arrogância e superioridade (teatralmente encenadas).
E
sentiu-se parte desse todo humanidade, e até apiedou-se de nós humanos e dela própria, humaníssima. E sentiu-se acompanhada,
e desse dia em diante doravante fez-se companhia para todos os seus irmãos.
Continuou
a esconder coisas dos outros, claro (fétidos preconceitos, pequenas
faltas, ligeiros desvios de caráter, os bons e velhos pecados
capitais), mas não se escondia mais, pois sabia que os outros também
lhe escondiam coisas, que eram as mesmas coisas que ela
desesperadamente escondia – apenas diferentes no grau e na ordem.
Não é maravilhoso quando enfim todo mundo se entende?
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