sexta-feira, 20 de novembro de 2009

MANUSCRITOS ECONÔMICO-FILOSÓFICOS parte 3

Críticos do sistema capitalista desenvolveram teses como a do Decrescimento, do Pós-Desenvolvimento e da Anti-Globalização para contestar alguns axiomas da economia liberal. Tais teses fariam mais sentido se fizéssemos uma transição para uma economia planificada, onde pudéssemos redistribuir toda a riqueza material e o capital de forma a melhorar os níveis de renda e o bem-estar de todos os indivíduos da sociedade e garantir o pleno emprego. Partindo de um ponto de absoluta equidade como este, poderíamos planejar um crescimento econômico mais módico, e, ao mesmo tempo, mais “científico”, no sentido de que seus resultados se distribuiriam igualmente para todos os grupos sociais. Agora, propor a contenção do crescimento econômico, dentro dos marcos do sistema capitalista, é fatalmente agravar a iniqüidade sócio-econômica, o desemprego e engendrar a guerra civil nas sociedades mundo afora.

Propor simplesmente a contenção do processo de crescimento econômico para resolver o problema ecológico é abandonar os pobres e deserdados do mundo à própria sorte. Se já não se pode assegurar, mesmo havendo crescimento econômico, que se conseguirá melhorar a situação sócio-econômica das classes menos privilegiadas, imagine abdicar dos objetivos fundamentais de qualquer economia, o crescimento e o desenvolvimento econômico. Contudo, o preço desse crescimento e desenvolvimento econômico não pode ser a catástrofe ecológica, até porque, se isso acontecer, as perdas financeiras e econômicas futuras também jogariam os pobres do mundo no caos e no desespero. E é justamente a parcela mais frágil das populações mundiais que tentamos defender aqui.

Como propor a contenção do crescimento econômico quando é urgente aumentar a renda per capita dos países pobres e de enormes parcelas marginalizadas da população dos países em desenvolvimento? Como propô-lo quando urge aumentar a oferta de bens e serviços aos miseráveis e pobres do mundo, aumentando seus níveis de bem-estar? Como propor um movimento anti-globalização quando uma das saídas possíveis para minorar a miséria no mundo(dentro dos marcos do capitalismo)é aumentar os fluxos comerciais e de capitais dos países ricos indo em direção aos países pobres, para ajudar a financiar seu desenvolvimento, lutando com afinco para acabar com os bilionários subsídios à ineficiente agricultura dos países ricos e, por exemplo, aumentar a regulação sobre os capitais internacionais, visando a um sistema monetário internacional mais equilibrado, o que poderia ser conseguido se adotássemos a taxa de Tobin.

Ou superamos o Capital, indo em direção a uma economia planificada, ou, permanecendo dentro da lógica do sistema, é preciso usar os mecanismos que ele oferece para melhorar a vida das populações mundiais. Claro que, ao permanecermos sob a influência do Capital, provocamos, pelo menos no curto prazo, um acirramento da crise ecológica, já que as negociações internacionais sobre os limites para a emissão de gases do efeito-estufa se desenvolvem muito lentamente. Se formos mesquinhos e incompetentes a tal ponto, nossas inépcia e letargia se traduzirão em pesadíssimos prejuízos sócio-econômicos para as gerações futuras. De fato, é dentro desse contexto que se propõe a idéia de restringir o crescimento econômico, já que menor crescimento significa menor emissão de carbono. Mas repito: isto afetaria fundamentalmente aos mais pobres. A escolha ideal seria restringir o consumo supérfluo e ostentatório das parcelas mais ricas do mundo (os governos poderiam tributar os comportamentos indesejáveis e criar benefícios fiscais para estimular comportamentos necessários e sadios) e concomitantemente estimular o consumo dos mais pobres, que precisam urgentemente de alimentos, remédios, vestimentas, moradia, acesso à saúde, educação etc. Mas isso é praticamente uma utopia política, afinal, é a plutocracia mundial que manda nos destinos do mundo e das gentes, e também acarretaria prejuízos econômicos, o que não seria tolerado pela burguesia transnacional.

A luta dos homens e mulheres de boa vontade deve ser a de se gerar um crescimento e um desenvolvimento sócio-econômico que acarrete o mínimo possível de impacto ambiental, avançando, por exemplo, para o desenvolvimento e uso de fontes de energia limpa e ecologicamente sustentáveis e hábitos de produção e consumo mais racionais e sustentáveis no longo prazo. A Terra é um sistema fechado, com recursos naturais finitos, mas é possível usá-los de forma sustentável, dando ao meio-ambiente tempo de auto-regeneração (como fazemos com o solo), de forma que possamos continuar usufruindo dos benefícios que ele nos proporciona. É uma questão de avanço da ciência pura, da ciência aplicada, da pesquisa e desenvolvimento de novos produtos e processos produtivos, mais limpos e mais baratos. É também uma questão de decisão política, Política com P maiúsculo, o que envolve necessariamente a participação das sociedades de todas as nações da Terra e o debate plural, aberto e democrático, nas instâncias regionais, nacionais e globais.

Mas, enfim, por que defendemos a continuação do processo de crescimento econômico? Então, vamos explicá-lo e mostrar porque ele ainda é fundamental nos dia de hoje, sobretudo para as massas deserdadas, que dependem em larga medida da atuação do Estado e de uma ocupação que lhes assegure uma renda monetária mensal. Falar em crescimento econômico significa aferir o quanto aumentou marginalmente, num dado período de tempo, geralmente um ano, a oferta de bens e serviços produzidos por uma sociedade e seu sistema econômico subjacente. É importante porque aumentaria o bem-estar, a qualidade de vida da população, o acesso a bens e serviços essenciais a uma vida produtiva e saudável. Se imaginarmos hipoteticamente uma sociedade perfeita, onde todos têm igualmente acesso aos mesmos bens e serviços, na quantidade ótima e com qualidade ótima, uma verdadeira sociedade da abundância, perde importância este fato econômico (o crescimento econômico, o crescimento do PIB). Claro que se a riqueza material puder continuar aumentando, sem contradições e conseqüências danosas, as pessoas, provavelmente, vão preferir sempre mais, como prevê um dos axiomas da microeconomia (preferimos sempre a cesta com maior número de bens). Mas certamente se atingirá um ponto, em meio à abundância, de a riqueza material ir perdendo importância, o que se coaduna com outra lei econômica, a da utilidade marginal decrescente. Se para um casal recém-casado, um automóvel é bom, e dois automóveis pode ser o ótimo, se ambos tiverem que ir trabalhar em locais separados, quaisquer números de automóveis superiores a esse é pura ostentação supérflua, e estamos todos, a sociedade e este casal numa situação não-ideal, de desperdício, de ineficiência econômica, sobretudo em face de existirem famílias sem automóvel algum. É bom lembrar que se a oferta de transporte público for ótima, e houver segurança pública, então talvez sequer precisemos de transporte individual. Quem sabe essa utopia possa acontecer no futuro.

Voltando ao crescimento econômico. Para averiguar a qualidade desse crescimento, temos que observar diversos fatores:

- se o crescimento econômico é pró-pobre, ou seja, se as parcelas mais pobres da sociedade têm ganhos econômicos proporcionalmente maiores do que o das parcelas mais ricas, diminuindo a desigualdade sócio-econômica;
- se os rendimentos do trabalho crescem proporcionalmente mais que os rendimentos do capital na distribuição funcional da renda;
- se gera inflação;
- se gera déficit em transações correntes;
- se é sustentável ecologicamente;
- se gera endividamento interno e externo excessivo;
-se é sustentável inter-geracionalmente (p.ex., crescimento econômico que gere inflação alta ou grande endividamento significa que num futuro próximo o governo terá de elevar a taxa de juro, abortando o processo de crescimento);
- se diminui os desequilíbrios regionais, que no caso do Brasil é flagrante.

Gerar crescimento econômico é essencial para fins de geração de emprego, bem maior do cidadão e da cidadã, no capitalismo (lembremos que numa economia planificada, a economia opera em pleno-emprego; já no capitalismo, devido às contradições inerentes ao modus operandi do sistema econômico, seus ciclos, suas “bolhas” especulativas, suas crises periódicas, o governo deve estar sempre perseguindo a diminuição da taxa de desemprego, ainda mais com a tendência secular de crescimento do desemprego tecnológico). Gerar crescimento do produto significa gerar os empregos necessários para absorver a mão-de-obra entrante no mercado de trabalho anualmente; gerar crescimento também diminui o estoque de desempregados numa economia e substitui os empregos informais por empregos formais, destruindo empregos de péssima qualidade e criando outros de melhor qualidade e melhor remunerados.

Crescimento do produto também significa maior arrecadação tributária. E a atuação do Estado, em todos os seus níveis e propósitos, só é possível com os recursos advindos dela. Países com imensa dívida social, como o Brasil (situação em que se encontra também a imensa maioria dos países do mundo) não podem abrir mão de perseguir o crescimento econômico e o desenvolvimento eco-socialmente sustentado.





Tádzio Nanan
Economista

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